Período marcado por sentimentos negativos, como a incerteza e o medo causado por perdas, a pandemia de Covid-19 proporcionou também descobertas
O isolamento social, imposto para controlar a pandemia do coronavírus, colaborou com o surgimento de problemas psicológicos. De acordo com dados da Universidade de São Paulo (USP), o Brasil lidera o ranking de países com ansiedade e depressão, com 63% e 59%, respectivamente, durante o período considerado pós-isolamento.
Buscando alternativas para fugir da rotina e do estresse causado pela pandemia, a dança do ventre surgiu como uma espécie de refúgio para idosas de Salvador.
O estilo marcado pela sensualidade e por movimentos bem característicos com as mãos e a cintura, a dança do ventre, que é originária do Oriente Médio e parte do norte da África, manifestou-se como possibilidade de entretenimento e atividade física.
Foi o caso de Doralice Santos, de 60 anos, que encontrou aulas gratuitas de dança do ventre no projeto social desenvolvido pela Associação Dom Bosco, localizada no bairro de São Cristóvão, em Salvador.
Em casa durante o auge da doença, Santos revela que depois de encontrar na própria comunidade uma oficina de dança gratuita, não pensou duas vezes em se inscrever, após as quedas nos números do coronavírus.
“Tenho uma vida muito corrida e estava precisando de uma atividade. Sou aposentada e tenho bastante tempo livre. Meu filho faz fisioterapia aqui na Associação e eu realizo atividades voluntárias aqui, porque é uma forma de eu me sentir bem e ativa. Quando começaram as inscrições, eu não pensei duas vezes”, conta a aposentada.
História da dança
Associada a rituais de fertilidade, a dança do ventre chegou ao Brasil, segundo registros, por volta dos anos de 1950, através da palestina Shahrazad Sharkey, conhecida como a primeira professora do estilo no país. A dança acabou se tornando conhecida pelo grande público através de filmes e novelas.
Com diversas naturezas, a dança possui estilos variados, como a dança dos sete véus, onde são representados a saída dos chakras [centros energéticos distribuídos pelo corpo, originários das escrituras sagradas do hinduísmo] e a de címbalos, demonstrando a virtuosidade e agilidade da dançarina.
Apesar de bastante difundida desde a sua chegada efetiva em território brasileiro, Santos revela ter se surpreendido com as aulas do estilo, até então desconhecido, tão perto de casa.
“Até o início das inscrições, eu nunca tinha ouvido falar sobre essa dança. Mas tem sido ótimo. Temos produzido as roupas que são utilizadas nas apresentações e isso também tem me feito muito feliz”, relata.
Prática recomendada
Ginástica para o corpo e para o cérebro, a dança auxilia no desenvolvimento psíquico e corporal dos praticantes da arte.
Agindo no estímulo ao desenvolvimento da coordenação motora e o equilíbrio, a atividade fortalece a musculatura, contribuindo assim com a prevenção de acidentes e lesões.
Indicada pela Organização Mundial da Saúde (OMS), a prática de pelo menos um exercício físico atua diretamente na diminuição da mortalidade por doenças cardiovasculares, incidência de hipertensão e alguns tipos de cânceres e do diabetes.
Professora no projeto, a dançarina formada pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), Lídia Souza, revela que recebe semanalmente cerca de 50 mulheres com idades variando entre os 52 e 60 anos.
Além dos pontos positivos na saúde física, adquiridos pelas participantes, a educadora destaca a troca de experiências das alunas durante os encontros.
“Elas chegam com várias realidades e vivências. Buscamos desenvolver durante as aulas, além da própria dança do ventre, respeito aos seus próprios corpos, a suas histórias e a respeitar as suas colegas. Durante todo esse processo realizamos atividades periódicas onde elas podem demonstrar tudo que aprenderam durante as aulas”, explica.
Opinião dos especialistas
Psicólogo da instituição, Josevaldo Junior destaca a importância da dança como fator fundamental na promoção da qualidade de vida.
“Como qualquer atividade física realizada com acompanhamento profissional, a dança traz diversos benefícios, além de ser um importante instrumento no combate à depressão, já que estimula a produção de neurotransmissores responsáveis pela sensação de bem-estar. E quando realizada em grupo, a socialização e troca de experiências”, destaca.
Antes das aulas, as alunas passam por rodas de conversa entre as participantes do projeto, onde são abordados temas considerados delicados.
Para o especialista, os diálogos em parceria com a dança atuam de forma conjunta em benefício das participantes da iniciativa.
“Normalmente, é percebido um entusiasmo por se tratar de temas que fazem parte do dia a dia das alunas. Temos buscado abordar os temas de maneira leve, para proporcionar reflexão e trocas de experiências, sobretudo por via de regra, serem abordados temas delicados, por exemplo, ‘violência contra a mulher’, que é uma realidade triste e recorrente na nossa sociedade e, que muitas das alunas, relataram ter vivido ou presenciado em algum momento da vida”, conta o psicólogo.
Ainda conforme o psicólogo, neste sentido, a metodologia empregada busca amenizar o desconforto de temas como este e estimular novas formas de pensar e agir diante de tal realidade.
Além das aulas, as participantes da iniciativa atuam durante o período do curso, na confecção das roupas utilizadas durante apresentações periódicas da iniciativa, o que vem levantando o seu humor.
Com três turmas, com 15 alunas cada, as aulas acontecem três vezes na semana, tendo duas horas de duração.
A Dança do Ventre é uma das três atividades culturais do projeto Casa da Arte, realizado pela Associação Dom Bosco. Além de atender mulheres acima de 50 anos em vulnerabilidade social, o projeto atende jovens de sete a 17 anos nos cursos de Capoeira e Ballet.
Repórteres: Elias Alves, Jeferson Santana e Leonardo Souza
Revisão: Antônio Netto