O bate-papo promove uma reflexão sobre as potencialidades da população preta, que vai além dos estereótipos históricos-sociais
Por Jéssica Nobre
Revisão: Fernanda Abreu
Acontece nesta segunda-feira (31), através do Youtube, a última live do semestre promovida pelos estudantes de psicologia do GT – Grupo de Trabalho de Redução de Danos.
O GT é um grupo de extensão da Unifacs que promove estudos e debates acerca da redução de danos atrelados ao álcool e outras drogas. A cada semestre, o grupo promove campanhas, através de rodas de bate-papo, para analisar e expor situações diversas.
“Esse ano foi definido que trabalharíamos em formato de campanhas. A primeira, falamos sobre sexualidade feminina e, então, tivemos uma live sobre masculinidade tóxica no contemporâneo. E agora, estamos fazendo a campanha para falar sobre a população negra”, explica Rafael Rodrigues, professor-coordenador do Grupo de Trabalho de Redução de Danos.
“Esse ano foi definido que trabalharíamos em formato de campanhas. A primeira, falamos sobre sexualidade feminina e, então, tivemos uma live sobre masculinidade tóxica no contemporâneo. E agora, estamos fazendo a campanha para falar sobre a população negra”, explica Rafael Rodrigues, professor-coordenador do Grupo de Trabalho de Redução de Danos.
“Sempre que falamos da população preta, falamos sobre escravidão, de um movimento muito sofrido, então nossa ideia foi tentar olhar para a potência da população negra. Então, criamos essa live para poder enxergar o que se tem feito para que os afro-brasileiros ganhem visibilidade”, afirma Rodrigues.
Para isso, foram convidadas pessoas pretas que puderam falar das suas próprias vivências, mas em níveis diferentes de conhecimento. Dentre eles, três estudantes que fazem parte do AprendizAfro, a professora e psicóloga Anni Carneiro, bem como Marcos Junior, psicólogo e psicanalista.
A saúde e bem-estar do povo preto
O bate-papo online, organizado pelos alunos de psicologia de vários semestres, trouxe a multiplicidade da população preta, para além das feridas que o racismo insiste em deixar.
E por passar por esse histórico social tão denso, olhar para os processos de resistência relacionados à saúde e ao bem-estar é transformador.
Um dos métodos para examinar isso é estudar a ancestralidade, uma vez que traz uma série de camadas que se relacionam a ética e colocam a população preta em uma hierarquia reversa que não considera a temporalidade como um caminho de construção.
Nessa mesma perspectiva, a professora Carneiro informa que para além disso, os movimentos sociais como um território organizacional, de construção de um senso grupal de apoio e afeto, transformam.
“Os movimentos sociais negros como promotores de saúde, movimentos que transformam e que permitem existências, ou que disputam a existência pelo “todis”, e que tem um caráter pedagógico na sociedade, são avanços. Não fossem esses movimentos, não teríamos avançado”, ratifica a psicóloga.
Além disso, outros dois exemplos de diretrizes pretas mais significativas, citados por Carneiro, é o Candomblé, cuja valorização da mulher preta é ascendente, nunca vista em outras religiões, e o Artivismo, que é a valorização das artes de matriz africanas.
A falta de representativa nas Universidades
Um dos pontos em alta da live foi o debate sobre a falta da representativa preta observada e sentida por docentes e discentes nas universidades brasileiras.
Os posicionamentos machistas e racistas em sala de aula, inclusive, passaram a incomodar alguns alunos pretos que cursam psicologia na Unifacs. O despreparo de professores também era tão grande ao ponto desses mesmos alunos se questionarem como aqueles profissionais da saúde lidariam com pacientes pretos que sofreram com situações machistas e racistas.
A partir dessa perspectiva, as alunas Amanda Lomba e Luísa Helena criaram o AprendizAfro, um movimento de formação e apresentação do universo preto aos alunos e professores da Instituição.
“Trata-se de uma iniciativa fundada em uma inquietação e falta de discussão sobre pautas étnico-raciais no ambiente acadêmico, que toma corpo após um posicionamento antirracista em sala de aula”, explica Lomba.
Porém, o incômodo com a situação vai além das falas ou questionamentos. A dificuldade de encontrar material didático e científico na Universidade era grande, ainda mais quando o grupo era convidado a palestrar em algum lugar e só encontravam leituras com aspectos negativos da população preta.
De acordo com Victor Santana, integrante do AprendizAfro, “falar de racismo sempre é lei. Uma das maiores lacunas que existe para mim é quando olhamos para os lados e encontramos poucas referências. Às vezes, somos colocados nessa caixinha do estereótipo que só fala disso e ser só isso”.
“Quando somos convidados a falar publicamente, sempre pensamos que vamos falar sobre essa realidade mais pesada, que é uma realidade que os negros vivem e é verdade. Mas acho que a nossa saída é sempre falar das potências, trazer referências novas, falar de autores negros, que revolucionam a população negra do Brasil”, pontua Helena.
Essa falta de representatividade nas Universidades, sejam públicas ou particulares, no entanto, se restringe a uma estrutura sociopolítica que precisa ser restruturada e, que, segundo Junior, cabem aos pretos terem um compromisso de alterar as lógicas acadêmicas.
“Se formos elencar, nós temos figuras intelectuais negras que produziram na psicologia, mas muitas vezes essa informação não circula, então há uma dificuldade na difusão desse conhecimento, que não seja localizada nessa matriz hegemônica e colonial de pensamento de produção. São vários problemas”, afirma a professora Carneiro.
Nessa perspectiva do conhecimento psicoterapêutico, observamos um crescimento significativo de psicólogos, terapeutas e psicanalistas pretos na sociedade, o que deve ser olhado como um movimento de reconhecimento e amenização de danos.
“Temos que reconhecer tudo aquilo que se tem feito, mas devemos amenizar um pouco os danos, porque à medida que o movimento negro no Brasil cresce e ele conquista vários lugares, os contragolpes vêm bastante pesados”, declara o psicanalista.
E assim, à medida que a psicologia vai caminhando com a representatividade, ela se torna múltipla e diversa perante os olhos da sociedade.
“A psicologia deve caminhar na direção de todos. Deve ser inclusivo. Ela precisa ser preta, ser antirracista, anti LGBTQI+fóbica, feminista, anti uma serie de marcações. Caminhamos no século 21 para uma psicologia de fato engajada”, enfatiza Carneiro.
A importância do empreendedorismo preto
Os movimentos de empoderamento e afirmação pretos vem ganhando força em todo o mundo e chamando a atenção do mercado brasileiro.
O crescimento de negócios por pretos ou destinados a esse público se deu pelo fato de o povo preto estar ganhando mais força e consciência para assumir de fato sua raça, por meio da construção de diversos movimentos durante anos.
No entanto, ocupar um lugar de destaque para essa população ainda gera uma barreira, grandes são os paradigmas socioeconômico atrelados a ela.
“A importância do empreendedorismo, principalmente para a população negra, é fundamental porque nós fomos usurpados de diversas coisas e, dentre elas, o nosso desejo de ter dinheiro. É complicado nos atendimentos o negro se autorizar a ter dinheiro”, aduz Junior.
“Pensar no empreendedorismo aqui é importante para que mais pessoas negras ocupam lugar de referência e de destaque. Somos furtados de tudo, até mesmo do nosso desejo, ainda mais quando falamos sobre capital”, completa o psicanalista.
Dicas de potências pretas que inspiram
Diante de todas as referências pretas necessárias e inesquecíveis que passaram pelas vidas dos convidados, eles citaram na live algumas inspirações que foram impactantes em suas jornadas e que vale a pena conhecer:
- Anni Carneiro cita o texto “Vivendo de Amor” de Bell Hooks como a tradução do amor como transformação e ação. Além desse, cita o livro de Neusa Santos, “Torna-se Negro” e recomenda o documentário do cantor Emicida, “Amarelo”;
- Marcos Junior cita o livro “Pele Negra, Máscaras Brancas” de Frantz Fanon, como um marco da vida dele, já que o autor discute saúde mental que vai além da psiquiatria;
- Amanda Lomba cita as autoras Carla Akotirene e Katiúsca Ribeiro como fontes representativas necessárias e indica o filme “Estrelas Além do Tempo”;
- Victor Santana indica o filme “Histórias Cruzadas”. De acordo com ele, esse drama abriu seus olhos para situações racistas que anteriormente ele não enxergava;
- Luísa Helena indica a série da Netflix “Cara Gente Branca” como inspiração atual.
E você, que ficou curioso? Confira a live na íntegra clicando aqui.
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Produção e coordenação de pautas: Márcio Walter Machado