Com a expertise de profissionais e estudantes, a arte da periferia ganha espaço com produções de músicas, clipes e saraus
As periferias brasileiras são celeiros de talentos em diversas áreas. Seja na arte, no esporte ou na política, sempre é possível ver grandes exemplos de pessoas que venceram as dificuldades e cresceram na vida. Entretanto, o caminho é sempre árduo e difícil.
Segundo estudo realizado pelo Instituto Data Favela em parceria com o Locomotiva, em 2020, seis em cada 10 pessoas entrevistadas consideram ter menos oportunidades de progredir nas periferias.
A falta de visibilidade e oportunidades nas comunidades foram a motivação para que os jovens Matheus Magalhães e Gabriel Xavier se juntassem para desenvolver a Brado Estúdio, que tem como objetivo disseminar a arte da periferia baiana através dos trabalhos audiovisuais.
Da roda de amigos para Salvador inteira
A Brado Estúdio começou a partir de uma roda de amigos, que não tinham experiência, mas tinham vivência, e isso foi suficiente para dar o pontapé inicial no projeto.
A ideia inicial era produzir vídeos de poetas de ônibus, mas logo os amigos perceberam que era possível expandir as áreas e trabalhar com outros segmentos.
“O projeto surgiu a partir da ideia de fazer vídeos de poetas de ônibus e fomos conhecendo cada vez mais pessoas dispostas a apostar nesse projeto”, comenta Matheus.
Gabriel revela que o nome Brado faz alusão ao ato de bradar, gritar, e o objetivo do projeto é amplificar as vozes da periferia através da arte.
Assim como qualquer outro projeto, a Brado passou por algumas dificuldades além da inexperiência. Matheus conta que no começo havia algumas divergências entre os membros quanto ao andamento e administração, mas que logo foram resolvidas.
Apesar das dificuldades, Gabriel, que é fotógrafo e showmaker, considera o trabalho “gratificante e enriquecedor”, de modo que consegue viver experiências e realidades completamente diferentes das suas.
As produções sempre variam quanto ao conteúdo, podendo ser de cunho político ou até de humor.
“Além do teor artístico que a gente apresenta, temos muitos trabalhos políticos, para poder mostrar nossos ideais sempre através da arte. A Brado é uma amplificadora de vozes, artes, artistas e pessoas”, revela Gabriel.
O processo de criação é bem aberto, de modo que existe a interação entre Matheus e Gabriel, os artistas e até pessoas do bairro, que chegam para ver o que está acontecendo ali no local e acabam se interessando pela produção.
Projetos Inclusivos
O estúdio, desde sua criação, vem fazendo diversos projetos com diferentes personalidades. Hellena Black, mulher trans e artista da comunidade de Sussuarana, em Salvador, foi uma dessas pessoas que fizeram parte das produções da Brado.
Para a artista, a popularização da arte e da cultura nas periferias é muito importante para da voz e gerar representatividade para públicos tratados como minorias.
“É algo extremamente chato ficar debatendo, tentando abrir a mente das pessoas e ficar em busca de um local de fala o tempo todo, principalmente em locais que são feitos para nós termos voz. Temos que reivindicar o nosso próprio local de fala”, declara Black.
A artista começou sua carreira aos 16 anos e revela que pôde se conhecer de verdade após fazer parte de um grupo afro: “Comecei a fazer poesia e escrever um pouco sobre a minha vivência para saraus e encontros que tinha no centro da cidade, e nesses lugares eu não via outras experiências como a minha”.
“Assim como eu não achei algo que transparecesse o meu ser, eu sabia que outras pessoas também não iriam achar, então até hoje eu não deixo de falar sobre o que eu vivo e já vivi”, relata Hellena Black sobre as dificuldades que enfrentou.
A Brado Estúdio realizou um minidocumentário com Hellena em seu Instagram, onde é possível conhecer um pouco mais sobre sua história e trabalho como poeta.
Audiovisual na Universidade
Além da Brado Estúdio, algumas faculdades possuem núcleos voltados para o audiovisual que atendem as demandas da periferia.
A Unifacs, por exemplo, possui um projeto de extensão chamado NOAR produções, uma produtora de audiovisual formada por alunos de diversos cursos de graduação da própria universidade.
Em 2018, a professora responsável Mariana Alcântara, e então coordenadora do curso de jornalismo da instituição, junto aos alunos do projeto, fizeram toda a produção de um videoclipe no Nordeste de Amaralina.
Rafael Moreno, então estudante da universidade, participou do processo de filmagem e edição.
“O projeto foi focado em um menino de dez anos chamado Ramon, que tinha o sonho de cantar e ter um videoclipe de sua música”, relata.
Moreno ainda acrescenta: “Como era um projeto que visava o lado social, fizemos um clipe para Ramon, que foi o primeiro clipe dele com uma música autoral e produzido por um pessoal que já estudava audiovisual, então foi muito legal dar isso para ele”.
O editor finaliza revelando que foi importante esse contato da criança que tinha o sonho de ser artista, com pessoas que já eram desse mundo do audiovisual: “Ele teve essa oportunidade muito cedo, e era algo que eu gostaria de ter tido”.
Repórteres: Katharina Andrade, Victor Tapioca e Clara Paixão
Revisão: Antônio Netto