Depois de quase duas décadas sendo ignorado e processado, Oscar Paris teve sua coragem reconhecida na Justiça e hoje sua história inspira outros profissionais
Por Caio Ferrari
Revisão Lucca Anthony

O jornalista esportivo Oscar Paris | Reprodução/Sinjorba
Por trás de uma manchete, muitas vezes se esconde uma vida inteira. Oscar Paris sabe bem o que isso significa. Durante anos, foi uma das vozes mais respeitadas da crônica esportiva baiana. Escrevia com precisão, falava com propriedade e sempre carregava aquele senso de missão que move os jornalistas que ainda acreditam no papel público da imprensa. Mas bastou uma reportagem para transformar esse percurso em uma estrada solitária, marcada por tribunais, portas fechadas e silêncio.
Tudo começou em 2008, quando Paris decidiu investigar um caso que, à primeira vista, poderia parecer apenas mais uma disputa burocrática no futebol. Mas quanto mais se aprofundava, mais percebia que estava diante de algo maior. Um esquema que envolvia documentos forjados, dinheiro movimentado de forma silenciosa e o nome de um dos principais dirigentes da Federação Bahiana de Futebol, Ednaldo Rodrigues.
A história que ninguém queria contar
Na época, o Poções, um pequeno clube do interior da Bahia, aparecia nos registros da CBF como um dos formadores do atacante Liedson. A recompensa? Quase um milhão de reais em repasses da FIFA. O problema? Liedson nunca jogou no clube. A inclusão era, segundo apurou Paris, uma falsificação articulada dentro da própria Federação, com ordens que partiam de cima.
Documentos, entrevistas e o depoimento de uma ex-funcionária da entidade reforçavam a denúncia. Paris fez o que qualquer jornalista ético faria: publicou. Mas o que seguiu depois não foi reconhecimento. Foi punição.
O silêncio como sentença
Pouco tempo depois da publicação, Oscar foi desligado da TVE Bahia, onde comentava esportes com regularidade, e perdeu espaço no jornal A Tarde, onde escrevia com frequência. Nenhuma demissão formal com justificativa editorial. Simplesmente pararam de chamá-lo. Colegas passaram a evitar contato. E o mercado, que antes o procurava, agora o ignorava.
A resposta institucional foi ainda mais dura. Oito processos judiciais por calúnia e difamação caíram sobre ele. Um deles resultou em condenação, com penhora de bens e o peso crescente da instabilidade financeira. Mas o que mais doeu foi o isolamento. O jornalista que tinha microfone e coluna passou a ter apenas sua convicção de que contar aquela história havia sido o certo — ainda que o preço cobrado fosse brutal.
Entre audiências e recursos, vieram também as doenças. Paris enfrentou dois diagnósticos de câncer e longos períodos de depressão. Seus textos sumiram das páginas, sua imagem da televisão. Mas ele não voltou atrás. Não se desmentiu. E não se calou.
A justiça que veio tarde, mas veio
Quase 17 anos depois, em março de 2025, o Superior Tribunal de Justiça bateu o martelo. De forma unânime, reconheceu que Oscar Paris havia agido no pleno exercício do jornalismo e rejeitou o último recurso movido pela defesa de Ednaldo Rodrigues. Era o fim de uma disputa judicial que atravessou quase duas décadas.
A decisão do STJ não devolveu os empregos perdidos, nem apagou as noites de insônia, mas teve o peso simbólico de confirmar que ele estava certo. Sua história foi retomada pelo Intercept Brasil, que resgatou os documentos, o contexto e as marcas que essa trajetória deixou.
Hoje, Paris vive fora dos holofotes. Não voltou às grandes redações, não ocupa cadeira em programas de TV. Mas sua história circula entre estudantes de jornalismo, em faculdades, rodas de conversa e em textos que tentam manter viva a pergunta mais incômoda de todas: vale a pena denunciar?
Ednaldo no centro do futebol
Enquanto Paris foi afastado do cenário público, Ednaldo Rodrigues ascendeu. Em 2021, assumiu a presidência da CBF. Em 2023, foi reeleito com apoio esmagador das federações estaduais. Sua gestão é marcada por uma retórica de inclusão e modernização, mas na prática, acumula episódios que reforçam sua intolerância à crítica.
No início de 2025, o afastamento de seis jornalistas da ESPN Brasil gerou ruído nos bastidores. Todos haviam feito críticas à atual direção da CBF. A emissora negou interferência, mas os desligamentos acenderam o alerta em redações e redações paralelas: até onde vai o alcance do poder dentro do esporte?
Ednaldo, por sua vez, jamais se retratou publicamente sobre o caso Paris, tampouco o mencionou desde que assumiu a CBF. O silêncio institucional em torno da denúncia diz muito — e serve como espelho para os riscos que o jornalismo investigativo continua enfrentando no Brasil.
Quando contar a verdade custa caro
O que aconteceu com Oscar Paris não é um episódio isolado. É o retrato de como estruturas de poder reagem quando confrontadas. O futebol, que tanta gente enxerga apenas como paixão, também é terreno fértil para conflitos de interesse, negociatas ocultas e silenciamento.
Num país onde se naturalizou o desmonte do jornalismo investigativo, a história de Paris não ganha manchetes, mas ecoa entre aqueles que ainda acreditam que informar é mais do que reproduzir falas oficiais. É questionar, investigar, revelar.
Um legado que ninguém apagou
Oscar Paris não tem hoje um programa de rádio, nem espaço em jornais impressos. Mas a história que ele contou resistiu ao tempo, às tentativas de apagamento e às ameaças jurídicas. Seu nome pode não estar nos créditos dos grandes veículos, mas está nas entrelinhas de todo debate sério sobre liberdade de imprensa no esporte.
Ele pode ter perdido empregos, saúde e oportunidades. Mas manteve o que talvez seja mais difícil de preservar em tempos de medo: a integridade.