A falta de infraestrutura e reconhecimento do trabalho jornalístico independente, principalmente no interior do estado, são desafios enfrentados na rotina da profissão
Por Sued Mattos
Revisão: Antônio Netto
Produzir informação e conteúdo em um estado do tamanho da França é um obstáculo diário para os jornalistas baianos, sobretudo, pela falta de estrutura para cobrir os 417 municípios que compõem a Bahia, pela diversidade cultural contida em cada cidade e pela concorrência com grandes veículos nacionais.
Mesmo passados 212 anos desde que o Jornalismo chegou ao estado, apenas uma parte dos baianos tem acesso à informação. Segundo o Atlas da Notícia, órgão que tem o papel de mapear todos os veículos jornalísticos do país, cerca de 61 milhões de brasileiros estão em desertos ou quase desertos de notícia.
Isso quer dizer que muitos municípios do país não têm cobertura da imprensa ou apenas possuem um ou dois veículos jornalísticos.
O interior em pauta
De acordo com o Atlas da Notícia, na Bahia existem 178 municípios que não possuem nenhum veículo cadastrado no portal, ou seja, são desertos de notícia.
Em Salvador existem 74 veículos cadastrados, seguido de 31 em Vitória da Conquista, 22 em Feira de Santana, 12 em Camaçari e 13 em Juazeiro. Essas cinco maiores cidades do estado compõem 18,09% do total de veículos cadastrados na Bahia.
Afonso Ribas, Diretor Operacional do Conquista Repórter, veículo independente em Vitória da Conquista, explica que os jornalistas e estudantes de jornalismo devem direcionar seus olhares para a realidade que os rodeiam.
“Em Vitória da Conquista estamos falando de um cenário que ainda assim existem muitos veículos de TV, de rádio… mas e as cidades pequenas? 30 mil habitantes, 50 mil habitantes? A situação nessas cidades é muito pior. É uma situação em que às vezes não existe nenhum profissional ou veículo para pautar e fazer uma cobertura mínima que seja dos assuntos que são de interesse público”, questiona Ribas.
A ausência de estrutura e a falta de investimento em veículos de cidades do interior são um dos pontos levantados pela Diretora de Conteúdo do Conquista Repórter, Karine Costa.
A jornalista relata que não consegue viver ainda do Conquista Repórter, principalmente pela falta de financiamento do projeto e que busca apoio através de iniciativas como os da Meta e do Google.
“Nós temos uma rotina que só conseguimos nos dedicar ao Conquista Repórter a noite, porque nossa equipe de três pessoas tem outros trabalhos que realmente pagam as nossas contas e a gente trabalha paralelamente no Conquista Repórter”, conta.
Em Vitória da Conquista, ainda há outro fenômeno comportamental que impacta diretamente no exercício da imprensa: a cultura dos blogs.
Afonso Ribas explica que os blogs são populares na cidade, principalmente porque em geral tem apoio do governo local e que a população fica refém desse conteúdo por não terem muitos veículos profissionais.
“Quando a gente vai observar o cenário daqui, por exemplo, os blogs, você vai ver que eles conseguem se manter sobretudo por meio de publicidade vinda de políticos e órgãos públicos. Quando nós chegamos com essa postura de independência, de veículo independente, isso requer que a gente se abstenha dessas possibilidades que trazem recursos, mas que também provocam pressões editoriais próprias dessas relações que são estabelecidas”, expõe Ribas.
Karine Costa explica que no interior do estado os desafios estão presentes no exercício básico da profissão: a tentativa de levar informação à sociedade.
“Não fomos chamados para uma coletiva de imprensa, o que eu acho que é claramente um sinal de que o ecossistema jornalístico de Vitória da Conquista não está acostumado com iniciativas independentes como a nossa que realmente cobra do Poder Público. Esses órgãos estão acostumados em ter todos os veículos de comunicação a seu favor, então isso interfere diretamente nessa questão do financiamento”, denuncia Costa.
Na televisão, o cenário também é desafiador. O jornalista e apresentador do Mosaico Baiano, da TV Bahia, Pablo Vasconcelos, que já passou pela TV São Francisco (Juazeiro) e TV Grande Rio (Petrolina), conta que as afiliadas vivem basicamente do Jornalismo, pois as emissoras não têm uma produção local de entretenimento.
“A gente que chega nesses lugares através do Destino Bahia, dos programas de viagem, matérias de viagem dentro do próprio Mosaico Baiano, do Conexão Bahia, então essa parte de trazer a cultura, o entretenimento do interior fica muito nas nossas mãos aqui na TV Bahia e o que precisa ser feito é talvez expandir a estrutura e entender que a Bahia não é Salvador, que são vários mundos, que temos culturas totalmente distintas”, esclarece Vasconcelos.
Por causa das dificuldades estruturais de cobertura jornalística, o apresentador afirma que a tarefa de mostrar os lugares que não possuem afiliadas e nem produções locais fica nas mãos da TV Bahia, por dependerem da emissora para serem pautados.
“A partir do momento que se tem uma estrutura e uma disponibilidade para ir, a gente consegue alcançar com as afiliadas o estado inteiro. A gente tem cinco afiliadas que cobrem, de uma maneira macro, todas as regiões da Bahia, mas óbvio tem cidades que nunca aparecem porque são muito distantes, nem a gente vai, nem eles vão, então eu acho que precisaria ter um olhar para esses lugares, porque qualquer lugar tem cultura, qualquer lugar tem história pra contar”, explica Pablo Vasconcelos.
De baiano para baiano
Uma das características do Jornalismo Local é a produção de conteúdo levando em consideração a cultura de um povo e o quanto aquele fato pode impactar na vida de quem está consumindo a informação.
Pablo Vasconcelos considera que a produção local é positiva, sobretudo, pela identificação do público com o conteúdo desenvolvido por alguém pertencente aquele lugar.
“Eu acho que a gente enquanto baiano, estar na Bahia, fazer programas voltados para esse público, é fácil porque a gente fala do que é nosso. O desafio está em mostrar isso de uma forma que não seja óbvia. Então, falar de Salvador e não falar de acarajé, não falar de moqueca é meio que difícil. Aliás, é até fácil. O difícil é falar disso de uma outra forma que ainda não foi falada. Então, talvez aí more o desafio”, comenta Vasconcelos.
A disputa com outras mídias
Em um mundo cada vez mais multiplataforma, o Jornalismo ganha concorrência com celulares, streaming e outros meios de entretenimento e informação. Para isso, é preciso uma constante busca por renovação e inovação para que o público continue interessado em consumir.
O apresentador da TV Bahia expõe os desafios impostos para os jornalistas em um mundo digital.
“A cada dia a gente tá buscando fazer de um jeito diferente, de um jeito inovador, de um jeito que atraia a atenção do telespectador, que encante, que prenda a atenção, porque hoje em dia a gente concorre com muita coisa, principalmente com o streaming, com outras mídias, com o próprio telefone, então prender a atenção de alguém em frente à TV hoje em dia, por muito tempo ou por dez minutos que seja, é um desafio grandioso”, conclui.