A busca por representatividade, cultura e entretenimento, tornam as batalhas de rima de Salvador cada vez mais conhecidas
Por Lis Gabrieli
Revisado por: Edvânio Junior
As batalhas de improviso vêm ganhando destaque na capital baiana, como espaços de maior representatividade para os jovens da periferia. O movimento cultural acontece em eventos nos quais os participantes se reúnem para disputar com rimas feitas no improviso.
As batalhas geralmente são competidas no modo um conta um, com divisão de rounds, podendo ter ou não o auxílio do beat como trilha sonora. No fim, a plateia escolhe os vencedores.
Um exemplo desse movimento é a “Batalha da Torre”, que conta com mais de 80 mil inscritos no Youtube. Atualmente o evento é realizado no Parque dos Ventos, na Boca do Rio, e reúne jovens de dentro e fora do estado, na intenção de se expressar sentimentos e realidades sociais através das rimas.
Nad é um dos organizadores da Batalha da Torre e relata que existem muitas dificuldades para a realização dos eventos. “Fazer batalha é muito complicado, eu como organizador e MC, entendo todos os lados. Para o organizador continuar ali, toda semana tirando o tempo dele para fazer, correr atrás de premiação, som e tudo mais, a pessoa tem que ser muito resistente para não parar”, relata.
“Os MCs, a mesma coisa, a gente pega ônibus lotado para ir, tem batalha que as vezes termina meia-noite, tem batalha que a gente não ganha absolutamente nada, ou sai frustrado com resultado, com a plateia”, completa o organizador.
As batalhas de rimas do evento estão disponibilizadas no canal no Youtube da Batalha da Torre.
Vivências pessoais
Arch é um MC que desde os dez anos de idade já se interessava pelo rap, e, tempos depois, começou a participar das batalhas de improviso.
“Para definir o rap, eu acho que o que mais se aplica na minha vida é salvação. Porque como todo jovem suburbano e periférico, a gente olha para o lado e os exemplos não são os melhores, e comigo não foi diferente”, comenta Arch.
O rap acaba sendo a salvação para muitos. “Da minha geração só tem vivo eu e mais dois amigos, que também fazem rap, então o conceito de salvação se aplica bem, porque vários se foram no crime, ou por outros motivos, alguns por escolha e outros por necessidade, eu não estou aqui para julgar, mas isso é fato, aconteceu e eles fazem falta, então eu faço questão de citar”, reforça Arch.
O MC também conta que aos 17 anos foi diagnosticado com síndrome do pensamento acelerado, borderline, pensamento depressivo e ansiedade, e que passou por momentos difíceis, mas que durante essa situação o rap foi essencial para sua melhora, como uma espécie de terapia, mas sem deixar de lado as consultas com um profissional.
O MC explica que no momento em que estava sem recursos para continuar o tratamento, quem o ajudou foi seu amigo, que na época ganhou dinheiro com o rap e pagou para o ajudar a finalizar esse ciclo.
“A mesma cura que ele passou para mim eu estou passando para outras pessoas, seja desse mesmo caso de depressão e autoestima, seja por um caso do crime, como eu perdi vários amigos, seja por qualquer conceito, a salvação é sempre válida quando você está em estado de perigo, as vezes o perigo tá ali e a gente não enxerga, e o rap mostra isso”, relata Arch.
É possível crescer no rap sem sair da Bahia?
Baco Exu do Blues e JayA Lucck são artistas soteropolitanos, mas que precisaram sair de sua cidade para conseguir maior visibilidade, indo para o eixo Rio-São Paulo.
Lala Azevedo, de 19 anos, sempre que consegue se faz presente nas batalhas de rima, e não só como público, mas também apresentando poesias autorais nos intervalos entre um round e outro. Essas poesias são publicadas em suas redes @a.zvd no Instagram.
“O Mc acaba precisando sair do seu estado para ter o destaque, aqui atualmente no rap a gente tem o destaque de Baco, só que assim, só vai subir um por ano? Baco subiu há uns anos, JayA há dois, três anos, mas só vai subir um por ano?”, questiona Azevedo.
A dificuldade em se destacar pode ser desmotivador para os artistas. “Eu conheço mais de 20 MCs, não é justo que um por ano suba, porque isso desmotiva os outros 19. É gratificante ver seu amigo subindo, mas é frustrante ver que só um subiu”, afirma Lala.
O cantor JayA Luuck é natural do bairro de Pituaçu, e no início de sua carreira participava com frequência da Batalha da Torre. Hoje em dia o artista investe em suas músicas autorais, chegando à marca de mais de 8 milhões de visualizações e cantando também com outros artistas do meio, através de sua gravadora, a Pineapple.
“Graças ao talento dele e a Batalha da Torre também, ele foi visto aqui, começou a ir pra vários compilations [compilados de vídeos] e a Batalha da Aldeia chamou ele, lá ele fez o nome dele mesmo, conseguiu, hoje está muito bem, graças a Deus, e continua representando”, relembra Nad.
“Ele hoje em dia não está mais batalhando, mas representa a gente muito bem, a gente é muito fã dele. Além disso, o empresário dele que é Big, ajudou muito também a Batalha da Torre. Ele fez muito pela Torre e até hoje quando dá ele faz”, completa Nad.
O outro lado da moeda
Além do lado de quem participa das batalhas, existe a plateia, que é fundamental e sempre está presente para prestigiar.
Lala Azevedo começou a frequentar presencialmente as batalhas de Salvador esse ano, por conta da pandemia, mas apesar do pouco tempo, a admiração é grande.
“A batalha da quadra mesmo eu nunca tinha ido pessoalmente, é um lugar que eu me apeguei muito, porque em uma das seletivas da competição estadual da quadra, eu decidi que eu ia arcar com a inscrição de quatro Mcs, foram oito Mcs sorteados e eu paguei a inscrição dos quatro primeiros”, relata Azevedo.
Lala conta que nesse dia, um amigo acabou sendo o campeão: “Nesse dia, a última pessoa a se inscrever foi meu amigo, ele foi a primeira pessoa a ser sorteada e foi quem ganhou a batalha no dia. E para mim foi algo muito marcante porque eu não pude acompanhar no dia, mas no outro dia eu descobri que ele foi campeão”.
A jovem conta também que sempre que pode e sobra um pouco de seu salário, investe no movimento: “Naquele momento cinco reais era muito, era um dinheiro que estava sobrando e pode ser o início do sonho de alguém.”
E para quem já acompanha de casa, ou tem interesse no assunto, Nad deixa uma dica para começar a rimar e participar de batalhas: “Ganhar ou perder, muitas vezes para mim antigamente já foi o principal, hoje em dia eu não vejo mais assim. Eu acho que, principalmente para quem tá começando, o importante é você participar”
É importante valorizar os movimentos culturais da sua região. “O conselho que eu do é esse, vá e tenha coragem, na vida a gente precisa ter coragem, principalmente para essas coisas boas”, ressalta o organizador.