Artistas contam como se adaptaram durante o difícil período de isolamento social, imposto pela pandemia, e comemoram o retorno aos palcos
Grande fator de representação cultural, os teatros e circos passaram por tempos difíceis na pandemia da Covid-19. Com o avanço da doença, as apresentações para o público foram proibidas. Com isso, artistas perderam seu meio de trabalho, precisando buscar alternativas para essa nova rotina.
Wellington Nogueira (57), um dos diretores do circo Le Cirque, relata que houve muitas mudanças no espetáculo e que parte da sua equipe, principalmente “os amigos estrangeiros”, foram embora para seus países.
No período de isolamento social, e sem apresentações no circo, a equipe de Nogueira precisou se reinventar.
“Fizemos várias coisas, desde espetáculo on-line à fretes com caminhão, até vender as delícias do circo como maçã do amor, algodão doce, pipocas e churros nos bairros, vender bolas, enfim, trabalhamos com tudo que aparecia”, relata o diretor do Le Cirque.
Uma ação emergencial específica para esse setor cultural saiu do papel em junho de 2020. Trata-se da Lei 14.070/2020, que ficou conhecida como Lei Aldir Blanc, em homenagem ao compositor que faleceu por conta de complicações da Covid-19, aprovada então pelo Governo Federal.
A União ficou responsável por repassar aos Estados e Municípios R$ 3 bilhões, que seriam empregados de diferentes formas para apoio financeiro aos artistas e seus espaços culturais.
Com o advento da Lei Aldir Blanc houve um notório avanço no reconhecimento da importância dos trabalhadores das empresas de cultura, como
meio legítimo de produção e de conhecimento, de fortalecimento das raízes históricas, das tradições populares e de transformação social.
Dificuldades de acesso
Ainda assim, Nogueira e seu circo não participaram dos benefícios da Aldir Blanc por não estarem em seu estado de origem. Os trâmites para conseguir se encaixar no benefício foram muito difíceis e não obtiveram ajuda das Secretarias da Cultura, segundo ele.
“Perdemos muita coisa, vendemos muita coisa que tivemos que repor, o material parado deteriora, o prejuízo foi muito grande. O circo sempre lutou sozinho pela sua sobrevivência, o apoio é mínimo. Eu até entrei no site em contato com o Governo da Bahia, mas eles estavam preocupados com pessoas do estado, e nosso CNPJ não era baiano. Tivemos ajuda apenas da Polícia Militar, que fizeram cestas básicas e levaram para nós do Le Cirque, ademais, tivemos apenas empecilhos”, relata Nogueira.
Retorno aos palcos
Com a redução dos números de internamento pelo Covid- 19 e o avanço da vacinação, os espetáculos vêm retomando os palcos de forma presencial. Teatros e Circos como o Le Cirque já estão funcionando com apresentações e todos os cuidados de higienização para que o público possa vir com mais tranquilidade assistir aos espetáculos.
“Foi surpreendente a aceitação do público. Eu achava que só nós, artistas, que estávamos sentindo falta, mas não, as pessoas também estavam com saudade de assistir um bom espetáculo”, relata Nogueira.
Maria Guimarães, administradora baiana, fez parte do público do Le Cirque em um dia de espetáculo. Segundo ela, a sensação foi de que as coisas estão voltando ao normal, o ambiente é mágico e trouxe a esperança de que tudo pode voltar a ser como antes.
“Por ter filhas pequenas, eu sempre quis que elas frequentassem o circo, mas não tinha o hábito, até porque aqui em Salvador a gente não tem tantas opções, mas imediatamente quando eu vi que teria o espetáculo, considerei levá-las”, conta Guimarães.
Já no teatro
O teatro também sofreu as consequências da pandemia, os artistas tiveram que se reinventar de diversas formas para sobreviver neste período. Espetáculos virtuais mudaram a forma de fazer arte, aumentando a possibilidade de acessar pessoas de qualquer lugar do mundo com apresentações on-line.
Agora, com a retomada gradual do modelo presencial, os desafios são outros e os cuidados dobrados com a segurança do público. A atriz de teatro baiana Clara Romariz conta que “Especificamente na área cultural, tão carente de políticas públicas, a pandemia foi devastadora”.
“O mundo está voltando ao presencial, mas a pandemia ainda não acabou. Os teatros também estão voltando. Ao contrário dos cinemas e bares, nós exigimos o comprovante de vacinação para que as pessoas entrem na platéia.
Além disso, reduzimos drasticamente a capacidade de pessoas. É sempre um risco, mas precisamos voltar para conseguir sobreviver neste momento tão difícil”, declara Romariz.
Segundo a atriz, o advento das tecnologias digitais possibilitou a continuidade dos trabalhos durante o período de isolamento social através das ferramenta do web-teatro, ou teatro virtual, mantendo a hibridez que se via no cinema e audiovisual, mantendo as especificidades da linguagem teatral, mesmo nas telas.
Romariz destaca que essas tecnologias deixam um legado com possibilidade de abarcar pessoas do interior do Brasil que, muitas vezes, nunca foram ao teatro pela falta de acesso em suas cidades. As peças podem ser gravadas e editadas, transmitidas ao vivo do palco ou das casas dos atores e atrizes.
“Espero que tenhamos cada vez mais público. Que consigamos falar com quem nos ouve, porque sem eles não temos teatro. O termo teatro significa ‘lugar de onde se vê’. Sendo assim, o teatro não são os atores, atrizes, diretores, ou a equipe técnica. O teatro é público, porque sem ele nada basta, nada serve. Desejo que consigamos mostrar a nossa arte para mais pessoas, e que ela as toque e transforma de alguma forma”, conclui Romariz.
Repórteres: Kelly Ramaiany Damaceno Silva, Carollina Carvalho Rodrigues Lima, Maria Luisa Câmara
Revisão: Antônio Netto