Esportistas e psicólogos alertam para os riscos da busca constante por bom desempenho na preparação dos profissionais esportivos
Casos recentes de atletas que desistem de participar de campeonatos e torneios têm chamado atenção para saúde física e mental dos esportistas, que sofrem uma grande pressão para obter sempre o melhor desempenho.
Essa discussão ganhou evidência no final do mês de maio deste ano, quando a então segunda melhor tenista do mundo, a japonesa Naomi Osaka, abriu mão de participar do torneio de Roland Garros, por conta de problemas relacionados à saúde mental.
A situação ganhou ainda mais holofote durante as olimpíadas de Tóquio, quando a ginasta americana Simone Biles desistiu de disputar as finais da competição, alegando estar priorizando o cuidado a si mesma e de seu bem-estar, por ter enfrentado uma preparação bastante desgastante.
Recentemente, o jogador Neymar revelou não saber se terá condições físicas e mentais para disputar a Copa do Mundo de 2026.
Casos como esses chamam a atenção e revelam que a pressão sobre os esportistas começa cedo em suas carreiras.
É a situação das gêmeas Maria Clara Andrade e Maria Eduarda Andrade, jogadoras de futebol feminino. Com passagens pela base do Vitória e Next Academy, hoje as baianas vivem uma forte preparação para jogar em Portugal e revelaram as dificuldades mentais de um esportista.
“Ninguém procura saber o que se passa na nossa cabeça e nem se colocam no nosso lugar. Temos a responsabilidade de estar apresentando resultados o tempo todo e buscamos usar isso para o nosso desenvolvimento”, desabafa Maria Clara.
Maria Eduarda conta que a pressão pode surgir de todos os lados, desde a torcida até a própria família, que em alguns casos, “coloca toda a esperança de no futuro sermos o sustento de todos”.
“Tento filtrar isso como uma alavanca para ser melhor. A gente não tem que estar provando o tempo todo para a família e nem para a torcida que vamos conseguir, porque essa pressão de algum familiar acaba atrapalhando nosso psicológico, principalmente pelo preconceito e desconfiança com o futebol feminino’’, relata Maria Eduarda.
Para as jogadoras, se o atleta não estiver “bom de cabeça”, o resultado não vai ser bom.
“A saúde mental de alguma forma vai refletir em campo. A gente está preservando bastante a nossa, tentando nos privar de toda energia negativa para não refletir nos treinos. Cada atleta tem sua individualidade, seu nome, e a galera tem que parar de tratar a gente apenas como número’’, alerta Maria Clara.
Se jogar por um grande time como o Vitória já gera pressão por resultados, as irmãs relatam que a preparação para irem jogar em Portugal demanda ainda mais cuidados psicológicos e físicos.
As atletas afirmam que nunca imaginaram sair do Vitória para jogar fora do Brasil. Agora que essa chave virou, os treinos se intensificaram e as duas tentam processar essa mudança gradativamente, para deixar o emocional centrado.
Pressão no profissional
O comentarista da ESPN, Eduardo Agra, ex-jogador de basquete, tem um olhar experiente sobre essa pressão que se estende por outros esportes.
Agra relata que na época que jogou basquete pela seleção brasileira, em 1980, não havia tanta pressão como atualmente.
“Hoje se tem muita informação sobre os atletas em diversos locais e de diversas fontes, então você está sempre sobre uma constante lupa nas suas ações, não só dentro das quadras, campos e locais esportivos, mas também fora da quadra”, diz Agra.
“Uma coisa que o esporte me ensinou, é colocar essa pressão na vida e sempre fazer o seu melhor todo dia. A pressão não deve vir dos professores, familiares nem dos colegas, mas primeiro de você, porque você colocando em si, o resto da pressão que vier, você consegue driblar”, opina o comentarista.
Para Agra, apesar de haver mais pressão, os atletas tem mais suporte psicológico. “Na minha época não se falava sobre isso, eu joguei 12 anos na seleção de basquete e não tive um psicólogo. Os atletas estão sendo preparados mais cedo do que no passado. A parte mental é muito importante no desempenho, porque se não estiver bem trabalhada, você acaba cansando também”, relata.
O psicólogo Edgard Borges, que atua com um time de futsal, fala sobre a importância do trabalho do psicólogo esportivo na rotina dos atletas, como suporte não só nos momentos de dificuldade, mas para manter a disciplina.
“Alguns atletas focam muito no físico e se esquecem da parte psicológica, então se deve conciliar os pontos. Algumas equipes esportivas têm preparação física, mas não o psicólogo, e é o treinador que acaba desempenhando esse papel e vários outros dentro do time. Lembrando que os técnicos influenciam diretamente no psicológico dos atletas, pois são referência para o time como orientadores, apesar de não desenvolver um treinamento psicológico”, declara o psicólogo.
Por isso, Borges ressalta a importância do psicólogo para realizar essa função, pois é necessário um trabalho específico para cada situação.
“Nós profissionais buscamos identificar aspectos como a questão da movimentação, como quando a cabeça pensa e o corpo não reage, e com essa integração a gente identifica alguns pontos para conciliar esse equilíbrio”, explica.
“O atleta precisa estar com sua rotina estabelecida, saber o que precisa e gosta de fazer, porque surgem diversos momentos de altos e baixos e o atleta precisa estar orientado. Os psicólogos não dizem o que fazer, mas fazem o atleta entender o processo para buscar o equilíbrio. Às vezes o jogador não se sente confortável para falar com o treinador com medo de não jogar ou não competir, e acaba escondendo lesões”, exemplifica Borges.
Repórteres: Camilly Gabriela Oliveira Pinto, Manoela Raquel Carvalho Gomes, Ravel Fonseca de Moura, Téo Vinicius Peneluc Mazzoni, Vinícius Costa Pereira
Revisão: Antônio Netto