Por:Elisa Brotto
Quem um dia poderia imaginar que em uma igreja católica poderia existir ao mesmo tempo a missa eclesiástica e um culto a Orixás? Pois é, A cidade de Salvador é um dos poucos lugares do mundo onde se pode encontrar Mães e Pais de Santo do Candomblé e Umbanda participando ativamente das celebrações em uma igreja católica. “Bahia é o lugar onde o sagrado e o profano, o oficial e o popular o romano e africano se misturam mutuamente”, afirma o Padre Marcos Marian Piatek no livro Santuário de São Lázaro. Na Bahia, e principalmente em Salvador, a herança africana é muito forte, seja na cultura ou na religião.
Podemos encontrar essa miscigenação das religiões na Igreja Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, Igreja do Senhor do Bonfim, e na Igreja do São Lázaro e São Roque. Mas não é só nas portas das igrejas e nas missas que podemos observar exemplos dessa mistura. Nas homenagens que ocorrem a Santos e Santas católicos, ao mesmo tempo e na mesma festa, se homenageia os Orixás, como a festa de Santa Barbara que para os adeptos das religiões de matriz africanas é Iansã e a de Nossa Senhora da Conceição da Praia que é Yemanjá.
Foto retirada da internet
Mas foi na igreja do São Lázaro, que é uma das primeiras igrejas de Salvador, que a mistura pacifica das religiões africanas e católica foi firmada há muitos anos atrás. A igreja foi construída aos poucos, com muita história de fé por trás de cada parede. No inicio a igreja do São Lázaro era uma capela, uma igrejinha dedicada ao Glorioso São Roque, segundo alguns padres jesuítas. Ficava no sitio de Camarão uma fazenda que se encontrava distante da cidade, que na época se resumia a cidade baixa e cidade alta. Não se sabe ao certo quando foi construída a igreja. O único registro que se tem são as notas do tabelião de 12 de outubro de 1737.
Com o passar do tempo à igreja ficou danifica e precisou ser ampliada para atender a quantidade de fieis. Para ser reformada a igreja precisava ter um terreno, e assim os donos do Outeiro do Camarão, foram ao tabelião doaram no dia 12 de outubro de 1737 o terreno para construção da igreja de São Lázaro.
A mão de obra que construiu a nova igreja do São Lázaro era escrava, e assim como quem a construiu, seus fieis eram todos escravos ou pessoas com doenças incuráveis, os chamados Lazarenos, pessoas que viviam abandonadas e tinham um acolhimento na igreja.
Por seus fieis serem em sua grande maioria negra, a mistura com as religiões de matriz africana ocorreu de uma maneira camuflada. Isso porque os negros que eram catequizados pelos seus senhores não deixavam de ter sua religião. Assim, eles adaptaram sua religião a religião católica, encaixando seus Orixás em Santos católicos. É esse o caso de São Lázaro e São Roque, que na Umbanda e no Candomblé são Omolu e Obaluaê.
Essa adaptação dos Orixás para Santos católicos não ocorreu de maneira aleatória; todos eles tem coisas em comum. São Lázaro na religião católica é uma parábola sobre um homem rico e um homem pobre com lepra. E nas religiões Afro, Omolu e Obaluaê está ligado a varíolas e a doenças contagiosas.
A mistura e tradição continuam até hoje na igreja do São Lázaro. Durante toda a semana são presididas missas na igreja. Mas é no dia de segunda feira, que nas religiões de matriz africanas comemoram o dia de Omolu e Obaluaê, que as missas do São Lazáro possuem mais romeiros. São presididas toda segunda feira, quatro missas durante todo o dia. É na segunda feira que mães de santo da Umbanda e do Candomblé ficam nas escadarias da igreja dando os famosos “banhos de flor do velho” (banho de pipoca) que nas religiões africanas são uma maneira de limpar toda a inveja, doenças e afastar os maus espíritos. Dentro da própria igreja, as musicas cantadas durante a celebração litúrgica são acompanhadas pelos tambores de Candomblé.
O Padre Cristovão Przychocki, responsável pela igreja, conta que em uma segunda feira de cada mês é celebrada uma missa especial, com a participação das mães de santo de candomblé e da umbanda, que vão todas vestidas de branco com suas roupas de baianas e seus ojas nas cabeças. Elas entram na igreja cantando e dançando as músicas de sua religião, tocadas nos tambores. Durante toda a celebração litúrgica da missa, elas permanecem na igreja saudando a seus Orixás (Omolu e Obaluaê).
Esse fenômeno só foi possível porque segundo o Padre Cristovão Przychocki, os negros escravizados “tinham sua própria crença antes de serem catequizados, e assim tiveram que adaptar suas crenças a religião Católica, mas nunca deixaram de crer em sua própria religião. “A Igreja Católica acolheu esse povo, mesmo eles tendo essa dupla religião, porque a igreja é mãe e uma mãe tem que acolher seus filhos e deixar que seus filhos se expressem na sua profundeza e sua autenticidade, a sua vida”, explica. “A religião é uma coisa muito profunda, e aqui no São Lázaro, a gente acolhe; acredito que eles se sintam muito felizes pelo fato de participarem na celebração, dessa cultura religiosa, que graças a deus estão conservando.”
As missas de segunda feira no São Lázaro são famosas e atraem devotos de todas as partes da cidade e de outros estados e países. São ele adeptos as religiões de matriz africana, que vem para o São Lázaro por conta do sincretismo religioso. Os devotos vão toda segunda feira na missa, pedir por alguém doente, pedir por um emprego, por um bom parto, entre diversas outras coisas, ou vêem para agradecer a graça atendida.
Outro lugar que atrai muitos visitante e romeiros para a colina de São Lázaro é a “Capela de São Lázinho” ou “Capela dos Milagres” que fica do lado esquerdo da nave central da igreja. È um dos maiores exemplos de fé do povo baiano. São colocados nas paredes do santuário objetos que exteriorizam o favor recebido por intercessão de São Lázaro: são fotografias de pessoas curadas de alguma doença, salvas de um acidente, ou que conseguiram se formar.
A igreja do São Lázaro é um verdadeiro exemplo da religiosidade do povo baiano, e mostra que todas a religiões, podem sim, andar juntas, sem brigar. E como diz Maria Bethânia na musica Não mexe comigo,“Rezo com as três Marias, vou além, me recolho no esplendor das nebulosas, descanso nos vales, montanhas, durmo na forja de Ogum, mergulho no calor da lava dos vulcões,corpo vivo de Xangô{…} Medo não me alcança, no deserto me acho, faço cobra morder o rabo, escorpião virar pirilampo, meus pés recebem bálsamos, unguentos suaves das mãos de Maria, irmã de Marta e Lázaro, no oásis de Bethânia, pensou que eu ando só? Atente ao tempo! Não começa, nem termina, é nunca, é sempre. É tempo de reparar na balança de nobre cobre que o rei equilibra, fulmina o injusto, deixa nua a justiça.”