Com a pandemia do coronavírus, a regra é não receber torcidas nos jogos brasileiros. Mas e o torcedor, o que acha disso e como se adaptou a essas mudanças?
Por Adélia Pereira e Pedro Souza
Revisão: Antônio Netto
Comprar ingresso, marcar com os amigos, beber uma cerveja do lado de fora do estádio, colar o radinho de pilha no ouvido para acompanhar a narração… desde meados de março deste ano o torcedor não pode praticar seu tradicional ritual.
O ingresso se tornou mensalidade do serviço de assinatura, a cerveja é no sofá de casa, o tira gosto é por entrega e o grito de gol é na varanda.
Por conta da pandemia do coronavírus, a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) suspendeu as competições nacionais no dia 6 de março. Os jogos só começaram a retornaram no dia 18 de junho, em estádios que até hoje permanecem sem reencontrar seus torcedores.
O dia a dia no futebol é marcado por diversas formas de torcer. Entre o torcedor dito “comum” e o organizado, existe uma infinidade de hábitos que os diferenciam, mas que se encontram em um ponto, o amor pelo clube.
Para Vitor Magalhães, 24, estudante de História e torcedor do Vitória, a diferença está na euforia. “Em casa eu sinto menos emoção, além disso, tem outras coisas que tiram sua atenção, no estádio seu foco é o jogo”, conta o rubro-negro.
“Eu tentava acompanhar, continuei pagando o sócio torcedor, mas fui perdendo a empolgação com o tempo”, completa o estudante, afastado dos estádios.
Do lado tricolor, para Gabriela Amaral, 37, arquiteta, a volta do futebol significou esperança e reacendeu a chama da paixão pelo clube.
“Antes da pandemia eu já estava a um tempo sem ir ao estádio, mas foi marcante quando vi que o futebol tinha voltado, que eu ia poder ver os jogos em casa. Deu uma esperança de que tudo ia melhorar e voltar ao normal”, comemora a arquiteta.
“Estamos vivendo uma realidade no futebol que acontece em casos de punição, quando o time ou a torcida comete alguma infração desportiva muitas vezes é punido dessa forma, obrigado a jogar sem torcida, então com certeza nós impulsionamos muito o time no estádio”, completa a torcedora.
O economista Alam Piter, 37, enxerga a ida ao estádio como uma verdadeira entrega ao clube, “xingo e grito até ficar rouco”.
“Já teve uma vez de eu passar mal num jogo entre Bahia e Santos, eu passei mal dentro do estádio. Já em casa, fico nas redes sociais falando mal dos jogadores até bater a vergonha e eu apagar tudo que escrevi”, conta o economista de forma descontraída.
Torcida organizada
O comando feminino da “Torcida Uniformizada Imbatíveis” (TUI), é a maior torcida organizada do Vitória e a segunda maior da Bahia.
Elizabete Dantas, representante do comando, conta que “ao menos pra gente que tem essa cultura de torcer, o hábito de ir a todos os jogos, inclusive fora de casa, é uma mudança radical no nosso modo de viver”.
“Já estávamos acostumadas a ter uma certa rotina de jogo do Vitória, se preparar, reservar horário, pra fazer só aquilo no dia, ou então, organizar tudo de modo que não inviabilizasse a ida aos jogos e há uma quebra disso”, diz a representante.
“Sem falar que o Vitória está numa fase ruim, correndo risco claro de rebaixamento. Como nós acreditamos na força da torcida, não só da organizada, a gente também atribui a ausência dos torcedores no estádio aos resultados negativos. Lógico que tantos jogos sem vencer é reflexo de uma gestão arcaica, muito ruim, mas até nisso a pandemia atrapalha, pois até os protestos que organizamos andaram esvaziados”, relata Dantas.
A “Terror Tricolor”, torcida organizada do Bahia fundada em 2004, desempenha hoje um dos papéis de protagonista nas arquibancadas da Fonte Nova em jogos do esquadrão.
Para João Xavier, 27, diretor de comunicação da Torcida Tricolor, “a principal diferença entre assistir em casa e no estádio é principalmente a questão de encontrar os amigos”.
“Bater aquele papo, extravasar e voltar pra casa com uma felicidade tamanha quando nosso time vence. Mas mesmo quando perde, deixamos muito de energia negativa lá, pelo fato de extravasar, cantar, pular e fazer aquela bela festa nas arquibancadas”, desabafa o saudoso torcedor.
Digital e retomada do presencial
Dantas, da TUI, conta que o comando mantém um grupo no Whatsapp que usam para discutir os jogos, neste momento, cada uma em sua casa. Relata que tentaram ainda assistir aos jogos juntas pelo Zoom, mas não gostaram muito da dinâmica.
A líder diz ainda que a torcida organizada planejou assistir aos jogos juntos na sede, mas que há receio por parte de alguns integrantes, o que enfraqueceu a alternativa e fez dividir o grupo. Porém, já há um movimento mais estruturado, ainda sem previsão, para assistirem juntas presencialmente.
Do lado tricolor, Xavier conta que “não temos informação sobre a volta aos estádios, algo que pelas informações sobre tal, temos visto com bons olhos a não autorização, enquanto não existir uma vacina”.
“Pelo lado torcedor apaixonado, vivemos naquela de voltarmos ao estádio para fazermos tudo aquilo que sempre fizemos, com todo amor ao clube que amamos, mas pela razão, sabemos que não podemos por em risco as nossas vidas e a do próximo, seja familiar ou não”, relata o diretor da torcida tricolor.
“Em relação a assistirmos as partidas, evitamos nos reunir, pela atual situação. Cada um na sua casa ou assumindo a sua responsabilidade de assistir onde quiserem”, completa Xavier.
As duas torcidas organizadas, apesar de torcerem por times rivais, possuem as mesmas alternativas para driblar essa sensação de distanciamento e poderem debater as partidas com os amigos, os grupos no Whatsapp.
Com relação à CBF, inúmeras alternativas para a liberação das torcidas no estádio vêm sendo estudadas, inclusive de liberar apenas parte da capacidade do estádio para o público, mas nada foi oficialmente decidido.
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