Debates sobre inclusão no contexto pedagógico marcam o encontro online, que conta com a participação de especialistas de várias áreas acadêmicas
Por Dalila Fonseca e Kátia Borges
Revisão Ana Luísa Miranda

Mayara Nascimento (AGES) fala sobre ensino e inclusão | Reprodução/Teams
Nesta quinta-feira (24), teve início a quarta edição do Mover Diversidade, evento promovido pelo Ânima Plurais, realizado de modo remoto e gratuito, com ingressos distribuídos via Sympla. Com o tema geral “Educação, Trabalho e Interseccionalidades”, o encontro abordou em seu primeiro dia a extensão universitária como ferramenta de transformação social e a relevância das práticas pedagógicas inclusivas no ambiente acadêmico.
Uma troca enriquecedora de experiências práticas e teóricas, sobre estratégias de ensino para garantir o acolhimento equânime dos estudantes, marcou a abertura dos debates, que teve pela manhã a participação de Anna Lea Barreto, coordenadora do Ânima Plurais, e das professoras Maria Cecília Mourão Impellizzeri (UniBH), Debora Moreira (USJT), Mayara Silva Nascimento (AGES) e Ana Camila Albuquerque (mediadora). No centro das discussões, a “Extensão Universitária como Ferramenta de Transformação Social”.
Inclusão na prática
Mais de 300 participantes, entre estudantes e docentes, assistiram aos encontros no primeiro dia do evento, transmitido pelo Teams. Experiências práticas que comprovam o impacto dos projetos de extensão na promoção da diversidade e inclusão foram apresentados pelas docentes, no âmbito de suas unidades de ensino, pontuando a integração entre a comunidade acadêmica e a sociedade, por meio das iniciativas extensionistas.

Marciele Mkrtchian (UniCuritiba) propõe reflexões sobre formação profissional | Reprodução Teams
Pela tarde, as professoras Vivian Caroline Farias e Marciele Mkrtchian, da UniCuritiba, e Jefferson Andrade Silva, da FPB, compartilharam suas pesquisas e experiências acerca do tema “Práticas pedagógicas inclusivas”, sob a mediação do professor Luiz Henrique Braúna Lopes, do Ânima Plurais. A programação atraiu educadores, estudantes e profissionais da área, interessados em aprofundar seus conhecimentos.
Educação em direitos humanos
Marciele Mkrtchian, da UniCuritiba, iniciou a palestra com reflexões sobre a Educação de Jovens e Adultos (EJA), modalidade educativa destinada a jovens, adultos e idosos que não concluíram os estudos e buscam a oportunidade de retomá-los, trazendo uma reflexão sobre as diversas formas de violação de direitos que acontecem no interior dessa modalidade de ensino e como estas exercem influência sobre as taxas de analfabetismo, ensino fundamental incompleto e analfabetismo funcional.
Mkrtchian também trouxe à tona o pensamento de Pierre Bourdieu à respeito da violência simbólica, que se refere às formas de exclusão sutil e dominação indireta na comunidade escolar. Essa desigualdade não é apenas sobre acesso físico à escola, já que fatores como capital econômico, social e cultural impactam nessa questão. Na EJA, muitos alunos não possuem esses capitais acumulados, o que os coloca em desvantagem tanto no processo de aprendizagem quanto nas relações dentro do espaço educativo.
Ela ressaltou, ainda, que o arbitrário cultural impõe um modelo de saber que, com frequência, desvaloriza os conhecimentos populares e as vivências dos alunos da EJA, já que a visão da classe dominante tende a ser tratada como a única válida, legítima e universal. Marciele ainda destacou que “a educação em Direitos Humanos pode minimizar os efeitos de violência simbólica presentes na EJA, sendo uma ferramenta de inclusão”.
Entre os desafios para incorporar os princípios desse modelo está, justamente, a inserção da EDH na EJA, a formação dos profissionais dessa área e a articulação da disciplina nas licenciaturas. A visão reducionista sobre a EJA foi evidenciada, na prática, por meio de uma pesquisa empírica com estudantes dessa modalidade de ensino, expondo o conformismo com as carências educacionais e a surpresa dos alunos ao terem entendimento dos seus direitos dentro da sala de aula.
Ensino de alunos com deficiência visual
Durante o evento, também foi exposto o trabalho da mestra em Educação Tecnológica, pedagoga e especialista em educação inclusiva, Vivian Caroline Farias, que desenvolveu o Bricks Braile Químico (BBQ) como pesquisa de mestrado. Trata-se de um recurso didático e lúdico com foco no ensino de Química na grafia braille, ou seja, a escrita em relevo para leitura tátil, o que ajuda os estudantes com deficiência visual.
Essas peças são criadas por meio da impressão 3D, inspiradas nos blocos de encaixe do tipo Lego. Propõe-se a ser inclusivo para cegos, pessoas com baixa visão e videntes, por meio de elementos como cores vibrantes e a escrita em tinta na lateral de cada peça para auxiliar na identificação. Além do BBQ, há a versão Bricks Braile Matemática (BBM). Ambos os modelos foram produzidos num espaço maker, utilizando ferramentas e equipamentos para prototipagem rápida, corte, gravação e impressão tridimensional.
“A impressão 3D permite a produção de recursos personalizados e replicáveis, o que pode reduzir custos e aumentar a disponibilidade desses materiais. Ademais, a incorporação de sinais braille nas peças dos recursos didáticos, tornando-as táteis, pode ampliar a compreensão dos conteúdos por estudantes com deficiência visual, criando novas possibilidades para a mediação didática de professores”, explicou.
A diversidade e a diferença
Em sua palestra, Jefferson Andrade Silva, psicólogo e professor universitário (FPB), apresentou análises sobre a equidade educacional, com dois recortes principais: a questão racial e a deficiência. Um dos seus levantamentos é sobre o reconhecimento das diferenças de cada indivíduo, bem como suas necessidades. “É sempre uma descrição baseada na limitação dessas crianças”, aponta Jefferson, em referência a alunos deficientes que, normalmente, não têm suas qualidades exaltadas.
Segundo o psicólogo, “o principal objetivo da educação inclusiva é eliminar barreiras e discriminações que possam impedir o aprendizado e a participação de estudantes com diferentes habilidades, necessidades especiais, origens étnicas, socioeconômicas, de gênero ou outras características diversas”. Os estereótipos, segundo ele, limitam o potencial dos estudantes e podem levar à chamada profecia autorrealizadora, em que o aluno, ao ser constantemente subestimado, passa a corresponder às baixas expectativas.
Rótulos negativos contra pessoas negras nas escolas revelam um sistema educacional ainda marcado por preconceitos e desigualdades raciais, porque o racismo estrutural é um processo complexo que atinge diversas esferas, assim como gera efeitos na trajetória de vida desde a infância, interfere na socialização, no desenvolvimento emocional, afeta o desempenho e a autoestima.
O acesso para todos, apoio individualizado, participação ativa, ambiente inclusivo, respeito à diversidade e colaboração são os princípios da Educação Inclusiva (UNESCO, 2019). Nesse contexto, essa abordagem surge como uma proposta transformadora, que garante igualdade de acesso ao ensino de qualidade e acolhimento a todos, independentemente de suas características individuais.

Palestra no último dia do evento destaca a importância de Bell Hooks na educação | Reprodução/Teams
Invisibilidade socioeconômica
O Mover Diversidade segue hoje, 25, último dia do evento, com debates sobre o tema “Interseccionalidade na Prática: Desafios e Oportunidades na Educação Superior”, com participação das professoras Mariana Pedroso (UniRitter), Nadia Neckel (Unisul), Denise Costa Ceroni (UniRitter) e Anna Lea Barreto (mediadora). No encerramento, à noite, será lançado o livro “A (In)Visibilidade socioeconômica da cultura religiosa de matriz africana em Porto Alegre”, escrito pelo professor Claudio Soares dos Santos, que integra o Ânima Plurais