Mês das noivas faz juz ao nome pela incidência de matrimônios sáficos
Por Catharina Almeida
Revisão por Louise Santos
Considerado no hemisfério norte como um mês de renovação, assim como no meio da primavera, maio é o queridinho das noivas. Apesar da diferença de estações, o Brasil herda essa tradição europeia e celebra igualmente o mês das noivas – ainda que uma pesquisa do IBGE em 2022 aponte dezembro como o preferido para casamentos.
Dentre essas uniões, é destaque o casamento homoafetivo, o qual, segundo levantamento da Associação dos Registradores Civis das Pessoas Naturais do Estado da Bahia (Arpen-Bahia), mais da metade das celebrações anuais são realizadas entre mulheres.
Ainda segundo Arpen-Bahia, 51,4% desses casamentos acontecem entre casais femininos, com um total de 1.327 cerimônias realizadas em cartório na Bahia. Nos últimos 10 anos, após a legalização, esses casamentos têm crescido significativamente, com números que se refletem também no estado: de 99 casamentos em 2013, a Bahia já constava com 2.582 em abril de 2023.
Alice Agbára, de 38 anos, taróloga e lésbica fala sobre a experiência de finalmente poder casar judicialmente. “Não achei que fosse possível”, comenta, sobre o processo de legalização.
Casada pela primeira vez em 2013, logo após a determinação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Alice fala sobre as dificuldades do processo. “No cartório que casei fui uma das primeiras. Havia muita curiosidade das pessoas, mas muitos olhares LGBTfóbicos também, inclusive dos servidores”, explica.
“Minha família não aceitou bem e não foram ao meu casamento. Só foram meu irmão e minha cunhada. As outras pessoas da família não foram. Ainda sim, estávamos muito felizes”, completa.
Apesar de citar razões práticas, como a garantia de direitos civis e questões de patrimônio e herança, Alice reforça o amor como fator motivador da união: “casei, principalmente, movida pelo amor. Meu primeiro casamento não deu certo, mas havia muito amor”. Alice desfaz a primeira união em 2017, mas se casa novamente em 2021, com a advogada Bianca Ifeomi, de 33 anos.
Alice e Bianca se conheceram em um sarau de poesia e, em 2018, já estavam morando juntas. Sobre a razão de se casar novamente, ela brinca: “tirando o fato que ‘sapatão’ ama casar?”.
Alice reforça os sentimentos igualmente positivos na segunda união, mas traz também a ressalva em relação à família. “No meu segundo casamento, não convidei minha família. Eu estava ressentida porque eles não foram na primeira vez”, explica.
Embora hesitante diante da aprovação familiar, Alice é testemunha de mudanças diretas da normalização do casamento homoafetivo na sociedade. Com mais de 7 anos após o primeiro casamento, a reação do público era diferente durante a cerimônia de 2021.
“No segundo, as pessoas já naturalizavam mais. Tinha até bandeira na sala. A juíza era bem simpática e o fotógrafo sugeria poses. As pessoas estavam mais acostumadas”, conclui.
A legalização do casamento LGBTQIAP+ surge originalmente em 2011, quando há a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de equiparar uniões estáveis homoafetivas às uniões estáveis heteroafetivas. Anteriormente a essa norma, a autorização judicial era obrigatória por parte dos cartórios e contava com alto índice de negações.
É apenas em 2013, com uma resolução do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que é determinada a impossibilidade de recusa de realização dos casamentos homoafetivos nos cartórios.
Atualmente, com mais de 10 anos de avanço na causa LGBTQIAP+, a lei avança de outras maneiras para incluir essa parcela da população. Com 600 artigos aprovados em votação unânime em fevereiro deste ano, o novo código civil traz conquistas importantes em relação ao casamento homoafetivo.
Entre algumas dessas alterações, a mudança do artigo 1.514 se destaca ao propor que a realização de um casamento acontece entre “duas pessoas livres e desimpedidas”, ao invés de “um homem e uma mulher”.
Sobre a importância dessas conquistas, o casal de advogadas Brenda Mela e Izadora Barbieri explica: “consideramos de extrema importância a mudança que o novo Código Civil pode trazer. O conceito de família é algo profundamente delicado nos dias de hoje justamente por termos na lei, ainda, a menção “homem e mulher”, mesmo já havendo o reconhecimento judicial das famílias homoafetivas conforme a decisão do STF de 2011.”
Sócias e fundadoras do projeto ‘Harmonia Jurídica’, Brenda e Izadora atuam por um direito inclusivo a partir de um escritório de advocacia especializado em causas de diversidade e inclusão de mulheres e pessoas LGBTQIAP+.
“Enxergamos essa lacuna nos escritórios que trabalhamos, tínhamos o desejo de trabalhar em um lugar que tivesse esse olhar especializado e não encontramos. Nesse caminho percebemos também que era pouco o protagonismo de pessoas LBGT+ empreendendo na advocacia. Não havia nenhum até então criado por um casal de mulheres, por exemplo. Somos o primeiro”, explicam.
“A partir daí nasceu a vontade de criar esse espaço levando em consideração a importância da representatividade, em ver como as pessoas se sentem mais seguras e acolhidas por saber que, além de especializadas nos direitos da comunidade LGBT+, também fazemos parte dela”, concluem as advogadas.
A despeito dessas conquistas, a ameaça de retrocesso vem pairando sobre a comunidade. Em 2023, a Comissão aprovou um projeto de lei que visa proibir o casamento entre pessoas do mesmo sexo.
Apesar de ainda precisar ser analisada pelas Comissões de direitos humanos, esse projeto traz à tona a fragilidade de um direito concedido há mais de 10 anos no país.
“Vemos esse tipo de projeto como tentativas de manter a hegemonia e retroceder com direitos já conquistados”, comentam Brenda e Izadora.
“Ainda que consideremos que seja pouquíssimo provável um retrocesso como esse, apenas a propositura desses projetos já trazem à tona uma discussão que não deveria existir. Para uma melhor proteção dos direitos da comunidade LGBT+ precisamos de leis específicas que disciplinem todos os direitos até então já conquistados, isso respaldaria as decisões que já temos e nos traria muito mais segurança”, concluem.