Com 417 municípios, o território baiano possui apenas 121 salas de exibição cinematográfica
Por Sued Mattos
Revisão: Nalanda Rocha
O cinema no Brasil, sobretudo na Bahia, ainda é considerado inacessível, principalmente pelo alto custo de ingressos, falta de incentivo aos profissionais da área e pela ausência de espaços de exibição.
Mesmo passados 196 anos desde que o cinema chegou no país, apenas uma parte da sociedade tem acesso a esse tipo de cultura. Segundo o Observatório do Cinema e do Audiovisual (OCA), pouco mais de 50,6 milhões de ingressos foram vendidos em 2021, o que representa somente 23,7% da população brasileira.
Sem ficção no interior
Contrastando com as 64 salas de cinema existentes em Salvador, muitas cidades do interior não possuem nenhum local de exibição de filmes.
O cineasta baiano Juca Badaró, que atualmente mora em Lençóis, afirma que desde que chegou na região muitos filmes utilizaram o local como cenário de gravação, mas que a cidade não tem salas de cinema.
Observando essa falta, Badaró e a produtora de cinema Renata Semayangue resolveram criar um Cineclube na cidade, com recursos da Secretaria de Cultura da Bahia (SecultBA).
“Tem jovens de 25 e 30 anos que nunca entraram numa sala de cinema ou que nunca viram uma projeção na vida, mas que tiveram a oportunidade de ver graças ao Cineclube Fruto do Mato. Quantos outros jovens de outras cidades não têm essa oportunidade?”, questiona o cineasta.
Mauro Garcia, diretor executivo do Brasil Audiovisual Independente (BRAVI), conta que o mercado cinematográfico brasileiro precisa ser induzido pelo poder público a alcançar o público que reside no interior.
“É um ciclo vicioso. Você diz que não tem salas de cinema, que não tem plateia, mas você não forma público. É preciso quebrar esse discurso falso, porque nos interiores dos estados existe interesse. Com um mínimo acesso à internet e ao streaming é possível ver cinema. O cinema pode estar em qualquer tela”, explica Garcia.
Segundo o OCA, existem 121 salas de cinema na Bahia, sendo estas distribuídas entre os municípios: Salvador, Teixeira de Freitas, Porto Seguro, Eunápolis, Alagoinhas, Ilhéus, Juazeiro, Camaçari, Luís Eduardo Magalhães, Barreiras, Vitória da Conquista, Guanambi, Itamaraju, Jequié, Feira de Santana, Itabuna, Amargosa, Santo Antônio de Jesus e Serrinha.
Confira abaixo a distribuição de cinemas por regiões da Bahia:
A região Centro-Norte não aparece no mapa, pois é a única do estado que não possui nenhuma sala de cinema. Já a região Nordeste tem o menor número de salas da Bahia, somando apenas 2%.
A região Leste tem participação significativa, uma vez que a capital soteropolitana, contida nesta macrorregião, possui o maior número de salas do estado.
O cineasta Juca Badaró reitera a importância dos cidadãos interioranos terem acesso ao cinema, justamente pela busca de representatividade nas telas.
“A gente sabe que o cinema é uma das mais potentes ferramentas de transformação social e eles precisam ver filmes de pessoas iguais a eles. É preciso ver filmes de baianos, produzidos por baianos, na Bahia, que mostre a nossa cor”, explica Badaró.
Locais de exibição
O desenvolvimento tecnológico e urbano motivou o crescimento massivo de shoppings centers, ocasionando o enfraquecimento dos cinemas de rua.
Na Bahia, de acordo com dados do OCA, apenas 16,5% das salas são de cinema de rua, sendo estas localizadas em maioria em Salvador.
Cláudio Marques, sócio do Cine Metha Glauber Rocha, um dos poucos cinemas de rua existentes na capital baiana, percebe a preferência do público pelos cinemas de shopping.
“Às vezes é um pouco triste na verdade, é muito mais fácil lidar com cinema de shopping do que com o cinema de rua, porque o cinema de rua acaba sendo desprezado pela própria população, mas esse é um trabalho que estamos fazendo. De despertar a população para a importância deste local”, relata Marques.
Historicamente os cinemas de rua costumam ser mais acessíveis para a população, enquanto que nos shoppings os ingressos costumam ter preços mais elevados.
Cláudio Marques conta que ser acessível é uma missão do Cine Metha Glauber Rocha e que esse movimento de democratizar o cinema tem atraído muitas pessoas ao espaço.
“Para a população em geral, nós temos conseguido fazer programas a preços muito baixos de quatro reais, às vezes de seis reais. Nós estamos tendo sucesso porque a gente vê que muitas pessoas não tem dinheiro para ir para a sala de cinema e com [ingressos de] quatro reais, nas últimas semanas, nas matinês, nós tivemos uma quantidade muito grande de gente”, conta Marques.
Mauro Garcia conta com exclusividade que esteve conversando com membros da Equipe de Transição do Governo Federal sobre a democratização do cinema.
“O que estávamos conversando sobre o motivo de nós termos um mercado de cinema brasileiro com pensamento de que os filmes feitos para cinema só devem passar em salas de cinema. Eu acho que a gente tem que sair dessa lógica de distribuição e exibição. Nós temos que pensar que o cinema pode ter a rede escolar como espaço de exibição, por exemplo”, explica o diretor executivo da BRAVI.
Segundo o último relatório, “Hábitos Culturais III”, do Itaú Cultural em parceria com o DataFolha, os brasileiros gastam por mês 178 reais com atividades culturais presenciais.
O cineasta Juca Badaró afirma que, pela maior parte das salas de cinema na Bahia serem em shoppings centers, muitas pessoas acabam não tendo condições financeiras de bancar este tipo de lazer.
“Um sujeito que ganha 600 reais por mês não vai tirar 30 reais ou 40 reais no final de semana para ver um filme. Se ele for levar a esposa e os filhos só aí são cento e tantos reais, quer dizer, não tem condições. Ele irá preferir não ver o filme”, aponta Badaró.
Mauro Garcia diz que é preciso que o poder público convoque os grupos exibidores para planejar estrategicamente ações para o aumento de público.
“O problema é ainda no valor do ingresso e na realidade salarial. Enquanto o Brasil não tiver um aumento de poder aquisitivo, o cinema não vai estar na cesta de consumo. A prioridade é comer. A prioridade é matar a fome. A pipoca é mais cara que o ingresso. É um passeio caro”, afirma o diretor executivo da BRAVI.
O gargalo produtivo
Diferentemente de outros países, o cinema no Brasil depende diretamente de políticas públicas de incentivo, ou seja, de editais de longa e curta-metragem e de patrocínios de empresas privadas.
Essa realidade dificulta o processo de democratização durante a distribuição dos filmes, que é uma das etapas mais caras para os cineastas nacionais. Consequentemente esse custo acaba sendo repassado para o consumidor a fim de recuperar o gasto de produção.
O cineasta Juca Badaró expõe que a extinção do Ministério da Cultura dificultou ainda mais o processo de produção, já que os editais da Agência Nacional de Cinema (Ancine) e os programas de incentivo ao cinema foram insuficientes nos últimos quatro anos.
“O Governo Bolsonaro reduziu em mais de 40% as verbas do Fundo Setorial do Audiovisual (FSA), que é justamente o fundo que permite a produção, a distribuição e o desenvolvimento de projetos de Cinema e Audiovisual”, explica o cineasta.
Além disso, Badaró diz que, por conta do foco da produção cinematográfica ser nas regiões do Sul e Sudeste do país, a democratização no que diz respeito ao fomento de novos filmes por cineastas de outras regiões do Brasil, sobretudo no Nordeste, é dificultada.
“É preciso que os editais contemplem jovens artistas e jovens cineastas destas regiões para que eles não dependam de um edital da Ancine em que concorrem diretores com dez longas-metragens, com filmes premiados. Acaba tendo privilégio para alguns diretores que já tem nome em detrimento de outros artistas que estão precisando de oportunidade para filmar”, expõe o cineasta.
O impacto da falta de democratização é palpável entre os profissionais que trabalham com cinema. O ganhador do Prêmio de Melhor Roteiro no Festival de Cinema de Vassouras 2022, com “Muxima”, explica que a maior parte dos seus filmes foram produzidos sem recursos de políticas públicas federais. É com a ajuda das secretarias estaduais e municipais que o cineasta consegue captar os recursos necessários.
“Esse é o pior momento da história do Cinema Brasileiro no sentido de políticas públicas. A Ancine precisa voltar a publicar os editais e fomentar programas de incentivo ao audiovisual. No meu caso impactou profundamente, porque eu fiquei sem trabalhar desde o Governo Bolsonaro e com a pandemia isso piorou ainda mais”, desabafa Badaró.
Mauro Garcia afirma que a formação profissional e a formalização dos profissionais que atuam no audiovisual é de suma importância para que a democratização do cinema seja possível.
“A gente precisa transformar esses jovens que são super midiáticos em TikTok e Youtube em potenciais profissionais do audiovisual, mas para isso precisamos ter uma cadeia produtiva no sentido de abrigar também. Não adianta formar e não ter empregabilidade”, conclui Garcia.