Mesmo enfrentando uma rotina cheia de conflitos e estresses, os policiais militares da Bahia não possuem quantidade necessária de apoio psicológico nas corporações
Por Victoria Souza, Iann Jeliel e Roberta Alves
Revisão: Antônio Netto
O policial militar Wesley Goés atirou para cima na tarde do dia 28 de março, em frente ao Farol da Barra, em Salvador. Segundo a Polícia Militar (PM), o profissional de segurança pública apresentava um quadro de “surto”. O policial morreu após ser baleado em confronto com colegas.
O acontecimento não foi um caso isolado, já que nove meses atrás, em 14 de julho de 2020, um policial militar e sua esposa foram encontrados mortos, em um apartamento no bairro do Trobogy, em Salvador. Informações da PM apontam que o homem matou a esposa e depois cometeu suicídio.
Os casos, ambos chocantes e infelizes em seus desfechos, chamam atenção para discutir a saúde mental dos policiais baianos que, ao sofrer estresses diários pela profissão, estão propensos a desenvolverem problemas psicológicos e não possuem os recursos necessários dentro das corporações.
Segundo dados do Centro de Perícias Médicas Militares (CPMM), entre 2008 e 2012, mais de 40% dos afastamentos de militares estão relacionados com transtornos mentais.
Em declaração, o coronel Marcos Nolasco, coordenador de Saúde da PM da Bahia disse que, entre 2006 e 2016, a quantidade de suicídio por policiais foi em media 4,7 por ano, mas afirma que entre 2016 e 2019 esse número caiu para quatro casos anuais, em média.
Através de uma pesquisa feita dentro das delegacias de todo o Brasil, ficou constatado que na Bahia há em média um psicólogo para cada mil policiais nas corporações.
Na corporação
O atendimento psicológico, que deveria ser obrigatório nas corporações, levando em conta a rotina de um profissional de segurança pública, só ocorre caso o policial procure atendimento. É o que conta uma Major da Polícia Militar, que preferiu não divulgar seu nome.
“O atendimento psicológico não é obrigatório. Os policiais não recebem acompanhamento psicológico nas unidades militares, eles são encaminhados ao Serviço de Valorização Policial (Sevap), para avaliação e acompanhamento, quando ele sinaliza alguma necessidade”, conta a Major.
A major também fala sobre o procedimento para policiais que apontam alguma questão psicológica, segundo ela, cada caso é tratado de forma diferente.
Em alguns casos, o atendimento psiquiátrico já é suficiente, para outros são receitados remédios e cabe ao psiquiatra ou psicólogo responsável pelo paciente apontar se há necessidade de afastamento.
Pandemia
“Percebo que, durante a pandemia, a situação está um pouco mais evidente, mas deve ser levado em consideração que, assim como a comunidade, os PMs também têm sofrido com o acúmulo de questões pessoais, preocupações, medos e anseios, mas o número exato deve ser buscado junto ao órgão oficial, que é o departamento de saúde da PM-BA”, conta a Major quando questionada sobre a quantidade de casos de policiais com questões psicológicas no último ano.
Sem psicólogos
Em entrevista ao Jornal Correio, Robson Souza, que é psicólogo do Sevap, conta que hoje os policiais que sofrem de algum problema psicológico são afastados de forma temporária e não de forma definitiva, para que possam ser reformados.
Isso ocorre porque não há psiquiatras suficientes dentro das corporações para emitir laudos de afastamento e somente profissionais de dentro da corporação têm essa autoridade.
“O que existe hoje é a política de manter o cara na corporação, mesmo que ele não esteja funcionando. Estou tratando um policial bipolar que não tem condições de ir para a rua, mas só posso afastá-lo temporariamente. Já fiz isso várias vezes. Em todas, solicitei também o afastamento da arma”, relata Souza.
Medo e insegurança
“Por ser um homem negro eu já me sinto inseguro com policiais, sabendo que eles podem a qualquer momento ter um surto, portando uma arma de fogo. Isso me apavora ainda mais”, declara Victor Daniel, civil e estudante, ao ser questionado se sente seguro com a presença de policiais.
O estudante relata que entende que é uma profissão estressante e que os policiais estão propícios a sofrerem por esses problemas e aponta o Estado e a falta de recursos para as corporações como culpados.
Mudança
Em Assembleia que ocorreu em Março, o deputado Jacó (PT) propôs instituir o Programa de Prevenção de Violências Autoprovocadas ou Autoinfligidas no Estado da Bahia. O deputado citou o acontecimento com o policial Wesley Góes.
“Preocupante questão do suicídio entre profissionais de segurança pública na Bahia e no Brasil, fenômeno que ainda não mereceu o espaço devido na agenda pública, em que pese a gravidade do problema”, declara Jacó.
A criação de programas dentro das corporações também é citado pela Major que afirma que a partir desse ano, por conta do novo sistema que será implantado, policiais em curso de formação ou capacitação serão reavaliados e acompanhados.
“Está em implantação na PM-BA também uma nova forma de atendimento psicológico com a contratação de psicólogos civis para atendimento”, afirma o deputado.
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