Com o sonho de representar o maior símbolo natalino, o industrial aposentado viu sua oportunidade surgir com a busca pela representatividade negra no Natal
A cultura natalina sempre foi marcada pela tradição do bom velhinho, geralmente branco, desempenhando representando o Papai Noel. Na Bahia, que possui mais de três milhões de pessoas negras, segundo dados do censo de 2010, essa realidade começou a ser modificada no ano de 2019, graças ao industrial Ubirajara Pereira.
Pai do ator global Fabricio Boliveira, o industrial aposentado, que é negro, sonhava desde a infância em atuar com o bom velhinho, mas não imaginava que conseguiria. Até que um dia soube que o Shopping Center Lapa, em Salvador, estava a procura de um Papai Noel negro.
Quando soube da oportunidade, Ubirajara entrou em contato com a agência responsável pela contratação. Depois de duas entrevistas, foi efetivado, se tornando a atração principal das festividades natalinas do centro comercial, que teve como tema Madagascar, uma ilha africana.
Durante o processo de preparação, Ubirajara procurou estudar a forma como os tradicionais papais Noel dos shoppings trabalham. Observando alguns deles, no Rio de Janeiro e em São Paulo, resolveu que queria seguir um modelo de atuação diferente e, para isso, se dedicou a questões como o autismo e de como seria o processo de aceitação a um papai Noel negro.
Para Ubirajara, seu jeito diferente de lidar com as pessoas que o procuram colabora para uma boa receptividade do público.
“O pessoal não estava acostumado a bater papo com o Papai Noel e eu sambava, a gente passava em todas as lojas dando bom dia, eu tenho orgulho de ser um Papai Noel diferenciado”, relata Ubirajara.
Um momento marcante dessa experiência para o aposentado aconteceu quando, após o horário do expediente, ele se preparava para deixar o posto e apareceu uma criança gritando pelo Papai Noel. Avisado por uma assistente, ele se vestiu novamente e foi atender ao pequeno.
“Ali eu percebi que era aquilo que eu queria, o menino chorava e eu chorava de alegria”, conta Ubirajara orgulhoso.
Mesmo com a pandemia de Covid-19, em 2020, o conhecido Papai Noel não parou e resolveu dar um salto ainda mais alto na carreira. Ubirajara concorreu com mais de cinquenta candidatos de todo o Brasil para estrelar uma campanha natalina de uma famosa empresa de cosméticos e acabou sendo o escolhido.
Neste ano, Ubirajara segue trabalhando como Papai Noel no Parque Shopping Bahia, localizado na cidade de Lauro de Freitas, que tem como tema o conto do Natal. O profissional natalino está atendendo o público diariamente, das 14h às 20h, até o dia 24 de dezembro.
Após realizar o seu sonho de atuar como o bom velhinho, Ubirajara declara que gostaria que outras pessoas negras também se engajassem nessa luta e que novos papais Noel negros sejam vistos em outros shoppings da capital baiana.
Cultura Natalina
Para a historiadora Marlene Silva, formada pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), a inclusão do Papai Noel negro nos festejos natalinos é vista como uma forma gerar mais representatividade e também de incentivar mais o consumo.
“O Papai Noel é um meio de fomentar a compra no período natalino para implementar o comércio. Como é um símbolo de mercado norte americano e europeu, portanto dos grandes impérios, é importante que se coloque o Papai Noel negro no sentido de chamar essa classe consumidora para movimentar o comércio”, explica a historiadora.
Por outro lado, Silva acredita que a escolha do Papai Noel negro também contribui para o reconhecimento da etnia nesse contexto, gerando identificação do bom velhinho com a cultura negra.
Quanto a representatividade do Natal no estado da Bahia, Silva lamenta que ainda exista padronização da cultura europeia na cultura baiana, frisando que essa tradição supera as tradições religiosas.
A historiadora acredita que mesmo com a aberta às mudanças, a tradição no estado da Bahia, ainda sofra resistência em fugir da tradição natalina, para agregar símbolos culturalmente representativos do estado ou da cultura afro, mesmo com a existência de exemplos como Ubirajara Pereira.
“O Papai Noel só vai ganhar uma nova roupagem talvez no digital. O Papai Noel do mundo virtual talvez seja um mais sofisticado em relação ao mundo real, presencial”, opina Marlene Silva.
Procuramos a assessoria dos shoppings de Salvador para saber como ocorre o processo de seleção dos Papai Noel e como tratam a questão da diversidade, mas até a conclusão deste texto não obtivemos resposta.
Repórteres: Frederico Sólon, Gemima Barreto, Luisa Mendes, Tácio Caldas
Revisão: Antônio Netto