Por Camila Carrera
O documentário “Estamira” narra a história de uma senhora moradora de um lixão. Diante desse contexto o seu cotidiano é compartilhado a fim de mostrar a sua realidade. Ao dividir opiniões, críticas sociais, devaneios e revoltas, Estamira, designada com problemas mentais, revela o quão é lúcida através de suas reflexões.
Por conta dos conflitos psicológicos desenvolvidos ao decorrer de sua vida, originados a partir de males os quais não soube resolver consigo, Estamira, passa a enfrentar brigas internas e contínuas com o próprio ego. Sem controle emocional, sua relação consigo e com os familiares se torna desestruturada, pois ao deparar-se com opiniões divergentes às suas, mais precisamente, a respeito da existência e de problemas sociais, irradia ódio e brutas discussões.
Dona de uma percepção autêntica, encara seus dias com gratidão mesmo estando numa condição sub-humana. Entre conversas a sós, idiomas próprios, alucinações e sabedoria, Estamira, difunde suas concepções sobre o excessivo desperdício humano. Além disso, realiza desabafos e críticas envoltas à hipocrisia e ao individualismo humano. “Traidor, mentiroso, esperto ao contrário” são termos muito utilizados pela mesmo quando se refere ao ser humano.
Estamira, mora e trabalha no lixão há 20 anos. Ao se divorciar não herdou bens materiais. Levou consigo “apenas” à sua dignidade. No passado foi casada duas vezes, teve três filhos. Ambos dos seus matrimônios resumiram-se em traições, desrespeito e partida.
Após abandonar o seu último marido foi abusada sexualmente por bandidos, e até então carrega consigo um remorso por ter deixado sua mãe numa clínica psiquiátrica, onde veio a falecer. A partir daí o lixão se tornou sua chance de sobrevivência.
Muito observadora e analítica, Estamira, se enxerga como o próprio centro, tendo sua verdade como absoluta. Vívida em realidades paralelas e duais, criada pelo repertório que a vida lhe proporcionou, a senhora, unifica às ações humanas às divinas, culpando então, Deus por todas as desgraças e não interferências.
Perante tantas dificuldades se entregou a Deus, Jesus e a qualquer outra divindade durante os problemas enfrentados, mas não teve o retorno desejado. Ao se decepcionar, perdeu a fé e abraçou um novo estilo de vida o qual carece de esperança.
O documentário foi filmado de forma orgânica. Sua produção é simples, condizente com a proposta do tema. Mostra a realidade da protagonista de modo que preserva sua essência, permitindo assim, que o público conheça sua verdadeira história e se sinta parte dela.
Além de ótimo enredo, possui uma fotografia sensível e leal ao conteúdo relatado no longa- metragem, a qual é enquadrada de forma diversificada. Na maioria das cenas a fotografia é expressa com realismo e utiliza do preto e branco para se mostrar unificando-se à luz e sombra de maneira documental e artística.