Como as estruturas sociais, comerciais e históricas afetam a carreira das atletas
Por Eider Queiroz, Franciely Gomes e Lis Gabrieli
Revisão: Antônio Netto
Segundo o Relatório Nacional de Desenvolvimento Humano do Brasil de 2017, mulheres entre 15 e 39 anos são a minoria na prática de esportes e atividades físicas, em comparação aos homens, o que faz este ponto do mundo desportivo uma área em desenvolvimento.
No esporte, a desigualdade de gênero tem se expressado tanto em diferença aos números de transmissões esportivas de suas categorias, como aos de contratos fechados com marcas, popularidade, faturamento de times, etc.
Diana Queiroz, atleta de longboard e windsurf, passa por dificuldades na modalidade esportiva e relata as divergências entre homens e mulheres no surf.
“Ainda brigo para que o equipamento das mulheres seja igual ao dos homens, por regra é menor. O esporte alimenta a alma, o corpo, mas também serve de bandeira justamente para lutar por essa igualdade de gênero”, conta Queiroz.
O conceito de representatividade tem se tornado um fator importante para as mulheres. A restrição à espaços, as impedindo de construir suas instituições e seus próprios departamentos, resultou em um cenário de progresso pendente, em comparação aos homens, no decorrer dos anos.
Histórico
Na antiguidade, os esportes competitivos, em sua maioria, eram compostos por times masculinos. O conceito de “esporte de homem” surgiu na Grécia Antiga, com a ideia de que algumas atividades poderiam masculinizar o corpo feminino.
Em 1941, no governo Vargas, houve um decreto que proibia mulheres de praticarem esportes que fossem “incompatíveis com às condições de sua natureza”, dentre eles futebol e artes maciais. Sendo reforçado em 1965, pelo Conselho Nacional de Desportos (CND), durando até 1979, quando houve um pedido de revogação.
A sensei Graça Marques conta que, em 1983, quando começou no mundo dos esportes, pouquíssimas mulheres treinavam artes maciais e as que treinavam ainda eram questionadas sobre sua sexualidade.
“Além da desvalorização que recebia de alguns colegas nos treinos, mesmo me destacando e mostrando minhas habilidades tanto quanto eles”, desabafa a atleta.
Apesar dos empecilhos, houve mulheres que fizeram história e incentivaram outras na iniciação de suas carreiras desportivas. Uma delas foi Maria Lenk, que em 1932, com apenas 17 anos, foi a primeira mulher brasileira a participar de uma Olimpíada, disputando na natação.
Mídia e consumo
Usando como o principal ponto de análise o esporte mais popular do país, o futebol, e os dois maiores atletas de cada categoria no Brasil, Neymar e Marta, é possível entender como as estruturas têm níveis diferentes, entre ambos.
Segundo o site Gazeta do Povo, a jogadora do Orlando Pride recebe cerca de 340 mil euros por ano do time, enquanto Neymar ganha 30 milhões de euros no Paris Saint-Germain. A diferença é nítida, porém o time francês faz parte de um mercado que movimenta milhões de euros, emprega milhares de pessoas e atrai muitos torcedores.
A visibilidade que uma atleta feminina recebe é menor do que um atleta masculino, pois tanto no profissional como no amador, o futebol masculino vem sendo praticado há séculos, sem nenhuma proibição, tendo assim um mercado já consolidado, diferente da modalidade feminina.
O primeiro time de futebol masculino criado no Brasil foi o Sport Clube Rio Grande, em 1900, enquanto o primeiro departamento feminino da categoria foi criado em 1980 e reconhecido somente em 1983.
Os campeonatos femininos ainda têm público restrito, a Copa do Mundo de Futebol Feminino foi realizada pela primeira vez em 1991.Foi transmitida no Brasil em 2015 e, somente em 2019, pelas principais emissoras de jogos oficiais do país, como a Globo e a Band.
A questão é que a maioria dos esportes quando praticados por mulheres perde grande parte público e se torna produto de nicho. A visibilidade que uma marca ganha em cima de um time ou campeonato que está todos os dias sendo discutido nos meios de comunicação é maior do que algo relativamente novo e em construção de público comercial.
Os departamentos femininos de esportes ainda estão engatinhando para ter seu reconhecimento para o grande público, por isso é importante apoiar esses times e atletas de diversas modalidades.
Incentivo governamental
O pouco acesso ao lazer, devido a jornada de trabalho e atividades domésticas, é um dos fatores que contribui para a falta de acesso aos esportes. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) o número de mulheres que são financeiramente responsáveis pela família chega a 34,4 milhões.
A falta de incentivo nas escolas, baixa renda e o medo de assédio em determinados locais também são fatores que mostram a disparidade entre meninos e meninas no mundo esportivo.
Há uma necessidade de investimento público em ações de incentivo e valorização do esporte, pois existe uma carência de projetos com investimento público voltados a esse meio, principalmente feminino.
Para tentar suprir o pouco apoio político, algumas organizações sociais fazem o estímulo da prática desportiva feminina. Uma delas é a De Peito Aberto (DPA), que conta com ações em 30 cidades, de quatro regiões do país.
De Peito Aberto é uma organização da sociedade civil de interesse público (OSCIP), sem fins lucrativos, entretanto conta com o apoio da Lei de Incentivo ao Esporte e da Lei Federal de Incentivo à Cultura.
Apesar de ser voltado para o estímulo de esportes para crianças e adolescentes carentes, o projeto tem uma forte influência e realização de núcleos exclusivos para incentivo do futebol feminino. Uma de suas últimas ações, em 2019, foi no Estádio de Pituaçu, em Salvador, que recebeu cerca de 150 meninas para treinar.
Realizações futuras
Apesar de uma longa trajetória de conquistas, a busca pela igualdade de gênero no espaço esportivo continua. Os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) são um exemplo disso.
Mais conhecidos como Agenda 2030, se trata de um conjunto de dezessete metas globais de desenvolvimento sustentável para todos os países, ministrada pela Organização das Nações Unidas (ONU).
A quinta meta global, é justamente a igualdade de gênero. Segundo o portal oficial desse projeto, a equivalência entre gêneros é um direito fundamental e também a base para um mundo mais prospero, pacífico e sustentável.
“Para conseguir alcançar um ideal de mundo sustentável, as barreiras sociais visíveis e invisíveis precisam ser ultrapassadas”, compartilha o projeto da ONU.
A importância da representatividade
O processo de identificação com pessoas realizando atividades diferentes do padrão, numa posição que almeja, estilo de vida desejado e confortável financeiramente é popularmente chamado de representatividade.
Para pessoas que fazem parte de minorias sociais, esse é um fator essencial para a construção de identidade e subjetividade do indivíduo e do grupo social.
O esporte, é uma condição importante para garantir uma boa qualidade de vida e também uma possível área profissional para pessoas de baixa renda ou que vivem em ambientes violentos.
Ver atletas sendo bem-sucedidas, em campanhas publicitárias ou em redes sociais, gera inspiração para outras mulheres que desejam o mesmo, mas não podem.
Talita Dias, bodyboarder, revela que sente falta de uma maior representatividade feminina no surf: “mulheres negras e fora do padrão estético, mulheres que tem projetos que possibilitam que outras mulheres conheçam o universo do surf, as próprias atletas brasileiras do surf, pois quase não são vistas na mídia”.
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Matéria muito boa e completa, com embasamento teórico bem construído e estruturado!! Gostei bastante, a redação está de parabéns!