Organizada pelo Programa de Pós-Graduação em Administração da Unifacs, mesa redonda repercute o aumento dos investimentos chineses no Brasil, Nordeste e Bahia.
Por Jéssica Nobre
Revisão: Fernanda Abreu
Os rumos da indústria chinesa e o seu investimento pelo mundo se tornaram, ao longo dos anos, um dos pontos mais altos para o desenvolvimento nas áreas da aviação, finanças, portos, energia eólica, hidrelétricas, entre outras, e a prospecção dessa área no Brasil tornou a China o seu maior parceiro comercial.
Para debater essas transformações e os investimentos chineses no país, o Programa em Administração da Unifacs promoveu a live “Investimentos estrangeiros na China e os investimentos chineses no mundo” na noite desta segunda-feira (7).
“O evento traz temas imprescindíveis para o contexto atual do mercado baiano e brasileiro. A China se tornou o maior investidor externo no Brasil, seja por meio de seus grupos privados ou de suas estatais”, pontua Maria Elisa Huber, doutora pela UFBA – Universidade Federal da Bahia e professora do curso de Pós-Graduação em Administração pela Unifacs.
De acordo com a professora, também mediadora da live, a China vem prosperando seus negócios no Nordeste, mais precisamente na Bahia, o que, de fato, chama atenção ao público nordestino e baiano.
Mas não apenas isso, ao mesmo tempo que essas relações comerciais da China com o Brasil se destacam, a agenda da sustentabilidade tornou-se incontornável para governos e empresas.
Na capital baiana, por exemplo, os investimentos chineses, como a ponte Salvador – Ilha de Itaparica, o VLT do Subúrbio e os parques de energias renováveis, foram destaques na live e demonstram um dos grandes pilares para a parceria comercial China x Nordeste no Brasil nos últimos anos.
Por isso, a mesa redonda contou com especialistas no assunto, como o professor Elias Jabbour (Programas de Pós-Graduação em Ciências Econômicas e em Relações Internacionais da UERJ – Universidade do Estado do Rio de Janeiro), Edgard Porto (Diretor de Estudos da SEI – Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia) e João Camarú (Instituto de Estudos da Ásia/UFPE – Universidade Federal de Pernambuco) que debateram o assunto.
Um dos pontos em alta da live foi tentar entender como ocorreu esse desenvolvimento desenfreado da China nos últimos anos e como ela tem se tornado essa potência no mundo, o que, de acordo com os professores, não tem sido um estudo fácil, já que a China mantém seus dados muito bem armazenados.
Dos investimentos chineses no setor de energias renováveis na região Nordeste
O crescimento mais acelerado da China, no século passado, levou ao lançamento de uma política global, modificando o desenvolvimento de vários setores da indústria e a internacionalização de suas empresas. Ou seja, uma política de incentivo para que essas empresas passassem a investir no exterior.
A partir desse momento na China, é verificado um aumento de concessão de crédito, com juros abaixo de mercado, inclusive com a ausência de alguns condicionantes, por exemplo, com o Banco Mundial e o FMI – Fundo Monetário Internacional, muito associado a reforma que o Estado chinês vai criando aos poucos.
“Quando olhamos para o Brasil, vemos que a China é o principal parceiro comercial do país e embora exista uma forte influência do setor agrícola, outros tipos de parceiras têm sido desenvolvida, como energia renovável”, informa o professor Camarú.
A China desenvolveu sua indústria nacional e foi se expandindo em pouco espaço de tempo, mas as preocupações ambientais também foram surgindo. Em 2007, ela incorpora a questão ambiental em sua legislação e passa a investir no desenvolvimento desse setor.
“Em pouco tempo, vemos que a capacidade total de energia renovável na China em 2007 era de 36,6% da capacidade instalada, gerando em torno de 26,4% de energia. Entre 2000 e 2017, a China, então, investe para fora do país cerca de 462 projetos no setor”, cita o pesquisador pernambucano.
A China, então, começa a se inserir nas governanças internacionais relacionadas ao clima e ao meio ambiente, impondo diversas metas de investimento, inclusive com reflexos no Brasil quando a questão agrícola deixa em evidência temas como desmatamento e questões ilegais.
Dessa forma, respeitando o princípio da não interferência nos assuntos externos dos outros países, a China começa a investir no Brasil, principalmente no Nordeste.
“Nós temos um tratado de mais de 80% da matriz brasileira renovável, 63% de fonte hídrica – que é uma fonte que emite menos gases poluentes do que outros, 9% de energia eólica, aproximadamente 9% de biomassa e 1.7% de energia solar”, comenta Camarú.
“A região nordeste do Brasil possui mais de 90% da capacidade instalada quando olhamos para a geração de energia eólica, o que equivale a 25.6% watts de capacidade, e 56% de capacidade instalada de fonte solar”, complementa o professor.
A presença chinesa no Nordeste, segundo o pernambucano, é bastante considerável quando se vê no setor 143 projetos entre aqueles que estavam e estão em construção no Nordeste.
A Bahia se destaca com esses investimentos na infraestrutura, enquanto iniciativas de exportação de frutas são vistas em Pernambuco e a exportação de melão no Norte do país.
São valores ainda pouco expressivos considerando os investimentos de cerca de 30 bilhões no Nordeste quanto às energias renováveis, mas que já representam um protagonismo gigantesco da relação comercial e política dos estados nordestinos com a China.
As repercussões do interesse chinês na Bahia
Pensar na repercussão dos investimentos da China no Brasil é pensar na trajetória desses dois países. Ambos, na década de 70, tinham passado por um processo revolucionário muito grande e a presença de famílias na linha da pobreza era enorme.
Diferente da China, o Brasil avançou muito pouco do ponto de vista social, principalmente na redução de desigualdades, enquanto o governo chinês retirou da pobreza cerca de 840 milhões de pessoas, através da ampliação do mercado de consumo.
Todo esse desenvolvimento implica em ser capaz de desenvolver um processo de importação muito grande, inclusive do Brasil, para que esse consumo seja grandioso e crescente.
“A China gerou um processo de riqueza enorme, principalmente do ponto de vista industrial. E esse processo foi de fortalecimento de competição entre as indústrias que estavam instaladas na China, afetando o mundo todo, inclusive no Brasil”, aduz o professor Porto.
Em paralelo a esse desempenho, houve um crescimento de commodities agrícolas e minerais no Brasil, principalmente no Centro-Oeste brasileiro. Os chineses, com sua capacidade de planejamento estratégico, inseriram projetos de integração nas regiões brasileiras, inicialmente, concentrados em São Paulo.
“Esse processo estratégico vem sendo muito importante. Os chineses estão pensando em investimento na área de logística, infraestrutura, energia, portos, aeroportos, com a expansão da economia na escalada global”, comenta Porto.
A partir desse pensamento estratégico, segundo o professor, a China parece ter a intenção de fazer outro eixo de integração Pacífico x Atlântico, com a possibilidade de chegar a Bahia e incorporar através do Porto de Salvador. Dessa forma, atrairia milhares de possibilidades de investimentos industriais na Bahia.
No entanto, o professor ressalta que, “para tornar essa integração China x Bahia mais adequada, era preciso ter uma linha de alta capacidade de fluxo como uma ferrovia, que também já está sendo pensada nesse processo todo. Precisamos compreender que essas possibilidades vão exigir um esforço muito grande”.
De acordo com Porto, é necessário aproveitar todas as oportunidades de investimento da China na Bahia. “É uma forma de reduzir a pobreza, incrementar empregos e reduzir as desigualdades sociais na Bahia, servindo também para o todo o Nordeste”, completa.
Capital estrangeiro levou desenvolvimento à China?
Muito se comenta sobre o desenvolvimento econômico da China. Muito se ouve falar, até no meio acadêmico, que a China transita em uma economia baseada nas linhas de mercado e o seu crescimento se deu através de um capital estrangeiro. Segundo o professor Jabbour, no entanto, isso é mais um mito criado em cima da China.
“Capital estrangeiro na China hoje representa 1% de todo o PIB, ou seja, a quantidade de capital estrangeiro que entra no país hoje representa 1,09%. Logo, pode falar tudo, menos que o crescimento da China é baseado no investimento estrangeiro”, comenta o professor.
De acordo com o pesquisador, a China tem um crescimento baseado no investimento, representando cerca de 45% do PIB do país e, atualmente, fazendo uma transição na dinâmica de investimento pautada no consumo.
“A China criou condições institucionais para que o capital estrangeiro viesse. Ela criou incentivos para o capital estrangeiro ir para lá, diante da massa de trabalhadores que ela possui. Mas não é qualquer capital estrangeiro que entra no país, deve existir uma função estratégica”, comenta Jabbour.
Ocorre que, diferente do que muitos pensam, o que faz a China realmente crescer é o investimento público. Isso porque o Estado chinês cria um movimento de mercado de cima pra baixo e o socialismo implantado acaba se reinventando através dessas instituições de Estado.
Na década de 90, a China passa por um processo de reforma no seu sistema empresarial, em que boa parte das empresas são privatizadas e a outra se transforma em 96 conglomerados estatais. Isso significa que hoje o país possui 96 empresas com princípio ativo da Petrobrás nos setores estratégicos da economia chinesa.
Dessa maneira, de acordo com Jabbour, o Estado chinês não pode ser considerado capitalista porque não é um setor capitalista que gera um fluxo de acumulação de economia, o que gera esse fluxo de acumulação é o setor estatal da economia chinesa, que são esses 96 conglomerados empresariais estatais.
Além disso, nesse mesmo período, ocorre a constituição de quatro grandes bancos estatais de desenvolvimento a longo prazo, tendo como principal o CDB – China Development Bank. Atualmente, a China conta com mais de trinta bancos com princípio ativo do BNDES – Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social.
“Através dos seus bancos, o Estado chinês cria moedas, então um país não quebra com uma moeda que ele mesmo emite. O objetivo da criação desses bancos é o desenvolvimento de moedas para fins de constituição de bens e serviços”, afirma o professor carioca.
Através desse investimento dos bancos estatais, as inovações tecnológicas surgiram no seio das empresas. A China percebeu que essa relação de crescimento econômico complementaria o setor tecnológico dos EUA, que estava à beira do fim, e começou a criar tecnologia própria.
O Estado chinês, assim, começa a ter políticas industriais ativas, no sentido de alcançar a fronteira do conhecimento e da tecnologia em vários campos. O 5G, Big Data e a inteligência artificial foram grandes invocações criadas a partir desse movimento.
“Essas inovações elevam a capacidade de qualificação do Estado, ou seja, o Estado chinês tem tido a capacidade de elevar sua economia através do investimento da capacidade humana de dominar a natureza e isso gera um desafio conceitual-teórico muito grande”, comenta o pesquisador.
“Na China o processo de produção criativa conta com a criação de 2 bilhões de seres humanos voltados a duas tarefas: trabalhar 24h por dia buscando alcançar os países capitalistas centrais e essas mesmas pessoas lutam todos os dias para manter o desemprego a uma circunstância histórica restrita ao capitalismo. Isso é revolucionário!”, complementa Jabbour.
Enquanto a China eleva sua economia nos últimos anos, ela também propaga um novo alcance científico-social, que pressupõe estudos, descobertas e a criação de novos conceitos e novas categorias pelos cientistas sociais ocidentais.
Se esse novo capítulo de desenvolvimento chinês, através de investimentos, está em movimento e tem dado tão certo, a construção de novos pensamentos políticos, sociais e econômicos deve ser inserida no Ocidente para possíveis evoluções.
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Produção e coordenação de pautas: Márcio Walter Machado