Inspirado por artistas que conquistaram o cenário nacional, rappers e produtores locais contam como desenvolvem seu trabalho para viver do estilo musical
O rap é um estilo musical que tem se popularizado e ganhado cada vez mais relevância. De Salvador, artistas como Vandal de Verdade e Baco Exu do Blues têm conquistado o mercado nacional, ganhando prestígio e reconhecimento no mercado musical.
O estilo, que a princípio era associado à criminalidade e ao público periférico, com o decorrer do tempo tem transformado sua imagem. Através da criatividade de transpassar mensagens e fazer críticas política e à problemas sociais, o rap utiliza a arte e cultura dentro do estilo musical para transformar e denunciar realidades.
Novos artistas
Conhecido como Vagal, Matheus Garrido, de 24 anos, e DG, Douglas Saldanha, de 19 anos, são rappers que estão construindo suas histórias nesse estilo musical na Bahia e relatam que o rap tem ganhado mais espaço em Salvador.
Vagal conta que sua conexão com a música existe desde seus 11 anos, quando se sentiu verdadeiramente conectado ao rap. “Desde aquela época sabia que era aquilo que queria fazer”, relata.
Seu início foi despretensioso, por mais que almejasse fazer aquilo pelo resto da vida, não enxergava esse mundo como uma possibilidade de carreira real. Porém, com o tempo percebeu que a música seria algo em que investiria seu esforço e tempo, e lutaria para realizar.
Hoje, Vagal não faz parte de um grupo musical propriamente dito, mas sim de um Selo. No universo do rap, “Selo” é a união de artistas de diversas áreas cooperando entre si para se ajudar dentro do mercado musical e do crescimento do grupo, sendo compostos por cantores, produtores, fotógrafos, estilistas, profissionais de TI, etc.
No Selo que Vagal atua estão integrantes como, Gust, Macedo, Chester Bitt (que também é produtor), Wayra e VS. Na produção estão El Piva, Conflito e Napoli.
Sua paixão pelo rap o faz querer se entregar inteiramente ao meio musical: “meu sonho é viver do rap, porque para ele eu já vivo”. Enquanto batalha para ascender nesta carreira, Vagal trabalha em um escritório de contabilidade, mas diz que pretende abandoná-lo para se dedicar inteiramente à música.
Por ser um som de representatividade periférica, o rap não teve um bom acolhimento logo que chegou ao Brasil, mas atualmente com o trabalho de famosos, cantores, produtores e sua popularização nas massas, o estilo vem conquistando cada vez mais espaço.
“Quando eu tive minha primeira experiência com o rap, o estilo musical era muito marginalizado, sendo até mal visto e mal interpretado. Me enche de alegria ver a proporção enorme que ele vem tomando”, relata Vagal.
O artista conta que suas músicas são especiais, que retratam seu íntimo, falam sobre lazer ou sobre suas questões internas e pessoais: “Acho que consigo me conectar com algumas pessoas que possam ter passado por coisas parecidas com as que eu relato, ou até as que só pensam de forma parecida mesmo”.
Suas maiores inspirações para produção de músicas dentro do rap são: Tupac, Emicida, Oddish, Lil Wayne e todos os rappers que trabalham com ele na Raposa Ladrona, produtora em que é agenciado e onde produz seus clipes e músicas.
Também amante do rap e apaixonado por produção musical, Douglas Saldanha, que se apresenta artisticamente como o rapper DG, é um recém chegado ao mundo do rap profissional.
Porém não é de hoje que o artista tem contato com a música. DG foi extremamente estimulado pelo seu irmão mais velho, Gabriel, que além de atuar e viver desse meio artístico, sempre introduziu a ele instrumentos e recursos para cantar e tocar. DG diz que seu irmão é sua “base musical” e também sua inspiração.
Quando tinha entre sete e oito anos, aprendeu a tocar violão por influência do irmão e desde então foi se conectando cada vez mais com o rap. Em 2018, quando tinha 16 anos, começou a escrever letras de músicas mais profissionalmente.
Em 2019, quando entrou no Instituto Federal da Bahia (IFBA), onde atualmente é estudante de Edificações, o artista conheceu alguns amigos que compartilhavam da mesma paixão e juntos criaram o grupo de rap Cozy Mob.
Foi com esse grupo que DG ganhou mais experiência com a escrita, o “flow” musical e a parte técnica, que seria a produção musical, área essa que o encantou e fez com que resolvesse se dedicar à ela.
DG conta que sempre gostou de ouvir rap, mas que começou uma produção mais séria pouco antes de entrar para a Cozy Mob, que atualmente já não realiza mais produções como um grupo.
Recentemente, em outubro, DG lançou sua primeira música, chamada “Pistoleiro”. “Esse som foi uma coisa que eu fiz muito descontraído, muito por diversão”, conta o artista sobre o projeto elaborado com uma produção totalmente independente.
DG – PISTOLEIRO ? | (Beat Neytxn x Ttheuz1n)
Além de seu primeiro som solo lançado, DG já fez participação em outras músicas como “Minha Dama”, na Cozy Mob, e em um projeto com outros dois artistas, Elas e R&B. DG já tem outros dois projetos solos que ainda serão lançados, chamados “Vibe” e “No Corre da Grana”.
Para DG, uma das maiores dificuldades na área de produção, na vivência de um iniciante, é o custo das produções musicais.
“Tanto para quem quer quanto para quem faz. O maior elenco do rap vem de famílias de baixa renda, o rap alcança a base da pirâmide social, ou seja, as pessoas que ouvem e fazem rap geralmente são de baixa renda. Pessoas que querem fazer um projeto mais organizado tem que ser correria, porque um beat bom e uma produção organizada custa dinheiro, então para crescer, os microprodutores têm de fazer sacrifícios, não podem cobrar caro, pois não tem quem pague pelos seus custos”, relata o artista.
Produção musical
Começando na produção musical em 2018, Italo Felipe, mais conhecido como Plant no Beat, teve como influência, para iniciar sua carreira, amigos que começaram um grupo de rap.
Suas inspirações no ramo são Papatinho, Boricelli, Pedro Lotto, Doug Beats, DJ Coala, entre outros. Para a criação da base de seus trabalhos a melodia e a percussão baiana são suas inspirações, pois, apesar de se encontrar no rap, este não é o único estilo que produz.
“Do Samba ao Piseiro, me aventuro e me dedico muito em cada projeto. A inspiração para cada faixa, vem através de alguma melodia ou percussão, e acabo construindo através disso. Sempre tento trazer minha essência estética, o pagode e o Axé Music de Salvador e o funk do Rio de Janeiro, para os sons”, relata o produtor.
De suas preferências, uma delas é participar lado a lado com cada artista no momento da produção: “Como produtor musical, tento entender a ideia da música e a vibe que ela passa e, assim, direcionar o artista na hora da gravação para alcançar o melhor resultado em cada som”.
Integrante do Selo Rastro Records, Plant traz sua baianidade nos beats em que produz, já tendo produzido para artistas como Villa Flor, Hamsá, Artivis e Carlin. Estes trabalhos estão disponíveis em todas as plataformas digitais. O produtor diz que, em breve, estarão sendo lançados novos projetos.
Infelizmente, nem tudo nesse ramo são flores. Ainda se tem muito preconceito sobre o rap, e com isso, pouco investimento para o estilo se desenvolver de forma progressiva. “Acredito que as dificuldades enfrentadas por todos os artistas, beatmakers, produtores, engenheiros e técnicos é viver em um país que não favorece o nosso trabalho. Muitas vezes passando por preconceito e dilemas que poderiam ser minorados que houvesse um investimento real na cultura popular brasileira”, relata Plant.
Apesar desses empecilhos, Plant se esforça para manter a boa qualidade das produções: “O investimento inicial para fazer a produção completa do som, do instrumental a captação de voz, é basicamente um computador, um microfone, uma interface de áudio e um fone de ouvido. Estes equipamentos são de baixo custo, mas pretendo trocá-los”.
O futuro desta carreira em Salvador ainda é incerto. Apesar do estilo crescer a cada dia, ainda existe resistência sobre ele. Para Plant, a expectativa para o este meio artístico é principalmente o reconhecimento, respeito e crescimento.
A origem do Rap
O rap foi um ritmo musical que surgiu na Jamaica nos anos 60 e foi levado para os Estados Unidos na década de 70.
Se instaurou majoritariamente em Nova Iorque, onde o estilo musical se espalhou pelos bairros de menor renda financeira, onde a população era composta principalmente por pessoas negras.
O rap só surgiu de fato no Brasil na década de 1980, nas favelas e periferias do país, e durante essa chegada foi fortemente associado com a marginalidade.
Repórteres: Amanda Issa, Ana Beatriz Fernandez e Maria Clara Lyra
Revisão: Antônio Netto