Das muitas formas de valorização da cultura nordestina, a literatura de cordel se destaca por resgatar tradições, narrar vivências e refletir a sociedade sob um olhar crítico e poético

O poeta Bráulio Bessa e o cordelista Antônio Barreto na Flica em 2019 | Foto: Kátia Borges
Por Kauan Brandão
Revisão Anna Gherardi
No dia 8 de outubro, o Brasil celebra o Dia do Nordestino, data que valoriza a força da região e de sua população, um povo que resiste diariamente a preconceitos e conquista cada vez mais seu espaço na sociedade, o que contribui de forma significativa para o crescimento social e econômico do país. A região Nordeste se destaca ainda por sua rica diversidade cultural, presente na gastronomia, dança, literatura e nas inúmeras manifestações culturais.
Essa data não foi escolhida por acaso. Marca o nascimento de Catulo da Paixão Cearense, um dos maiores poetas e músicos populares do Brasil. Ele nasceu em 8 de outubro de 1863, em São Luís do Maranhão, e faleceu em 10 de maio de 1946, no Rio de Janeiro. Entre suas obras, destacam-se Poemas Bravios, Meu Sertão e o clássico Luar do Sertão, que exaltam a riqueza e a beleza do sertão nordestino.
Mas o que mudou com o passar dos anos? A migração de povos nordestinos por todo o país fez a cultura se propagar e ser reconhecida por todos os estados. O dia do nordestino é uma data criada pela Câmara Municipal de São Paulo, de acordo com a Lei no 14.952 de 2009, estado que abriga o maior número de nordestinos fora do Nordeste e tem o intuito de reconhecer o valor e a importância da região.
Quando os nordestinos deixam suas cidades em busca de melhores oportunidades de trabalho, frequentemente enfrentam exploração da mão de obra, preconceitos e ataques. Essa realidade reforça estigmas sobre pessoas que buscam apenas condições dignas de vida e trabalho.
Além da culinária, essas manifestações influenciam a cultura brasileira, especialmente no teatro, na dramaturgia e na literatura. São produzidas obras que resgatam histórias de vivências no sertão, costumes, religiosidade e identidade nordestina. Um exemplo disso é a literatura de cordel, que chegou ao Brasil por volta do século XVIII e se popularizou no Nordeste.
Literatura e origem
O cordel é escrito com métricas e rimas, com o objetivo de dar musicalidade ao poema. Possui elementos da cultura nordestina com uma linguagem regional e informal. Traz temas populares comuns no cotidiano das pessoas, contendo humor, ironia e sarcasmo. Contém crítica social que informa e que diverte os leitores.
Apresentado em folhetos impressos, originalmente feitos com xilogravura — técnica onde o desenho é gravado em um bloco de madeira, depois pintado e prensado em papel para criar a imagem — hoje o cordel pode ser produzida também como forma moderna de arte e fotografia. São expostos pendurados em cordas para serem apresentados em feiras literárias e eventos culturais.
Em 2018 o Cordel foi considerado patrimônio cultural imaterial brasileiro. Os autores dessa literatura são chamados de cordelistas, o artista Antônio Barreto, nascido na zona rural da cidade de Santa Bárbara, é cordelista, poeta e professor baiano. Dá aulas na rede pública e adapta a literatura de cordel com os seus alunos.
Alguns temas são escolhidos a partir de memórias resgatadas do sertão, trazendo a infância e elementos marcantes da cultura nordestina. Pode-se falar também sobre cotidiano, com atenção ao que ocorre no mundo. “Se estou no metrô e ouço uma conversa interessante, pego papel e caneta para rabiscar um verso. Tudo se torna material para escrever”, revela .
Antônio fala que os cordelistas consideram que a literatura de cordel é um instrumento pedagógico capaz de ser trabalhado com sucesso em sala de aula. É o que os cordelistas contemporâneos estão fazendo, utilizando desta literatura para estimular o gosto pela leitura, desenvolver o senso crítico, enriquecer o vocabulário e aumentar o conhecimento sobre o mundo.
O cordelista ainda reforça a eficácia do cordel como ferramenta pedagógica. Em suas aulas de gramática, ele utiliza estrofes para trabalhar conceitos como sujeito, predicado, objetos direto e indireto, preposições e outros elementos da estrutura gramatical.
Tecnologia e tradição
Com o avanço das novas tecnologias, o folclore, a cultura popular e outros elementos nordestinos têm perdido espaço e visibilidade. Nesse contexto, a literatura de cordel assume um papel essencial ao estimular reflexões sobre o valor da cultura regional, da culinária, da memória afetiva, da fauna, da flora e, sobretudo, sobre o resgate da identidade nordestina.

“Canto Lírico de um Sertanejo” | Foto: Barreto Cordel
O cordelista citou quatro trechos do cordel “Canto Lírico de um Sertanejo”, onde aborda sobre as suas raízes nordestinas:
(…)
Sou do seio das caatingas lá das bandas do sertão carrego na veia a essência dos acordes do azulão
do açum preto o sustenido da cigarra o alando
da coruja a solidão.
Sou o Pajé lá da floresta o Xamã buscando a cura
de toda fenda aberta
da mais profunda loucura sonho eterno de menino eu sou o badalar do sino e o doce da rapadura
Bode deserto no pasto apartado do rebanho
Asa Branca em retirada cobra que não tem tamanho o tatu-bola escondido
um lobisomem sofrido assanhaço sem assanho
Sou caipira itinerante águas velozes do rio bem-te-vi anunciando
que andorinha está no cio o verão queimando a mata um cachorro vira-lata todas as noites de frio…
(…)
Com isso, percebe-se a importância que algumas palavras, ao soarem em rimas e formarem estrofes, têm a capacidade de transmitir uma mensagem crítica, humorística ou informativa. Mas além do cordel, diversas manifestações nordestinas impactam os brasileiros. O dia 8 de outubro reconhece e valoriza a cultura nordestina com respeito e responsabilidade.
Mesmo diante dos preconceitos enfrentados, o povo nordestino conquista cada vez mais o seu lugar. Esta data se torna uma celebração viva da resistência, criatividade e riqueza cultural de um povo que segue inspirando o Brasil com sua arte, suas histórias e sua força.