Empreendedores e especialistas opinam sobre a modalidade trabalhista que tem atraído cada vez mais jovens
Por Helena Pamponet
Revisão: Carolina Pena
Desde 2020, durante o período de isolamento, muitos locais de trabalho fecharam ou demitiram seus empregados em massa por falta de lucro. Muitos trabalhadores que se viram, então, sem emprego passaram a investir numa alternativa um tanto arriscada: se tornarem “freelancers” no mercado de trabalho autônomo.
Sem um local fixo de trabalho e sem um chefe, a perspectiva de trabalho autônomo chama atenção de muitos brasileiros – em especial, estudantes universitários. Este é o caso de Luís Guimarães, 18, estudante de Jornalismo na Unifacs. O jovem trabalha há quatro anos nas áreas de design gráfico e edição de vídeos e sons.
“Na época de escola, eu sempre editava os vídeos de trabalhos. O pessoal da sala e professores sempre elogiaram, falavam que eu tinha jeito para coisa”, conta Guimarães. “Com isso, eu decidi profissionalizar mais essas produções e começar a fazer para outras pessoas que precisam desse serviço”.
Sem o foco na estabilidade de um trabalho tradicional, a modalidade de trabalho freelance oferece muitas oportunidades de início de carreira, sem que os jovens tenham que passar pelo processo burocrático.
Guimarães ainda chama atenção para a abundância de demanda de freelancers devido às redes sociais, uma ramificação direta do seu curso de graduação: “a cada dia que passa, são exigidos postagens mais bem feitas no Instagram, vídeos com uma edição mais precisa, e tem muita gente que não tem conhecimento para fazer isso”.
Isabela Oliveira de Morais, 21, também é designer e editora audiovisual. Para a divulgação de seu trabalho, Morais usa plataformas que unem trabalhadores a clientes como o 99freelas, o Freelancer e o Fiverr desde 2019.
“Você pode exercer uma profissão sem ter as obrigações de um emprego convencional”, explica a designer. A profissional também elenca algumas habilidades que aprendeu devido ao trabalho autônomo, como administração de projeto(s), comunicação, paciência e estratégia de mercado.
Para muitos curiosos, a pergunta final é se esses jovens pretendem continuar nesse ramo no futuro, apesar da falta de segurança e a estabilidade de um emprego convencional. Para Morais, a resposta é positiva porque o “networking” (criação de laços profissionais com outros trabalhadores e clientes em potencial) garante que não faltarão trabalhos.
A resposta de Guimarães também é otimista: “Com certeza, toda essa experiência que estou tendo com os ‘freelas’ vai agregar na minha vida profissional. No jornalismo moderno, é muito bom você ter noções sobre mídias digitais, áudio e edição de foto e vídeo”.
Mas não é só pelas redes sociais e plataformas digitais que os jovens estão trabalhando de forma autônoma. Fernanda Vilaboim, 22, trabalha com artesanato sustentável e trabalhos manuais.
Vilaboim estuda Administração e Engenharia de Produção, na UFBA e no Senai Cimatec, respectivamente. A universitária conta que a prática foi uma transição natural:
“Eu tenho muita vocação para trabalhos manuais e sempre aprendi a fazer artesanato, como pulseiras, pinturas e cosméticos e agora croché. Trabalhar de forma autônoma é um caminho natural para sustentar um hobby”.
Vilaboim também usa as redes sociais para impulsionar a visualização de seu trabalho, que faz desde 2020.
No último mês, a artista participou de uma feira de artesanato na Barra e lá teve a oportunidade de expor os produtos fisicamente. “Aprendi a vender, e a técnica de gerar desejo [de compra] nas pessoas. Vender é suprir uma necessidade ou desejo, e isso é necessário em uma sociedade”, explica.
“Toda vez que recebo um agradecimento, sinto que o trabalho vale a pena, pois, muitas vezes, eu me sentia como se estivesse vendendo algo sem valor ou utilidade”, complementa Vilaboim.
Do outro lado do muro
De acordo com Caio Zaplana, 32, gerente de conteúdo da Workana, a popularização do trabalho autônomo se dá na atualização do mercado de trabalho trazida pela pandemia e na crescente preocupação do público trabalhador por perspectivas diferentes.
“Eu acredito que a ‘nova era do trabalho’ começou. Essa nova era coloca o talento em primeiro lugar, não apenas porque o antigo modelo de trabalho não faz mais sentido, mas porque as pessoas estão valorizando cada vez mais sua saúde física e mental, seus projetos, sua qualidade de vida”, deduz Zaplana.
O gerente descreve a Workana como “uma plafarma de talentos independentes e remotos” que visa “fazer o ‘match‘ entre os milhares de talentos que temos cadastrados nas mais diversas áreas, com empresas e projetos que precisam de profissionais”.
Segundo o relatório da plataforma de 2021, de todos os trabalhadores cadastrados, 51% são homens e 49% são mulheres.
Zaplana ainda afirma que mensalmente, a plataforma conta com 200 mil perfis de trabalhadores ativos, e que 37,4% desse número englobam trabalhadores entre 21 e 30 anos. E ainda, 56,6% desses trabalhadores possuem curso superior completo e incompleto.
O especialista aponta a possibilidade de trabalhos internacionais como uma das razões pela popularização do freelance.
“É possível que talentos independentes e remotos possam encontrar trabalhos e projetos em outros países. É uma infinidade de novas oportunidades para receber em dólar ou em qualquer outra moeda, que serão injetados na nossa economia”, diz.
Direitos trabalhistas
O professor de Economia da Universidade Federal da Bahia (UFBA), Fabrício Pitombo Leite, analisa que a popularidade do trabalho autônomo vem da falta de outras alternativas.
Para o economista, o benefício de auferir alguma renda é contraposto ao fato de que trabalhadores “por conta própria” não conseguem alcançar, em sua maioria, o mesmo lucro que trabalhadores com a carteira assinada.
Pitombo Leite quantifica que “para a Bahia, a situação é ainda mais dramática, com uma razão entre os rendimentos de conta própria (R$989,53) e de empregados no setor privado com carteira (R$1927,86)”.
Isso significa que, tendo o mesmo ofício, o trabalhador autônomo só ganha 51% do valor que um com carteira assinada.
No entanto, a Professora Diana Lúcia Gonzaga da Silva, também da faculdade de Economia da UFBA, aponta que “é possível reduzir as incertezas e os riscos se o trabalhador autônomo busca formalizar a sua atividade, por exemplo, através da figura jurídica do MEI”.
“A formalização ajuda a ampliar as capacidades de lidar com as incertezas inerentes às atividades por conta-própria, pois o indivíduo pode acessar um conjunto de direitos trabalhistas ou de modalidades de crédito que reduzem as flutuações na sua renda”, assegura a docente.
Da Silva comenta que a Bahia frequentemente lidera o número de desempregados no país, e que “os principais benefícios para a economia do estado estariam relacionados à inclusão produtiva e a geração de renda para indivíduos que enfrentam dificuldades de acessar o mercado de trabalho formal.”
A professora considera estas vantagens particularmente relevantes “considerando as características estruturais da economia baiana, com um mercado formal que responde por menos da metade das ocupações totais”.
Leite cita dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) que revelam que a porcentagem de trabalhadores freelancers somam 26.8% dos ocupados no país em 2021.
Além disso, trabalhadores autônomos “não podem contar com uma rede de proteção existente para as ocupações formais, a exemplo de seguro-desemprego, férias remuneradas ou aposentadoria”, lembra o especialista.
Da Silva adiciona que “a informalidade pode restringir a capacidade de lidar com os choques adversos na economia ou de eventuais problemas de saúde”, e que essa instabilidade pode refletir no panorama econômico do estado.
No entanto, na opinião da professora, é essencial que, antes de ingressar no mercado de trabalho por conta própria, o trabalhador tenha noção do que estará perdendo, e dos riscos que estará correndo; e, acima de tudo, que seu perfil seja adequado para lidar com as possíveis consequências.
“Por fim, é importante que o ‘conta-própria’ se mantenha atualizado sobre as novas tendências no setor em que atua, pois as mudanças se tornam cada vez mais regulares na economia”, completa a economista.