Foto: Defensoria Pública da Bahia (Website)
Com projetos como os Grupos Reflexivos e o Conexão pela Paz, a defensoria busca diminuir registros de violência e educar a população sobre o assunto
Por Maiane Ferreira
Revisão: Juliana Brito
Somente em 2024, foram registrados um pouco mais de 380 mil registros de violência contra mulher entre janeiro e maio no Brasil. Esses são dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Frente a esse dado expressivo, o que a Defensoria Pública tem feito para combater violências contra mulher?
No ano de 2023, segundo o Anuário de Segurança Pública deste ano, foram registradas 258.941 vítimas de agressões em contexto de violência doméstica, o número de mulheres ameaçadas foi de 778.92, e também foram computados 38.507 registros de violência psicológica.
NUDEM
Com os dados desses dois anos, é nesse sentido que o Núcleo Especializado na Defesa da Mulher (NUDEM), da Defensoria Pública do Estado, atua na garantia de direitos das mulheres. Esse espaço fica localizado dentro da Casa da Mulher Brasileira, no Caminho das Árvores, e também na casa dos Direitos Humanos da Defensoria, no Jardim Baiano.
Na NUDEM, as mulheres em situação de violência são acolhidas, recebem apoio psicossocial, além de assistência jurídica, tudo de forma gratuita. Uma das principais ações é o requerimento de medidas protetivas de urgência, amparadas pela Lei Maria da Penha, que tem como objetivo afastar o agressor da vítima o mais rápido possível.
Além da esfera criminal, a defensoria também garante o ajuizamento de ações na vara de família para assegurar direitos como: divórcio, reconhecimento ou dissolução de união estável, guarda, alimentos e ações de indenização.
Ademais, a defensoria utiliza uma van apelidada de NUDEM Móvel para circular esses atendimentos em áreas periféricas e nos interiores. Com isso, várias mulheres marginalizadas podem ser alcançadas e assim terem acesso aos seus direitos. O NUDEM Móvel funciona como um escritório que desembarca nas comunidades com foco de promover esse atendimento às mulheres de forma gratuita.
No mês de outubro, o NUDEM Móvel desembarcou no bairro do Calabetão, em Salvador, fazendo os atendimentos com mulheres da região, sem a necessidade de agendamento prévio. Os serviços prestados foram: solicitação de guarda, requerimento de medidas protetivas, divórcio, entre outros.
Grupos Reflexivos
O núcleo especializado da defensoria promove o projeto de Grupos Reflexivos, que são encontros periódicos com homens que estão cumprindo medidas protetivas de urgência ou estão respondendo processos que tramitam na vara de violência doméstica. O foco é desconstruir comportamentos agressivos e promover reabilitação utilizando a educação como instrumento.
Os encontros acontecem a cada 15 dias e apoiam-se no trabalho de defensores, assistentes sociais e psicólogos nesse processo educacional. O objetivo do grupo é, além da esfera jurídica, garantir resoluções de problemas no âmbito social familiar, utilizando sempre da comunicação não-violenta. Esses núcleos são promovidos pela DPE/BA desde 2019.
A Defensora Pública, Dra. Eveline Portela, também coordenadora dos grupos reflexivos, explica como foi o início do projeto. “Quando eu titularizei na primeira vara em 2019, percebi que havia um aumento de concessões de medidas protetivas. Muito embora a legislação fique mais rigorosa e haja uma rede de apoio muito grande”, comenta.
“Aquilo me causou uma inquietude e fui ver de que forma poderíamos combater a violência, além da questão jurídica. Há vezes em que ocorre um conflito e é judicializado, mas o conflito permanece. No caso da violência doméstica existe a relação de afeto, de conjugalidade, da parentalidade, muitas vezes tem filhos…”, reflete a defensora.
Nesses encontros, são feitas campanhas de educação para desconstrução da masculinidade tóxica, juntamente com o Observatório da Pacificação da UFBA, utilizando da filosofia da cultura de paz. Os encontros visam reconhecer qual é a origem desse comportamento, pois muitas vezes a violência vem de um ciclo que ultrapassa várias gerações.
Com isso, é feito um mapeamento desses processos de violência, também selecionado determinados perfis, com situações semelhantes. A partir disso, esses assistidos são convidados a participarem desse núcleo. Assim, vários métodos de questionamentos são aplicados para ter o conhecimento intrínseco de cada requerido presente.
A respeito disso, Eveline comenta sobre os grupos. “Nós queríamos fazer de uma maneira diferente, porque os homens chegam muitos chateados. Buscamos uma maneira de ajudar o assistido a compreender os motivos que o levaram a essa situação, para que ele possa fazer uma autocrítica, se responsabilizar e, assim, desejar a mudança”, explica.
“O nosso grupo reflexivo é diferente, porque é exclusivamente voluntário… Fazemos o mapeamento e começamos a convidá-los para conversar. Quando eles vêm, aplicamos um questionário para poder conhecer e entender quem é aquele homem.”, ensina a doutora.
Por meio disso, as motivações para a violência são reveladas. “Acabamos por perceber que quase 90% vem de relações abusivas do pai e da mãe, ou seja, uma violência transgeracional”, conta.
As práticas realizadas nos Grupos Reflexivos são chamadas de ciclos de construção de paz. São voltados para a reflexão e escuta ativa dos requeridos. Com isso, eles conseguem dissociar a conjugalidade da parentalidade, compreendendo que a violência pode se estender para os filhos ou familiares, aprendendo a pôr um fim nesse ciclo e a manter a paz após o término da relação conjugal.
O trabalho para essa desconstrução é um processo que só funciona por meio da educação. O requerido precisa ter o discernimento do que é a violência (psicológica, física e patrimonial) e aprender a não normalizar condutas violentas que são naturalmente normalizadas dentro da estrutura social em que vivemos.
Conexão pela Paz
Ademais, Dra. Eveline conta que através dos grupos reflexivos nasceu outro projeto chamado Conexão pela Paz, onde são feitos trabalhos com crianças e adolescentes que vivem em contexto de violência familiar.
O projeto é dividido em dois grupos: um grupo de crianças e outro de adolescentes, com cada grupo possuindo uma técnica diferente. O objetivo do projeto é evitar que essas crianças e adolescentes reproduzam a violência em outros espaços de convívio.
“Eles participam desses espaços para tentar trabalhar e verbalizar as emoções, reconhecerem as relações e os sentimentos que têm. E dentro destes grupos nós temos realizado alguns trabalhos individuais e mais próximos quando percebemos que tem uma criança ou adolescente que precisa de um trabalho mais especial”, afirmou.
Grupos Reflexivos nos interiores
Os grupos reflexivos também atuam em comarcas no interior da Bahia, em cidades como Ipirá, Santo Antônio de Jesus, Santo Estêvão e Euclides da Cunha. As práticas dos grupos reflexivos nos interiores detêm outro tipo de abordagem, pois a defensoria entende que o assistido do interior tem outra educação e convive em outra esfera social.
Sobre a abordagem, a Dra. Eveline Portela explica as diferenças. “Cada local tem a sua especificidade. O assistido da capital tem um perfil, a do interior tem outro. É um homem da zona rural… eles foram criados de maneiras distintas”, argumenta.
Além do Estado da Bahia, as práticas de grupos reflexivos para homens são realizadas em diversas defensorias pelo Brasil, tendo em vista que é uma aplicação do que está previsto na Lei Maria da Penha.
Uso das mídias no combate: Cartilhas e disseminação de informação
A Defensoria Pública também usa as mídias, impressas e digitais, para promover compartilhar cartilhas educativas que explicam quais os tipos de violência existentes (psicológica, física, patrimonial e moral), quais leis asseguram o direito da mulher, como identificar um ciclo de violência, o que precisa ser feito para quebrar o silêncio e como denunciar.
Além da violência doméstica, a instituição também distribui cartilhas sobre violência obstétrica e sobre abuso sexual, utilizando dados, pesquisas e informações importantes que explicam como identificar a violência, além de “como saber que fui vítima” e como denunciar. A distribuição das cartilhas educativas é feita de forma gratuita em qualquer unidade da Defensoria Pública ou no site oficial da defensoria.