Da formação em Relações Internacionais às concorridas provas do Instituto Rio Branco: diplomatas baianos e estudantes relatam suas experiências e desejos
Por Camila Oliveira
Revisão: Fernanda Abreu
Ser diplomata é um cargo muito importante para todo país democrático que tem como objetivo promover os interesses desse país de origem no exterior.
Um diplomata atua em várias áreas como na economia, turismo, promoção da cultura local, segurança, cooperação educacional, desenvolvimento e muitas outras.
No Brasil, ocupar uma vaga no Ministério das Relações Exteriores (MRE), também chamado de Itamaraty, é o sonho de estudantes que dedicam a sua vida para ingressarem na carreira diplomática.
Sonho esse realizado por Jackson Lima, baiano de Santo Antônio de Jesus e diplomata há mais de nove anos, que passou por países como Zâmbia e Nigéria, exercendo a carreira diplomática. Atualmente, Lima trabalha em Washington (EUA), na Organização dos Estados Americanos (OEA).
Em entrevista à AVERA, o diplomata conta que batalhou muito para chegar aonde sempre almejou.
“Teve dias de domingo que se você saísse às 7h da manhã, eu estava na escrivaninha estudando. Você ia à praia, ia para feijoada, ia para o samba e voltava às 7h da noite e eu estava na mesma escrivaninha estudando. Eu estudava 12 horas por dia e valeu muito a pena cada minuto que eu fiquei sentado estudando”, recorda Lima.
Para ingressar na carreira diplomática é preciso passar por um processo seletivo, com a realização de exames para o Curso de Formação do Instituto Rio Branco, que desde 1945 é responsável pela formação dos futuros profissionais.
Algumas mudanças ocorreram desde a criação do Instituto, tornando o processo mais democrático e menos elitista.
Hoje, as provas do Itamaraty acontecem em 18 capitais, não mais somente em Brasília, o que beneficiou muito os candidatos que tinham recursos escassos para custear os estudos. Além disso, a existência de bolsas que ajudam a financiar os estudos para a população negra também tem sido um facilitador.
Por conta dos altos custos de estudar para uma prova concorrida e criteriosa e de manter uma rotina de estudos e trabalho para seu sustento, Lima conta que levou algum tempo para voltar a sonhar com a diplomacia.
“Eu não tinha dinheiro. Nasci pobre, preto, no interior da Bahia, pai carteiro, mãe professora, não tinha menor condição de ter os recursos necessários. Eu só fui ousar a sonhar em ser diplomata de novo 20 anos depois, quando eu achei o programa de ações afirmativas que me deu uma bolsa de 25 mil reais, então consegui pagar os cursos, os livros e os professores”, relata o diplomata.
Ter uma trajetória humilde e repleta de grandes esforços foi algo que também fez parte da vida do baiano Amintas Silva, diplomata desde 2009. Filho de pai e mãe professores, Silva cresceu cercado por incentivo dos pais.
“Morando em São Paulo para trabalhar e fazer concursos, eu lembrei que meu pai tinha me sugerido a fazer a prova do Instituto Rio Branco. Na época, eu não dei ouvidos, mas só depois fui tentar fazer a prova. Meu pai sempre acreditou no meu potencial”, lembra o baiano.
O diplomata atuou na Divisão das Comunidades Brasileiras (DBR) em Brasília e, desde 2018, atua no Escritório de Representação do Ministério das Relações Exteriores na Bahia (Erebahia), onde trabalha com temas econômicos, educacionais e culturais.
Foco, disciplina e autoconfiança foram os pilares para o diplomata alcançar seu objetivo de ingressar na carreira dos sonhos.
“Eu só tinha tempo para estudar de manhã, enquanto meus concorrentes tinham tempo para estudar o dia inteiro porque eles tinham grana e podiam se dar ao luxo de só estudar”, conta Silva.
Silva ainda faz ressalvas em relação às mudanças que devem acontecer na área.
“A gente precisa muito de mais mulheres no Itamaraty para ter uma visão mais equilibrada de mundo. Foi dito no passado que o trabalho diplomata não era o ideal para as mulheres. Hoje em dia, tudo mudou drasticamente – os valores, as atribuições e as mulheres são muito bem-vindas”, explica o diplomata.
Mulheres na diplomacia
Segundo dados do MRE, foram contabilizados 1.192 homens e apenas 355 mulheres ocupando cargos de diplomatas no Brasil.
Em 28 de setembro de 1918, acontecia a nomeação da primeira mulher na diplomacia, a baiana Maria José de Castro Rebello Mendes. Ela venceu a concorrência de cinco candidatos homens, fazendo provas orais e escritas e contrariando toda a sociedade patriarcal da época.
Mendes desafiou a lógica de existirem somente homens ocupando o espaço que almejava, mas também lutou pelos seus direitos legais dentro do ambiente de trabalho.
Desde o ingresso da pioneira em 1918, o aumento da participação feminina em altos cargos públicos foi perceptível, mas ainda assim, a diferença é discrepante.
Sobre esses espaços de poder ainda hoje serem considerados majoritariamente masculinos, a estudante Gabriela Silva, que deseja ingressar na diplomacia, comenta:
“As mulheres vem vencendo, mas ainda encontram muita dificuldade e uma certa disparidade em relação aos homens na carreira. Por exemplo, as embaixadoras Marcela Nicodemos e Irene Vida Gala são mulheres que chegaram ao topo da carreira, mas comentam que realmente existem essa dificuldade por ser mulher”, finaliza a estudante.
O futuro da diplomacia
O Brasil vem ganhando peso no cenário internacional, atuando ao redor do mundo em 133 embaixadas.
Diante desta realidade, a procura por cursos como o de Relações Internacionais (RI) tem aumentado. Em 1998, havia apenas cinco cursos de graduação em RI no país, Hoje em dia, são oferecidos 150 cursos.
“Estou convencido que a diplomacia profissional ou como habilidade humana é o que salva o mundo. Porque o mundo vai complexificar mais ainda, seja porque a gente não vai conseguir barrar o aquecimento global ou porque a gente vai chegar a 9.5 bilhões de pessoas no mundo em 2050, ou por não saber qual o futuro das democracias”, afirma o diplomata Jackson Lima.
“Então, colocando tudo isso junto, os seres humanos vão precisar cada vez mais fazer diplomacia”, completa o diplomata.
A estudante do curso de Relações Internacionais, Rebecca Jeovana Pinto, vê a diplomacia como uma área que chama a atenção.
“Tive a experiência de morar no exterior e sempre que visitava a embaixada do Brasil, eu ficava fascinada com a possibilidade de me tornar chanceler ou diplomata e, quem sabe um dia, estar representando o Brasil dessa maneira”, conta Pinto.
Sobre os futuros desafios que a carreira implica, o estudante de RI, Gabriel Gonçalves, afirma que “o maior desafio que vem em minha cabeça é passar no teste da Rio Branco. E desafios durante a profissão, eu imagino que seja me adaptar a toda uma cultura, principalmente as mais fechadas com estrangeiros, para criar elos que favoreçam o Brasil”.
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Produção e coordenação de pautas: Márcio Walter Machado