O número de feminicídios cresceu 6,1% em 2022, resultando em 1.437 mulheres mortas simplesmente por serem mulheres
Por Beatriz Amorim
Revisão por: Alexandre Falcão
No dia 25 de novembro, comemora-se o Dia Internacional para a Eliminação da Violência Contra as Mulheres, uma ocasião dedicada a sensibilizar a comunidade global sobre a importância de direcionar atenção às mulheres vítimas de violência, além de promover ações para combater este grave problema.
O dia foi criado pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 20 de dezembro de 1993, com a finalidade de ampliar discussões, conscientizar a população sobre os diversos tipos de agressões enfrentadas por mulheres e propor medidas de prevenção e combate à violência, expandindo os espaços de diálogo e debate na sociedade.
A celebração não é apenas sobre reconhecer o problema. É uma oportunidade para reforçar o compromisso de todos – governos, organizações, comunidades e indivíduos – para eliminar a violência contra as mulheres. É um momento para se unir na conscientização, educação e defesa dos direitos das mulheres, promovendo uma cultura de respeito e equidade.
Mas afinal, o que é violência contra a mulher?
A violência contra a mulher abrange qualquer ação ou omissão motivada pelo gênero que resulte em morte, lesão, sofrimento físico, sexual, psicológico, dano moral ou patrimonial à mulher.
A forma mais extrema de violência contra a mulher é, sem dúvida, o óbito. Quando uma mulher é morta em decorrência de conflitos de gênero, isto é, simplesmente por ser mulher, é classificado como feminicídio. Esses atos violentos são frequentemente cometidos por homens, muitas vezes parceiros ou ex-parceiros, resultantes de situações de abuso doméstico, ameaças, intimidação e violência sexual.
Há múltiplas formas de violência contra as mulheres, o que demanda a abordagem específica de cada uma para um combate mais eficaz:
- Violência Física: Entendida como qualquer conduta que ofenda a integridade de saúde ou corporal da mulher, como empurrões, socos, estrangulamento, agressões com objetos, entre outros.
- Violência Psicológica: Compreende ameaças, humilhações, manipulações, chantagens, controle excessivo, insultos, isolamento e outros comportamentos que afetam a saúde mental e emocional da mulher.
- Violência Sexual: Inclui coerção sexual, estupro, abuso sexual, pressão para atividades sexuais indesejadas e outras formas de violência sexual.
- Violência Patrimonial: Refere-se ao controle, destruição ou retenção de objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens e recursos econômicos da mulher.
- Violência Institucional: Ocorre no âmbito de instituições, sejam elas públicas ou privadas, e envolve a negligência, discriminação ou desrespeito aos direitos das mulheres por parte de sistemas de saúde, justiça, assistência social, entre outros.
- Violência Moral: Envolve difamação, calúnia, injúrias, disseminação de boatos e ações que prejudicam a reputação e dignidade da mulher.
Crimes de violência contra mulher tiveram alta em 2022, em comparação com 2021, de acordo com dados divulgados pelo Anuário do Fórum Brasileiro da Segurança Pública.
Juntamente com o aumento dos casos de estupro, que somaram 18.110 vítimas em 2022, crescimento de 7% em relação ao ano anterior. Houve um aumento também nos casos de estupro de vulnerável, com um total de 56.820 vítimas e incremento de 8,6%.
O feminicídio também se destacou como um crime que registrou aumento de ocorrências de um ano para o outro.
No ano passado, foram registrados 1.437 casos no Brasil, em comparação com 2021, quando ocorreram 1.347 casos, representando um aumento de 1,2% de um ano para o outro.
Além disso, o número de tentativas de feminicídio teve um aumento de 16,9%.
Além dos crimes contra a vida, as agressões em contexto de violência doméstica tiveram aumento de 2,9%, totalizando 245.713 casos e as ameaças cresceram 7,2%, resultando em 613.529 casos. De acordo com os dados apresentados no relatório “Poder Judiciário na aplicação da Lei Maria da Penha”, em 2017 houve registro de 455.641 novos casos de feminicídio e violência doméstica nos tribunais estaduais, e em 2022 este número subiu para 640.867.
Considerando a ampla gama de situações que compõem a violência contra a mulher, o Dia Internacional para a Eliminação da Violência Contra as Mulheres representa um momento crucial em que mulheres e seus apoiadores unem forças para obter maior reconhecimento e visibilidade na luta contra essa realidade.
Relatos de sobrevivência
Bianca Rodrigues (nome fictício), médica, nasceu em Salvador e durante um período de sua vida, foi vítima de violência moral e psicológica pelo seu ex-marido.
“Durante minha juventude, logo após me casar, agora entendo que fui vítima de violência pelo meu ex-marido. Apesar de nunca ter acontecido agressões físicas, eu fui perseguida na rua, humilhada e xingada de todas as palavras possíveis. Inclusive, uma vez ele arrancou a minha roupa em público para me chamar de vagabunda e além das palavras, eu fui terrivelmente ameaçada de morte e de agressão durante todo o período em que estive casada e só tive forças para sair do casamento por conta do nascimento da minha filha”, relata a médica.
Para Rodrigues, existe uma grande importância na conscientização e na divulgação de histórias de sobrevivência “É extremamente importante que essas histórias cheguem na população, pois mulheres que estiverem passando pela mesma situação possam enxergar que existe sim uma saída do ciclo de violência. Também, é importante que a mídia fale sobre a importância da denúncia nos casos de violência, indo além de falar apenas sobre a agressão física”, reforça a vítima.
A médica dá um conselho para mulheres que enfrentam situações semelhantes de violência. “Por favor, não esqueçam de denunciar seus agressores, infelizmente, por falta de informação na minha época eu não tive coragem de denunciar. Porém, a denúncia é uma parte imprescindível no processo para sair do ciclo de violência, inclusive para a própria proteção da mulher violentada”, aconselha a profissional de saúde.
Já para a estudante de Ciências Sociais, Carla Morais (nome fictício), a violência veio de uma outra forma, de uma fonte que ela menos esperava.
“Eu estava sozinha em casa e para me divertir decidi chamar o meu melhor amigo. Depois de alguns drinks que tomamos juntos, eu comecei a me sentir fraca e acredito que ele tenha colocado algo na minha bebida, depois disso, só tenho flashs de memória, incluindo ele tentando tirar minha roupa e em cima de mim, quando ele finalmente foi embora, foi quando eu percebi que tinha sido estuprada”, conta Morais.
A estudante conta o motivo que a levou a romper o silêncio e falar sobre a violência que sofreu.
“Essa é a primeira vez que tenho coragem de falar sobre o ocorrido. Não tive coragem de denunciar pois não queria contar para as pessoas, principalmente meus pais, porque eu me culpava pelo que tinha acontecido, por ter deixado o agressor entrar e por ter confiado”, explica a estudante.
“Mas o motivo que me leva a quebrar o silêncio hoje, é a possibilidade de ajudar outras mulheres que passaram pelo mesmo que eu, querendo dizer para elas que denunciem, independente do medo e da vergonha. A marca de uma violência é impossível de apagar, porém, com a denúncia pelo menos a justiça terá chance de ser feita”, complementa Morais.
Apesar de importante, o Dia Internacional para a Eliminação da Violência Contra as Mulheres, de acordo com a estudante, ainda pode ter uma maior eficácia.
“Embora seja uma data de extrema importância, ela não recebe a devida divulgação, eu mesma só tomei conhecimento dela após ser convidada para esta entrevista. Portanto, é crucial que haja campanhas mais amplas e eventos dedicados à conscientização sobre o combate à violência contra a mulher nesta e em outras datas, para que se possa ajudar o máximo número possível de mulheres em situações de violência”, opina a jovem.
Âmbito legal
A advogada Gabrielle Monteiro explica quais os recursos legais disponíveis para uma mulher vítima de violência doméstica.
“Primeiramente, ligar para o 180 número de segurança para denunciar casos sob a Lei Maria da Penha. A própria vítima pode ligar e fingir fazer um pedido de entrega, que será interpretado como um pedido de socorro, fornecido o endereço correto. O encaminhamento será feito para a delegacia DEAN, especializada no atendimento à mulher. É necessário comparecer lá e abrir uma reclamação de corpo de delito”, explica a advogada.
De acordo com a advogada, existem órgãos de proteção à mulher, como casas de atendimento que acolhem mulheres vítimas de violência e centros de proteção para a mulher. Além disso, nos dias atuais, os recursos disponíveis para prestar assistência às vítimas são amplos.
De acordo com Monteiro, existem maneiras que uma mulher pode solicitar ajuda legal em casos de violência. “A via pública permite fazer a denúncia e hoje existem equipes de policiais da Lei Maria da Penha que podem auxiliar a vítima, levando-a para a delegacia ou para uma casa de apoio. Além disso, a vítima pode procurar um advogado para acompanhá-la na prestação de queixa e na abertura de um processo contra o agressor. A via legal é abrangente e pode ser administrativa ou judicial.”
Para a advogada, é importante denunciar casos de violência contra a mulher para as autoridades, pois isso pode afetar o desenrolar legal do caso.
“A denúncia é de extrema importância, pois afeta de forma positiva o desenrolar do caso. A partir da denúncia as autoridades podem acompanhar o caso até que a vítima não fique mais em perigo. Existem grupos de policiais da Lei Maria da Penha responsáveis por monitorar a situação, fazendo rondas e verificando o bem-estar da vítima. Ao denunciar, a vítima dá ciência às autoridades e contribui para fazer cumprir as leis, garantindo sua proteção e segurança.”, conta a advogada.
Se você ou alguém que você conhece está passando por violência contra a mulher, é crucial buscar ajuda imediatamente. Entre em contato com organizações locais especializadas em apoio a vítimas de violência doméstica. Considere falar com amigos, familiares de confiança ou profissionais de saúde. Sua segurança é prioritária. Ligue 180.