Por Matheus Pastori
Editor da AVERA
Foto: Estadão Conteúdo
*Este é um texto de opinião, em que as posições expressas são de responsabilidade exclusiva de seu autor(a).
Nunca levantei bandeiras políticas alheias com fervor. Isto porque acredito que esta paixão em particular cega e, francamente, faz cada um de nós um pouco mais estúpidos.
Na ânsia de provarmos a legitimidade da causa, não raro, contestamos a moral, a ética, a lógica, quando não a própria realidade dos fatos, fotos, áudios e manchetes.
Portanto, é de minha completa convicção de que foi esta cegueira, esta convalescência coletiva e nacional, no que se refere à interpretação e avaliação coerente do cenário político do país, que levou a família Bolsonaro ao Palácio do Planalto.
“O silêncio é de ouro. A palavra é de prata”
– Provérbio árabe
Note que não me refiro somente ao presidente, mas também a Flávio, Eduardo e Carlos Bolsonaro, que, hoje, “co-presidem” o país ao lado do pai.
E é uma vergonha.
Vergonha alheia e internacional. Tanto para quem votou quanto para quem não votou em um dos quatro.
Digo isto sem o pesar da ideologia de Max, tampouco a de Olavo de Carvalho. Porque, mesmo que quisesse, nem delas haveria de me valer.
A família Bolsonaro é uma máquina de autosabotagem contínua e, pelo que parece, irrefreável.
Desde o uso no mínimo indecente das redes sociais oficiais até suas atitudes anti-diplomáticas, o presidente do Brasil não demonstra nenhuma consciência de que, em 1° de janeiro de 2018, deixou de ser “O Mito” para responder por esta instituição máxima e de responsabilidades igualmente graves.
A Pesidência da República.
Parece não entender que ele, ao menos nos próximos quatro anos – se tiver sorte – não responde apenas por um; e sim por 209 milhões de cidadãos. Bolsonaro, é, hoje, uma instituição – a personificação de um Poder em meio aos outros dois.
Mas não se convence disso. Avesso a cerimônias, protocolos e tradições republicanas, teima em querer ser rei em meio à democracia.
CONVENÇÃO DE CONDOMÍNIO
A postura, o linguajar, os subterfúgios pobres e indignos aos quais recorre para se fazer entender. Absolutamente tudo em Jair Messias Bolsonaro não o qualifica nem para síndico de prédio.
À exceção de duas características: a sede de poder e a necessidade de exercê-lo.
Demos a corda e eles estão se enforcando. Um por um. Seja quando o presidente nega as evidências históricas de que houve uma Ditadura Militar neste país, seja quando insulta, gratuitamente, a esposa de outro chefe de Estado.
Não satisfeito, fez uma transmissão ao vivo de um corte de cabelo para enfatizar seu desprezo por uma reunião diplomática com o chanceler francês
Recentemente, em vídeo postado em seus perfis oficiais, comparou o Supremo Tribunal Federal (STF) a uma hiena prestes a ser abatida.
Isso sem falar das diversas insinuações de retaliação, por parte de seu governo, contra veículos de imprensa.
Chegou a dizer que uma das principais publicações econômicas brasileiras “iria fechar” por corte de verbas da publicidade estatal – o que é inconstitucional.
Mas este é um termo que pouco importa a quem, um dia, já saudou um torturador confesso e condenado em meio ao plenário do Congresso Nacional – o qual já sonhou, também, em mandar fechar as portas quando não mais lhe conviesse.
Chama jornalismo investigativo de “patifaria”, classifica jornais de “inimigos nacionais” e ameaça usar o Estado para rever concessões de quem o incomoda.
Em resumo, a família Bolsonaro, nestes pouco mais de um ano e meio de governo, vem mostrando desconhecer ou, no mínimo, deturpar o que é, afinal, a República e o Estado Democrático de Direito.
Conceitos os quais – ironicamente – os quatro juraram, solenemente, defender.
CONHECIMENTO DE CAUSA
Isto, mais uma vez, há de se provar por eles mesmos ou, pior, por aqueles que já os defenderem. “Uma pessoa louca, um perigo para o país”, disse Gustavo Bebianno sobre Bolsonaro à uma coluna.
Ex-presidente do Partido Social Liberal (PSL), é o mesmo Bebianno que, há dois anos, protagonizou ‘um beijo hétero’ durante um congresso do então candidato. Ele foi, como se sabe, um dos principais cabos eleitorais de Jair Bolsonaro.
“Devo desculpas ao Brasil. Não imaginava que ele seria um presidente tão fraco”, completou, em outra oportunidade, o ex-ministro da Secretaria-Geral da Presidência.
Já Joice Hasselmann, destituída do posto de líder do PSL na Câmara dos Deputados, um dia estava no fronte de defesa dos interesses do Planalto, noutro, admitia publicamente a existência de um exército de robôs, já acusados de ajudar a fraudar as eleições presidenciais.
“A canalhice de vocês está sendo vista em todo Brasil”, disparou no Twitter.
Há de se compreender. A deputada foi afastada da liderança da sigla para dar lugar a nada menos que o recém-eleito Eduardo Bolsonaro.
Um prêmio de consolação articulado pelo pai em vista da derrota iminente em, antes, tentar tornar o herdeiro embaixador do Brasil nos Estados Unidos.
Este seria o presente de aniversário de 35 anos do deputado federal, admitiu o presidente da República.
DELÍRIOS
E foi este mesmo filho “01” quem protagonizou o mais recente escândalo do planalto central.
Em entrevista ao canal da jornalista Leda Nagle, o deputado mais votado da história do Brasil afirmou que “se a esquerda se radicalizar a esse ponto, teremos de ter outras opções, como um novo AI-5”, se referindo ao mais vil dos decretos da Ditadura Militar.
O Ato Institucional nº 5, baixado em 13 de dezembro de 1968, durante o governo do general Costa e Silva, foi a expressão mais escabrosa da ditadura brasileira. Vigorou até dezembro de 1978 e produziu um elenco de ações arbitrárias de efeitos duradouros.
Muitos morrerem, desapareceram e foram exilados por causa da lei. O Ato definiu o momento mais duro do regime, dando poder de exceção aos governantes para punir arbitrariamente os que fossem inimigos do regime ou assim considerados.
Rechaçado quase que imediatamente por praticamente todos os partidos, Poderes, autarquias, associações e autoridades, já ao fim do dia o deputado se desculpava “a quem tenha se sentido atingido”.
Questionado se concordava com as declarações do filho, o presidente da mesma República que se firmou com fim do AI-5 disse: “ele deve estar sonhando”.
De sonho ou pesadelo, fato é que, ao que parece, diante dos desmandos e trapalhadas, a histeria coletiva que elegeu Jair Messias Bolsonaro está passando e se tornando cada vez mais escancarada, mesmo que a passos lentos.
Difícil é saber quanto vai demorar para que, enfim, despertemos deste estado de tupor nacional.