Obras para melhoria na mobilidade urbana desponta preocupações de ativistas, especialistas e população baiana. Prefeitura e representantes defendem o projeto
Por Mariana Alcântara Puonzo
Revisão: Antônio Netto
A prefeitura de Salvador iniciou em 29 de março de 2018 obras para implementação do BRT (Transporte Rápido por Ônibus, na sigla em inglês) com a promessa de trazer melhorias na mobilidade, na infraestrutura e no transporte público em algumas das regiões mais movimentadas da cidade.
Apesar do projeto soar auspicioso, a inevitável derrubada de árvores na região, o tamponamento de rios e o custo do projeto têm gerado muitas críticas de especialistas e grupos ambientais.
O Projeto
O BRT, em seu sentido literal, apresenta-se como um corredor de ônibus de alta capacidade que pode proporcionar um serviço rápido, confortável e de alto custo-benefício, com capacidade equivalente aos sistemas de metrô.
Isto é feito por meio da utilização de faixas exclusivas, com pistas para ônibus e estações emblemáticas alinhadas com o eixo central do corredor, pagamento da tarifa fora do ônibus, e operações rápidas e frequentes.
Como o BRT têm características similares a um sistema leve sobre trilhos ou metrô, ele é muito mais confiável, conveniente e rápido do que os serviços normais de ônibus. Se tiver as características corretas, o mesmo pode evitar os atrasos que afetam geralmente os serviços regulares em que os ônibus podem ficar presos no tráfego e os passageiros têm que fazer fila para pagar dentro do veículo.
Segundo site da Prefeitura sobre o projeto, o objetivo dessas soluções de trânsito é descongestionar a região que sai da Lapa e segue até o Iguatemi, passando pelas avenidas Vasco da Gama, Juracy Magalhães e ACM.
Ainda de acordo com o órgão, os “gargalos” como o do acesso da Lucaia, pela Vasco da Gama, e da área do Hiperposto, na Avenida ACM, bem como a saída do Itaigara, serão resolvidos após a finalização da obra.
Por fim, o site acrescenta que problemas de alagamento em vias como ACM e Juracy Magalhães também serão elucidados devido ao investimento em drenagem.
“Essa é uma obra que vai mudar completamente a mobilidade urbana do coração principal do tráfego em nossa cidade. A obra vai permitir que as pessoas saiam da Estação da Lapa e cheguem até a região do Iguatemi, em ônibus de qualidade, em poucos minutos, sem semáforos e em via expressa. Temos certeza que é uma obra que vai beneficiar toda a cidade”, disse o prefeito de Salvador, ACM Neto, em 29 de março de 2018, quando assinou a ordem de serviço para o início da construção.
Apesar de todos os aspectos positivos citados pela Prefeitura, grande parte dos ambientalistas, urbanistas e até mesmo moradores, reclamam da falta de um planejamento mais conciso para que a efetividade da obra não modificasse, de forma tão significativa, a estrutura urbana da cidade.
Um dos primeiros pontos destacados por esses grupos é o valor referente a construção. Foi deferido o limite de R$ 820 milhões à prefeitura para a conclusão total do projeto, com empréstimo da Caixa Econômica Federal e recursos do Orçamento Geral da União e do Tesouro Municipal.
Como a expectativa é que sejam construídas 7 linhas de BRT em Salvador, o custo das mesmas foi divido a depender da proporção da obra, já que cada uma possui sua singularidade.
No primeiro trecho da 1ª linha, estão previstas elaborações de três viadutos e dois elevados. É justamente esse quesito que virou alvo de críticas dos especialistas pois, afirmam que além do custo elevado para esse tipo de procedimento, os carros acabarão sendo beneficiados, uma vez que serão feitas faixas voltadas para os mesmos, sendo realizado um investimento no transporte individual e não no coletivo.
Em entrevista concedida ao G1, o professor de pós-graduação de engenharia civil da Universidade Federal da Bahia (Ufba) e vice-chefe do Departamento de Engenharia de Transportes e Geodésia, Juan Pedro Moreno Delgado, reitera o fato da construção das estruturas abranger o transporte individual, distanciando-se do coletivo. O professor também compara o sistema de Salvador com a primeira cidade a implementar o transporte, em Curitiba (PR).
“Nosso BRT não tem nada a ver com o de Curitiba. Lá, o BRT foi feito sem elevados, com semáforos sincronizados, com faixas exclusivas para ônibus. Poderia fazer a intervenção sem tamponar rios. O projeto está impermeabilizando uma região grande da cidade. Temos que ter pavimentos permeáveis, com árvores e jardins”, opina o professor.
Mais um especialista a conceder entrevista ao G1 e questionar a formatação de viadutos e elevados foi arquiteto Carl Von Hauenschild, membro do Instituto de Arquitetos da Bahia (Iab) e membro do “Fórum A Cidade Também é Nossa”.
“É um projeto atípico do BRT porque coloca estações em elevados e gera muito concreto na região da ACM e da Juracy Magalhães, especialmente no Lucaia, até a Vasco da Gama. É uma solução vaga, cheia de concretos e elevados. Ou seja, vai virar uma Avenida Bonocô, só com elevados. É uma coisa monstruosa e agressiva a qualquer projeto urbano. Não foi feito estudo de alternativas para fazer isso com menos impacto, com menos derrubada de árvores e tamponamento dos rios”, avalia o arquiteto.
Árvores e Meio Ambiente
Outra preocupação com projeto é a derrubada de centenas de árvores arrancadas de seu habitat natural para dar lugar a blocos de concreto. Desde a divulgação do projeto, diversos grupos e entidades ambientais se reuniram para protestar e debater sobre os malefícios que a obra trará ao cenário urbano de Salvador.
Como forma de tentar impedir o avanço das obras – e o consequente desmatamento – o movimento “Salvador sobre trilhos” criou um abaixo-assinado no site da Organização Change, que conta com mais de 75 mil assinaturas.
O foco do das assinaturas era reivindicar o interrompimento imediato da licitação e contratação do BRT Lapa-Iguatemi, visto que a faixa precisaria derrubar 579 árvores para o seu funcionamento e tampar os rios Lucaia e Camarajipe o que, segundo o abaixo-assinado, põe em risco os animais que ali vivem, destruindo um ambiente de vida que é fundamental para a cidade.
Seguindo ainda as afirmações do documento, o projeto “devasta a natureza e acrescenta muito cimento, deixando tudo muito feio. As vias elevadas não resolverão o problema do engarrafamento – na verdade, há o risco de piorar esse problema”.
Ainda nesse segmento, uma perfil na rede social Instagram, chamado “Não ao projeto do BRT em Salvador”, publica vídeos que exibem o derrubamento de árvores no canteiro de obras e outras similaridades filmadas pelos próprios soteropolitanos. A página ainda fez uma carta-aberta direcionada ao prefeito ACM Neto, solicitando, novamente, que as obras fossem interrompidas.
“O movimento ‘Não ao BRT’ é constituído de cidadãos de perfis diversos, moradores de vários bairros da cidade, profissionais de diversas áreas, alguns filiados a partidos políticos, outros não, aposentados, autônomos, desempregados, homens, mulheres, jovens, crianças, etc. Este movimento nasceu da reunião espontânea, pura e genuína de pessoas, em exercício do direito à cidade, com objetivo de preservar a fauna e flora ameaçadas (em parte já sacrificada) pela obra do BRT e manter uma cidade sustentável que garanta qualidade de vida”, destaca trecho do documento.
Estudante de oceanografia da Ufba, Ilana Pereira Sampaio, reside no Cidade Jardim e explica qual a sensação de acordar para uma nova vista, menos colorida e mais cinza.
“Eu acordava todo dia às 7h para ir a faculdade e, ao sentar para tomar café, ficava olhando as árvores do outro lado da rua enquanto sentia a brisa leve da manhã e escutava o barulho das folhas em conjunto com o canto dos pássaros que faziam dali sua morada. Hoje em dia, a primeira coisa que vejo quando olho pela minha janela são tratores gigantes, barro, cimento e um congestionamento que parece durar todo o dia”, relata a estudante, que se emociona ao contar sua rotina.
“Além de tudo isso, a obra ainda faz bastante barulho durante o início da madrugada, que costuma ser o horário de menos pico dos carros. É bem triste saber que jamais terei minhas manhãs de volta. Agora o mormaço substituiu a brisa, o verde já quase não existe e os pássaros não alegram mais o começo do dia. Perdi uma parte da cidade que me fazia feliz”, conclui Ilana.
A defesa do Projeto
Mesmo com todas as críticas, há quem defenda o novo sistema. O ex-secretário de Sustentabilidade, Inovação e Resiliência em Salvador e atual candidato a vereador (PV), André Fraga, disponibilizou à matéria um texto que escreveu em torno da problemática, denominado “BRT e Sustentabilidade”.
No fragmento, Fraga assegura que o BRT foi muito bem planejado pelo órgão responsável e que o impacto ambiental causado pode, e será, revertido.
“O projeto foi pensado desde o início para minimizar, mitigar e compensar os impactos causados. Diferentemente dos números que circulam pelas redes, o projeto deslocará 169 árvores, coqueiros e palmeiras para outros locais, plantará 2000 novas árvores nativas da Mata Atlântica e suprimirá 154. Esses números são inclusive resultado de uma política pública promovida pela atual gestão municipal que produziu em 2017 o Plano Diretor de Arborização Urbana do Município (Lei 9187/2017), garantindo que intervenções que causem impacto tenham a devida compensação”, salienta o trecho do texto.
O ex-secretário ainda contesta a insatisfação com o tamponamento dos rios. “Outra crítica é o suposto tamponamento de rios ao longo do projeto. A crítica sugere que todo o trecho será tamponado o que mais uma vez não é verdade. Parte significativa do projeto manterá os cursos dos rios abertos o que permitirá sua renaturalização no futuro”, explica Fraga.
Independente das especulações, o projeto segue em desenvolvimento e a expectativa é de que todas as 7 linhas fiquem prontas até 2025. A prefeitura promete que a melhora na mobilidade urbana irá superar a preocupações e que está trabalhando para que os possíveis danos causados sejam totalmente revertidos.
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