Com o cancelamento das atividades, durante o período de isolamento, profissionais independentes de dança buscam alternativas para se manter
Os setores artístico e cultural foram extremamente prejudicados pela necessidade de isolamento social, devido a pandemia da Covid-19. Se a situação afetou grandes artistas, que dispunham de mais recursos financeiros para se manter, para os artistas independentes, o esforço precisou ser ainda maior.
Pesquisa realizada pela Secretaria de Cultura do Estado da Bahia (Secult), procurou entender os impactos financeiros no setor. Foram ouvidas 204 pessoas, sendo 93% da capital baiana. Destas, 73,5% eram pessoas físicas e 26,5%, pessoas jurídicas. A maioria do setor de artes performáticas, música e celebrações.
A pesquisa revelou que nos períodos de março a abril de 2020, e de maio a junho do mesmo ano, foi registrada a maior perda total de receitas financeiras desses grupos, com queda de 38,24% e 41,67%, respectivamente.
Já de agosto a outubro do ano passado, e de novembro de 2021 a janeiro de 2021, a redução foi de 30,88% e 21,03%, respectivamente. O grupo mais afetado, chegou a apresentar uma queda de 78,9% das receitas, segundo o estudo.
Já a pesquisa intitulada como “Impactos da Covid-19 na Economia Criativa”, da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB), o percentual de atividades adiadas, canceladas ou com cancelamento previsto de até 25% variou entre 12,3% e 14,9%, em março de 2020.
Já o cancelamento de 76% a 100% das atividades, na mesma época do ano, variou entre 42,8% e 44,6%. A maioria do público entrevistado pela Universidade compreendia a faixa etária de 25 a 29 anos, com 1.286 indivíduos e 615 organizações, sendo deste total 950 do ramo de produção artística.
Reinvenção na pandemia
De acordo com a dançarina e coreógrafa Paola Melo, se reinventar e se manter no segmento neste período é “só para quem quer muito”. Segundo a artista, a área se devastou, e com isso, aproveitou para mergulhar na profissão, estudando e levando o que sabia para outras pessoas através de aulas online.
“Estudei com calma o que eu queria fazer no futuro, criei e aprofundei os estudos que a correria antes não permitia. Mas ao mesmo tempo, a agonia de não ter uma previsão de estabilidade financeira foi grande. O caminho que eu e muitos colegas também recorreram foi o de dar aulas online, que antes da pandemia era um segmento pouco consumido, mas que ajudou muita gente a se virar nesse período de isolamento”, explica Melo.
Segundo o professor de dança e produtor cultural, Marcus Vinicius Silva, o que mais pesou foi a existência de poucos órgãos públicos, poucas prefeituras, e o governo em si não ofereceu um apoio eficaz. A classe se sentiu desamparada.
“O mais duro foi entender de que forma nós poderíamos contribuir para esse local artístico. No início pareceu um retrocesso, mas acho que com muita calma as coisas foram acontecendo e se encaixando. Acho que o que mais pesa é que poucos órgãos públicos ofereceram um apoio eficaz”, relata Silva.
Para Taila Samile, dançarina e coreógrafa, a sua principal dificuldade enquanto artista foi perder seu trabalho fixo como bailarina em uma companhia por edital na cidade de Camaçari, sem aviso prévio ou qualquer apoio financeiro para o momento. A princípio, a bailarina teve muita dificuldade em se adaptar com as aulas remotas, tanto como aluna quanto como professora.
A prefeitura de Salvador, em maio deste ano, lançou o projeto SOS Cultura, que beneficiava alguns trabalhadores do setor de eventos, com o valor de auxílio de R$1.100.
A proposta do auxílio seria para cerca de seis mil profissionais de três categorias: da área de cultura que possuam cadastro validado na Fundação Gregório de Mattos (FGM); área de eventos e eventos sociais cadastrados pela Empresa Salvador Turismo (Saltur); e aqueles que atuam no Centro Histórico de Salvador, que tenham sido cadastrados pela Secretaria Municipal de Cultura e Turismo (Secult).
Nenhum dos entrevistados foram contemplados com o benefício, por não se encaixarem nos critérios solicitados, entretanto, alegam que a ajuda dos governantes, apesar de boa, veio tardiamente.
“Apesar de ter conhecimento do que estava acontecendo, não tive acesso a todas as informações, então automaticamente não sabia como chegar até essa verba. Existem pequenas cidades, lugares que não têm essa infraestrutura, que não tem educação para entender de que forma a gente pode chegar e captar essa verba porque não tem quem ensine”, explica Silva.
“A Prefeitura e o Governo do Estado deram algumas boas possibilidades para o meio artístico através de editais e de alguns programas de auxílio emergencial. Mas, principalmente os editais, que são uma grande fonte de renda para muitos artistas, eu senti uma demora muito grande até existir algum retorno dos governantes”, completa Melo.
Samile reforça ainda o papel da arte como forma de fazer uma revolução: “Acredito muito na arte como uma ferramenta de transformação do meio e visualizo que em um contexto pós pandêmico, nós do segmento estamos mais direcionados para o que queremos de fato fazer”.
E completa: “Eu vejo que a gente sempre teve que se moldar ao mercado, mas acho que daqui pra frente um novo mercado está sendo criado a partir de novos quereres. Se foi possível fazer dinheiro com arte, trancada dentro de casa, eu acho que o que a gente faz fora agora é revolução”.
Retomada
Samile pontua que o setor sofreu mudanças, mas que os projetos voltaram a acontecer em um ritmo lento, e em breve, os artistas precisarão de novos benefícios públicos.
“Acredito que haverá mudança e que inclusive já houve, os artistas se reinventaram, muitos migraram e muitos pararam, então o cenário mudou, se movimentou de certa forma. Com a flexibilização, os projetos voltaram a acontecer, porém as demandas ainda estão muito menores do que o normal. Logo, muitos artistas estão sem renda e sem apoio financeiro novamente”, alerta.
Já Silva acredita que as pessoas estão se preocupando cada vez mais em seguir esses protocolos em busca da retomada do “normal”. Uma vez que isso é importante para que os projetos futuros não criem a proliferação do Covid e tem sido difícil criar um formato que respeite e aconteça de forma positiva.
“Acho que o que passou, passou, e o que está por vir não tem nada de normal, quebra totalmente as paredes dos padrões que estão estabelecidos e faz com que enxerguemos tudo com outro olhar”, diz o professor.
Reportagem: Ana Vitória Vianna, Daniel Costa e Marina Araújo
Revisão: Antônio Netto