Assaltos e violencia sexual contra mulheres fazem parte da rotina da população que utiliza ônibus e outros transportes na capital baiana
Por Ana Beatriz Fernandez, Beatriz Meneses e Gabriela Camarão
Revisão: Antônio Netto
O medo de ser vítima de violência nos transportes públicos faz parte da rotina de muitos habitantes de Salvador, principalmente o público feminino, o qual é vulnerável a assaltos e ao assédio sexual.
Os recorrentes crimes trazem um cenário de insegurança e insatisfação da população, e para os motoristas tornou-se uma rotina rodeada de riscos.
Dados registrados pela Secretaria de Segurança Pública, no ano de 2019, mostram que duas mil pessoas foram assaltadas em vias urbanas e também em rodovias que cortam a capital baiana.
Ex-motorista de ônibus, Mário Meneses, da antiga Viação Rio Vermelho, conta que foi vítima de assalto no seu ambiente de trabalho. Ele, indevidamente, reagiu, afirmando que se sentiu em uma posição de risco, podendo até perder sua vida.
“O ladrão estava armado, mas eu não tinha visto até enfrentá-lo. Foi um impulso, um erro meu. Ele saqueou todas as mulheres do ônibus e alguns homens, depois, veio querer me assaltar“, relata o ex-motorista.
“O ônibus que eu estava dirigindo era um micro-ônibus e não tinha cobrador. Não pensei duas vezes e caí em cima dele, segurando a arma, tomei um tiro na mão, mas ainda atirei na direção dele enquanto ele fugia”, completa o relato.
Para tentar coibir esse tipo de ação, o Senado aprovou no ano de 2016 um projeto (PLS 253/2014) que agrava a pena para crimes cometidos no transporte público, bem como nos pontos de embarque e desembarque de passageiros.
Vulnerabilidade do público feminino
Essa insegurança de usufruir de um direito social é um dos maiores problemas enfrentados todos os dias pelos rodoviários e seus passageiros. Mas o público feminino se sente mais inseguro, já que além de correr o risco de sofrer um assalto, há o perigo de ser vítima de um assédio sexual.
Uma pesquisa divulgada pelos instituto Patrícia Galvão e Locomotiva aponta que o assédio sexual ainda é comum na rotina das mulheres brasileiras.
Segundo o levantamento, 97% das entrevistadas disseram já terem sido vítimas de assédio em meios de transporte e 71% conhecem alguma mulher que já sofreu assédio em público.
A pesquisa apontou ainda que 46% das entrevistadas não se sentem confiantes para usar meios de transporte sem temerem sofrer assédio sexual.
A estudante de Medicina Veterinária, Mirelle Luiza, afirma que já foi vítima de violência no transporte público. Mirelle descreve que foi assaltada e ainda foi vítima de violência sexual.
“No momento eu só sentia medo, não tive reação nenhuma. Parecia que eu estava vivendo o pior momento da minha vida. A sensação de medo é a pior que tem. Hoje eu me sinto aliviada por não ter acontecido o pior, mas ainda sinto medo de viver aquilo de novo. Ninguém deveria passar por um tipo de situação dessa”, relata Mirelle.
Na opinião da estudante, os criminosos viram nela “um alvo fácil”. “O mundo ainda é muito machista. Uma mulher nova, com fone no ouvido, sentada sozinha no fundo, ele achou que estava propícia a muitas coisas. E também eu já tinha percebido que ele estava me olhando, então acredito que a mente doentia dele deve ter pensado outra coisa, enquanto eu só sentia medo”, declara a estudante.
A desiguladade de gênero em trânsito
A especialista em Saúde Mental e Serviço Social, Carina Carvalho, avalia que “a sociedade tem sua estrutura de patriarcado e das relações assimétricas entre homens e mulheres”, o que, segundo ela, contextualiza os casos de assédio e importunação sexual.
Carvalho afirma que através da aplicabilidade das leis e da efetivação das políticas públicas, ocorrerá uma amenização da violência. Ela ressalta que é necessária a criação de espaços de discussão sobre os papéis impostos pela sociedade tanto para homens quanto para mulheres.
“O reparo ao dano é relativo, no caso da violência contra a mulher e mais especificamente quando envolve o assédio sexual, acredito que as marcas deixadas são irreparáveis. Se houvesse um esforço da sociedade para fortalecimento das políticas públicas que reduzissem a violência contra a mulher, talvez nos sentíssemos mais aliviadas”, conclui a especialista.
De acordo com dados da Secretaria de Segurança Pública da Bahia (SSP-BA), desde 2019, quando o crime de importunação sexual passou a ser registrado no estado, já foram reportadas 18 denúncias em Salvador, 12 cometidas em ônibus, três em trens e uma em transporte por aplicativo.
Até abril de 2020 havia três registros de importunação ocorridos nos ônibus municipais. Ainda segundo o levantamento feito pela SSP, a capital baiana registrou no total 32 crimes sexuais, todos cometidos no transporte coletivo, entre 2015 e 2020.
Titular da Delegacia de Atendimento à Mulher (Deam), a delegada Heleneci Nascimento afirma que o assédio sexual pode ser registrado em qualquer delegacia.
“A vítima pode registrar a ocorrência em qualquer delegacia. Quando isso ocorre no coletivo [transporte], a orientação é que o motorista acione a viatura mais próxima e conduza esse indivíduo. Não temos estatísticas desses casos porque é muito pulverizado o registro, quando a mulher denuncia”, afirma a delegada.
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