O dia de Santa Bárbara movimenta muitos fiéis em Salvador / Foto: site ba.gov.br
O sincretismo religioso foi usado pela população negra como forma de identidade e resistência cultural
Por Maiane Ferreira
Revisão Maria Fernanda Cardoso
Hoje, dia 04 de dezembro, é celebrado em Salvador o Dia de Santa Bárbara, que para as religiões de matriz africana é Iansã. A data marca um dia cheio de programações pela cidade, e de fiéis que saem em procissão pelo Centro Histórico de Salvador. O tema das festividades deste ano é “Com Santa Bárbara, de fronte erguida e rosto sereno, testemunhamos Jesus Cristo, nossa esperança”. Essa demonstração de fé e devoção é uma expressão cultural que reúne várias religiões, resultado da resistência ancestral.
Larissa Guanaes, umbandista desde 2018, na CUMOA – Centro de Umbanda Mística Oxum Apará, diz que a festa contribui muito para afirmar a resistência do povo negro, através da sua religiosidade, e que movimenta a cultura e a economia no estado da Bahia. “É dia de acender vela vermelha, de vestir vermelho, de oferecer um Araká. É dia de fé”, comenta Larissa.
A devoção a Santa Católica juntamente com a Orixá, é o retrato do sincretismo religioso do nosso país, que fundiu as culturas e crenças de diferentes etnias. Além de misturar as crenças, o sincretismo serviu de estratégia religiosa para manter viva a tradição e ancestralidade do povo preto, e cumpriu um papel central na construção da identidade cultural do Brasil. “É uma estratégia de resistência, tecnologia ancestral” afirma Thamires Vitória, de 28 anos, é Iya Ajimuda da casa Ilê Asé Ojise Olodumare – Casa do Mensageiro.

A partir da miscigenação de culturas no Brasil, Santa Bárbara também é conhecida como a orixá Iansã nas religiões de matriz africana / Foto: arquivo pessoal – Thamires Vitória
“Tem a ver com um processo histórico que nós negros passamos, a gente saiu do continente mãe (África) sendo mercadoria… O processo do sincretismo garantiu que o candomblé tivesse vivo até hoje”, diz Thamires. A primeira interação intercultural brasileira surgiu com a chegada dos portugueses ao Brasil, isso gerou uma relação de dominação portuguesa, primeiramente com os indígenas, anos mais tarde com os negros trazidos do continente africano.
Logo, as pessoas não brancas que entraram no território brasileiro passaram por um processo de catequização forçada, para se converter à religião católica, e foi no sincretismo que as pessoas negras encontraram uma forma de manter viva suas tradições.
As raízes de Salvador, cidade mais negra fora da África, também estão fincadas nesse processo de sincretismo. A manifestação cultural, através das festas de largo e celebrações religiosas são características da cidade ligadas ao sagrado. “Não existe Salvador sem o 2 de fevereiro, sem a lavagem do Bomfim, Salvador sem a festa de Nossa Senhora da Conceição da Praia, sem o 4 de dezembro. Através disso conseguimos enxergar como o sincretismo constrói uma identidade cultural no território”. Afirma.
Direito à Liberdade religiosa
Na constituição de 1988, o Estado brasileiro garante o direito à liberdade religiosa como algo fundamental, passo importante para caminharmos para um país laico, sem uma religião oficial. Logo, todos têm a liberdade de cultivar sua fé sem mascarar as suas raízes. “Hoje, Iansã é Iansã, Santa Bárbara é Santa Bárbara… temos muitos direitos garantidos, como a própria constituição prevê, a gente ainda enfrenta muitos entraves para expressar nossa religiosidade”
Apesar de o sincretismo religioso ter sido fundamental para garantir a tradição ancestral, é necessário manter a consciência do sagrado de cada religião. O sincretismo foi usado de forma eficaz pelas pessoas negras escravizadas, mas precisamos valorizar a individualidade e importância de cada religião. “Hoje ainda tem pessoas que precisam usar desses artifícios, mas acredito que já está às claras que Santa Bárbara é Santa Bárbara e Iansã e Iansã”, declara Larissa.
