Segundo a Fundação Ellen MacArthur, o atual modelo de produção gasta 93 bilhões de metros cúbicos de água por ano
Por Sued Mattos
Revisão: Antônio Netto
A crise climática planetária tem exigido mudanças sociais de consumo para que a existência da vida seja possível. A moda circular é uma dessas novas tentativas que surge para amenizar o impacto da indústria têxtil, que é o terceiro setor mais poluente no mundo, segundo o último relatório do Fórum Econômico de Davos.
Essa vertente se preocupa em utilizar métodos de produção menos danosos ao meio ambiente, através de peças com maior durabilidade, com a possibilidade de reutilização e com o uso de matérias-primas mais ecológicas do que as usadas normalmente pelo fast-fashion.
Uma resposta ao fast-fashion
O fast-fashion, ou moda rápida, é a vertente da moda mais popular entre a sociedade. É aquela encontrada em grandes lojas de departamento, com coleções novas a cada semana e com o preço que cabe no bolso da maioria das classes sociais.
Apesar de oferecer estilo e preços acessíveis, o fast-fashion é danoso ao ambiente, isso porque para produzir essas peças em grandes escalas, a indústria têxtil consome matéria-prima não renovável, além de produzir toneladas de lixo e utilizar mão de obra barata.
Segundo a Fundação Ellen MacArthur, que visa o desenvolvimento da economia circular, a produção de tecidos utiliza cerca de 93 bilhões de metros cúbicos de água anualmente, além de poluir cursos de água com seus resíduos.
Cláudia Andrade, gerente de implementação de projetos do Repense e Reuse, vinculada à ONG Humana Brasil, conta que é preciso que a moda circular e sustentável se torne um hábito no Brasil e, sobretudo, na Bahia, uma vez que no exterior essa prática vem se desenvolvendo.
“Nós precisamos ter consciência que o giro rápido, que é o que a gente chama de fast-fashion, a moda rápida, não é tão favorável para o nosso meio ambiente. O consumo não controlado desfavorece a sociedade”, explica Andrade.
O projeto Repense e Reuse começou a ser implantado no segundo semestre de 2021 em parceria com a Secretaria Municipal de Sustentabilidade e realiza a coleta de roupas por meio de coletores espalhados em 37 pontos da cidade.
“Cada quilo de roupa que seria descartado em aterros e que nós coletamos, gera uma economia de seis quilos de gás carbônico (CO2) que não vai para a atmosfera”, conta a gerente.
O Upcycling
Sem tradução para o português, o upcycling é outro tipo de moda circular que tem sido uma aposta para conter os danos da indústria têxtil. Essa forma de produção desconstrói uma peça e a partir dela é criada uma nova. Nesse processo a roupa não passa pela reciclagem, para que nenhum material seja descartado.
A estilista baiana e CEO da Aobá Upcycling, Karol Farias, relata que para ela o processo de criação de uma peça upcycling é mais prazeroso devido às possibilidades de criatividade e liberdade que esse modelo traz.
“É como se fosse um quebra-cabeça. Vou criando a partir dessa vida anterior, aproveitando dessa modelagem para não ter novos cortes e não ter mais resíduos”, conta Farias.
A estilista, que recentemente participou da Semana de Moda Circular e Sustentável em Madri, explica que a Bahia tem grande potencial para desenvolver o upcycling, mas é preciso que as pessoas conheçam o impacto do fast-fashion uma vez que não é de interesse das marcas falar sobre isso.
“Talvez haja um sufocamento desse debate. Imagine que todas as grandes marcas de moda rápida europeias, norte-americanas e, inclusive, brasileiras veem no Brasil um mercado gigantesco, então qual o interesse que eles têm para que esse debate seja feito?”, relata Farias.
Por ser uma vertente nova e ligada ao ativismo ambiental, Karol Farias esclarece que existem dificuldades para encontrar costureiras que queiram trabalhar com esse modelo por ser mais trabalhoso, além do estigma do público consumidor sobre esse tipo de produto.
“Talvez o consumidor diga ‘eu vou pagar mais caro por uma roupa que foi feita com roupa usada?’ Porque de fato é mais caro, a gente descostura, a gente não explora mão de obra, porque o processo produtivo é mais demorado, mais complexo, então óbvio que vai ter um custo maior. Agora qual é o custo de uma roupa barata? Essa é a grande pergunta que tem que ser feita”, desabafa Farias.
O impacto sócio-econômico
Para a empreendedora Vânia Vergasta, criadora da ‘Arte em Retalhos’, a moda circular é uma fonte de renda. Com início em 2015, a loja tem como matéria-prima principal o jeans. Esse tecido que consome cerca de 5 mil litros de água para uma única peça, segundo cálculos da ONU, tem sido reaproveitado para criação de outras peças.
“Eu comecei a fazer bolsas infantis com pernas de calças jeans. A partir disso comecei a trabalhar outras possibilidades com o jeans e agora já são mais de seis anos com mais de 6 mil peças criadas, a maioria, utilizando o jeans como recursos de sustentabilidade para criações exclusivas”, conta Vergasta.
Devido a longa durabilidade do jeans, as pessoas acabam descartando ou enjoando rápido das peças. Isso foi a virada de chave para a empreendedora, que afirma conseguir aproveitar quase todo o tecido durante o seu processo de criação.
“Quando eu vou fazer uma bolsa, por exemplo, eu utilizo a calça na complexidade e só removo o zíper. Eu aproveito o cós para fazer pochetes e as saias conseguem ser feitas com toda a calça”, explica Vergasta.
Cláudia Andrade, da Humana Brasil, relata que o impacto dos coletores e do projeto Repense e Reuse ocorre também na esfera social e econômica com a geração de postos de trabalho e com a destinação dos recursos para os outros projetos sociais da ONG.
“Quando alguém vai lá e deposita, por exemplo, dez peças de roupas, ela não tem dimensão de como aquilo vai beneficiar famílias espalhadas por várias comunidades, então é dessa forma que a gente quer tocar a sociedade baiana, para que eles entendam a profundidade e o propósito deste projeto”, conclui Andrade.
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