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O sagrado em cada ponto

Da Redação
2 de dezembro de 20252 de dezembro de 2025 No Comments
AVERA cultura

As roupas de santo são elementos fundamentais de rituais de iniciação, festas e saídas / Foto: Beatriz Meneses

A ancestralidade que passa de mão em mão nos fios que tecem as roupas de santo

Por Maria Fernanda Cardoso

Revisão por Kátia Borges

Entre as diversas manifestações culturais que estão por trás das religiões de matrizes africanas, a moda é um dos meios pelos quais seus frequentadores se aproximam do sagrado. Quando se trata de roupa de axé, a sua beleza, grandiosidade e até mesmo a presença no dia a dia geram curiosidade. Quem nunca se impressionou com as roupas usadas pelos candomblecistas e umbandistas e pensou nas mãos que as produzem? A tradição de costurar essas indumentárias é fundamental para perpetuar o legado dos orixás, inquices e entidades, e ter jovens que cada vez mais se dedicam a essa arte é, de fato, uma bênção dos deuses.

Segundo o censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2022, 1,05% dos brasileiros seguem uma religião afro-brasileira, a mesma pesquisa mostra que os jovens estão cada vez mais presentes em terreiros e roças. Contudo, perpetuar uma cultura não é somente ter pessoas que se interessem por ela, mas que estejam envolvidas em todo o processo de conservação. Esses cultos mantêm viva a tradição, já que grande parte dos frequentadores aprende, na prática, os saberes e fazeres que garantem sua continuidade. 

Assim, os terreiros são, o que Pierre Nora caracteriza como, lugares de memória, espaços onde a culinária, as claves rítmicas e as línguas vindas de África, que aqui ganharam novos formatos, permanecem vivas. Sejam as iaôs, que aprendem a cozinhar a comida do santo; os ogãs, que dominam os toques do Rum, Rumpi e Lê; ou as mães e pais pequenos que garantem o cumprimento dos rituais, é ali que diferentes dimensões da cultura são preservadas. A moda, por sua vez, é um desses caminhos de conexão com os ancestrais e uma forma de compreender como essas religiões se enraizaram no Brasil, espiritual e historicamente.

Axó¹ e identidade afro-religiosa

O desconhecimento é um dos principais fatores que alimentam o preconceito e reforçam estereótipos sobre a identidade afro-religiosa. Dados do canal de denúncias do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania mostram que, em 2024, as notificações de violações ligadas à intolerância religiosa aumentaram 81% em relação ao ano anterior, tendo a umbanda e o candomblé como as tradições mais afetadas. Essa falta de informação não prejudica apenas seus praticantes, ela também contribui para negar o fato de que as religiões de matriz africana fazem parte da história e da formação cultural do Brasil.

Entender que os terreiros são uma fonte plural de cultura que representam diferentes povos, cada um com suas formas próprias de compreender as entidades e realizar seus rituais, é essencial para reconhecer a diversidade dos cultos afro-brasileiros. No Candomblé, por exemplo, quatro nações são mais difundidas na atualidade: Jeje, Angola, Banto e Ketu, também conhecida como nagô. Entre essas vertentes, até a nomenclatura das divindades muda, já que o que conhecemos popularmente por orixás, a depender, pode ser chamado de voduns ou inquices. 

Essa pluralidade das religiões de matriz africana se manifesta nas roupas de axé, que revelam identidades, tradições e formas próprias de conceber o sagrado. Essa diversidade aparece tanto na escolha dos tecidos, em algumas casas são permitidas estampas, em outras prevalece a sobriedade dos tecidos lisos, quanto no modo como cada grupo pensa e produz suas vestimentas. O axó de asè² é múltiplo em sentidos e significados, refletindo a história, a estética e a ancestralidade de cada nação dentro do Candomblé.

É justamente essa riqueza que move Tauan Carvalho, bixa amefricana, artista multifacetada e diretora do documentário Axó de Asé, no qual escuta diferentes gerações de costureiros e costureiras. Para Tauan, as vestimentas não apenas perpetuam os códigos das religiões, mas também “contribuem para o fortalecimento da identidade das comunidades e tendem a dignificar a memória, preservar a história de um povo, que tem sido deslegitimado pelas políticas públicas há um bom tempo na historiografia da nação”. Sua perspectiva evidencia como, diante do desconhecimento e dos preconceitos que ainda cercam os cultos afro-brasileiros, a roupa se torna testemunha viva da história e guardiã de tradições fundadoras.

Como destaca Santos (2020), “o vestuário do Candomblé possui um simbolismo especial, que além de ético e moral, aponta posição, postura, legitimidade e hierarquia a cada um dos participantes”. Diante disso, mais do que ornamentação, o ato de vestir-se é parte essencial da preparação ritual, carregando forças distintas conforme a tradição, mas sempre convergindo para o entendimento de que a vestimenta é um caminho que marca e consagra os dogmas desses cultos. Guardar esse conhecimento, que também dialoga com a moda, é uma forma de resistência e continuidade das religiões de axé. 

Com o passar do tempo, essas vestimentas produzidas, seja para cultuar orixá ou para cumprir as funções do dia a dia, ganham novas formas de serem confeccionadas e também de serem preservadas, trazendo uma renovação que não perde a tradição. Os homens e, principalmente, as mulheres de axé são os grandes responsáveis por manter esses trajes cujas técnicas de costura passam de geração em geração, por meio da curiosidade e do ensinamento dos mais velhos que, de ponto em ponto, constroem uma cultura viva e contínua.

As origens, as técnicas e as peças que compõem o axé

Técnicas europeias, tecidos africanos e sentidos brasileiros se entrelaçam nas roupas de santo, mostrando como essas vestes revelam parte da nossa história. A iaô de Oxum Rose Sena, 29 anos, praticante do Candomblé de nação Keto, é um exemplo vivo dessa preservação. Jovem costureira dedicada ao resgate das formas tradicionais de confecção das vestimentas de axé, ela explica que muitos dos elementos utilizados, como rendas, bordados e até algumas peças, têm origens diversas. 

“A gente foi aderindo às rendas, ao rechilié e a outras coisas. Tem o bordado de crivo, inspirado na renda francesa, e tem o dos torcidinhos, que vem de uma cultura tradicional do interior da Bahia, do Recôncavo. Além disso, o bordado chamado barafunda é muito tradicional no candomblé, em que as negras criavam seus próprios pontos”, conta Rose. Por meio do depoimento da Iaô, podemos perceber que essas peças são produtos da história do Brasil que foram se modificando e adquirindo diversas referências para chegar nas vestes que são costuradas hoje.

Feito por meio do desfiar de tecidos, o bordado barafunda é um dos mais tradicionais / Foto: arquivo pessoal de Rose Sena

Mas você conhece essas vestes, seus nomes e funções? As vestimentas do candomblé variam entre modelos masculinos e femininos, roupas de orixá ou de ração (aquelas usadas para fazer as tarefas do dia a dia). Entre as peças femininas básicas de uma iaô estão: o calçolão, uma espécie de calçola usada por baixo das camadas; as anáguas, que ajudam a dar volume à saia; o camisu, uma espécie de camiseta que tem renda nas mangas; e o pano da costa, vestido em cima do camisu e sobre o peito. Por fim, o ojá, pano de cabeça que protege as orelhas, especialmente em momentos de resguardo. As iniciadas mais novas seguem essa ordem ao se vestir, compondo um traje que une tradição, hierarquia e respeito ao sagrado.

O calçolão é um exemplo de vestimenta que tem uma inspiração nas roupas utilizadas na época da colonização. “É como se fosse uma roupa de baixo mesmo, que se vestia no tempo da colonização, quando as rainhas usavam aquele shortinho de babado. É bem nesse estilo e veio daí”, declara Rose. Já o pano da costa é um elemento da cultura africana que pode ser feito com tecido de cor lisa ou com tecidos de estampa africana.

Contudo, o que deve ser mais considerado para costurar uma roupa de santo é o que o orixá diz, o caminho que ele revela. “O orixá vai te dando a intuição de como deve ser e de como ele quer. É uma conexão. Aí vem aquela palavrinha que é de duas letras: fé. É a palavra que move tudo”, esclarece a yateni, costureira e professora Juciane Gomes, de 62 anos. 

A mãe pequena do Ilê Axé Odéjimidará, terreiro de nação Angola, carrega a função de costurar as roupas de santo para os seus filhos e filhas. Com 15 anos de iniciada, ela ajuda a transmitir essa habilidade para os jovens da sua casa, entre eles, seu aprendiz mais novo tem 14 anos

Filhas de santo da yateni, Juciane Gomes vestidas com as roupas confeccionadas por ela / Foto: arquivo pessoal de Alana Oliveira

Ao mesmo tempo em que yateni destaca a importância da vestimenta para o candomblé, ela ressalta que essas roupas são pontes e que se diferenciam de orixá para orixá. “Na sua formatura, você vai ter que vestir uma roupa. A beca é padrão para todo mundo. Cada orixá tem sua vestimenta padrão, que serve para mostrar quem ele é, mas não é a roupa que o completa, entende? É um complemento.”

Curiosidades, ensinamentos e entrelaces de saberes 

Para o candomblé, religião praticada por Rose Sena e Juciane Gomes, o tempo cronológico não é uma das principais questões quando falamos de experiências, mas o tempo de iniciação conta a sua história com a fé. E, pensando nesse tempo, a iaô Rose tem apenas um quinto dos anos de vivência da yateni Juciane Gomes no terreiro. Ainda assim, suas trajetórias se entrelaçam pela costura e pela fé. Duas gerações de mulheres que, movidas pela curiosidade, pela observação e pelo incentivo dos mais velhos, mantêm viva uma tradição que faz parte da cultura afro-brasileira.

Cada uma com o seu começo, yateni iniciou os trabalhos com a costura de forma inesperada: “Meu pai espiritual disse: as costuras do primeiro barco quem vai fazer é você. Eu me espantei, mas ele me ensinou o molde e eu joguei duro. Isso me despertou, porque, hoje, eu amo fazer.” declara Juciane. Já a Iaô teve um caminho diferente: “Aprendi sozinha e observando meus mais velhos a costurar, e com isso hoje eu tenho uma loja chamada Ogbedi axó, onde tento resgatar a cultura tradicional e as formas de costura que foram se perdendo com o tempo”, conta Rose.

Contudo, a união dessas experiências surge a partir de como as religiões de matrizes africanas  e as pessoas que as professam têm respeito pela perpetuação das tradições. As duas representam um paralelo entre uma cultura em que o respeito aos mais velhos, ao ancestral, foi fundamental para que as peças, como o camisu e o pano da costa, fossem costuradas e preservadas no terreiro até a nossa atualidade. E isso representa a força das tradições orais e a moda é uma testemunha da história e desse tempo que por hora foi ontem, mas que ainda reverbera no hoje e no amanhã.

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