Prestes a alcançar uma safra recorde, a cotonicultura brasileira alia tecnologia, sustentabilidade e rastreabilidade para garantir certificações internacionais de qualidade

Tudo começa nos campos de algodão, onde o cuidado com o cultivo gera a qualidade da fibra
Por Eduarda Neves (texto e imagens)
Revisão e orientação: Kátia Borges
Você já parou para pensar de onde vem a fibra que compõe a sua camiseta favorita? A resposta está na cotonicultura, que transformou o Oeste da Bahia no segundo maior produtor do país, atrás apenas do Mato Grosso. A produção de pluma, em Luís Eduardo Magalhães, cresceu 65% nos últimos cinco anos. Esse avanço reflete a modernização do setor, impulsionada pela inovação e pela sustentabilidade. Cada hectare plantado representa não só a produtividade, mas também a geração de emprego e de renda, movimentando a economia regional.
E tudo começa na terra, onde cada semente plantada dá origem a um fio que carrega identidade, qualidade e rastreabilidade. No Semiárido Baiano, o algodão é muito mais que uma fibra. A cotonicultura se tornou protagonista no Oeste Baiano por manter a sua produtividade sem o uso de irrigação artificial. O sistema implantado pelos produtores é o do regime de sequeiro, que se baseia nas chuvas naturais para o cultivo. A qualidade final obtida, de acordo com o produtor Júlio Cézar Busato, está relacionada às condições climáticas da região.
‘’Quando chegamos à colheita, as chuvas praticamente já terminaram, o que é fundamental, porque elas prejudicam a cor e a formação da fibra. Quando temos água do início ao fim do cultivo, sem excessos ou falta, isso resulta em um algodão fantástico”, explica Busato. A colheita se inicia entre os meses de maio e julho, em um ciclo que dura de 140 a 220 dias, dependendo das condições da área de plantio. Antes disso, entre novembro e dezembro, há o chamado “vazio sanitário”, essencial para o controle de pragas, especialmente o bicudo-do-algodoeiro, maior inimigo da lavoura.
Recorde Mundial
Com os bons resultados da safra 2024/2025, o Brasil está prestes a bater um recorde mundial. A estimativa é de que a colheita alcance 4,11 milhões de toneladas, 15% a mais que a safra anterior (2023/2024), segundo dados da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). Presidente da ABAPA, Alessandra Zanotto diz que a produção surpreendeu até mesmo os cotonicultores, com a projeção de 816 mil toneladas, um aumento de 15% em relação ao ciclo passado.
O uso de tecnologias modernas tem sido determinante para manter a competitividade do algodão baiano no mercado nacional e internacional. Entre elas estão o Tensiômetro, a Sonda de Nêutrons e os Sensores Dielétricos FDR e TDR, utilizados no controle da irrigação do solo, além dos sistemas de monitoramento, realizados por observação visual, análise laboratorial de amostras e sensoriamento remoto com satélites e drones, que avalia a umidade, os nutrientes e a saúde das plantas.
Segundo Gustavo Prado, diretor-executivo da ABAPA, o bom desempenho é resultado do investimento em tecnologia, do manejo sustentável e da modernização do setor, fatores que posicionam a Bahia entre os estados mais competitivos na cotonicultura e contribuem para o crescimento da economia regional. Após a colheita, o algodão passa por uma etapa crucial, o beneficiamento, responsável por transformar a fibra bruta em uma matéria-prima comercializável.
O beneficiamento garante a qualidade da fibra. A primeira etapa é a limpeza inicial, responsável por remover poeira, caules e folhas que vêm da lavoura. Em seguida, ocorre o descaroçamento, quando as sementes são separadas da fibra. Depois, uma segunda limpeza é realizada, para eliminar fibras curtas e outras impurezas. Por fim, a pluma é prensada e ensacada, formando fardos padronizados.
Tudo é aproveitado nesse ciclo. Enquanto a pluma segue para a produção de tecidos, as sementes são usadas na fabricação de óleo ou ração animal, aumentando a sustentabilidade da cadeia produtiva. Antes de chegar à indústria, a pluma recebe o seu “RG”, no Centro de Análise de Fibras, localizado na cidade de Luís Eduardo Magalhães. Cada amostra é submetida a testes que medem comprimento, resistência e uniformidade.

Etapas do beneficiamento de algodão: da pós-colheita ao caroço/semente para extração de óleo
Rastreabilidade e durabilidade
Após a chegada ao Centro de Análise de Fibras, todas as características são analisadas pelo High Volume Instrument (HVI), equipamento internacional que mede resistência, comprimento, cor e alongamento. Os dados não apenas determinam o valor da fibra no mercado internacional, mas garantem uniformidade, qualidade, rastreabilidade e menor custo no beneficiamento. Após a análise, cada fardo recebe uma etiqueta do Sistema ABRAPA de Identificação (SAI).
A etiqueta do SAI permite monitorar e rastrear os fardos. As informações são detalhadas e obtidas na lavoura, como peso, laboratório e certificações. Entre essas certificações estão o Algodão Brasileiro Responsável (ABR), programa da Abapa que promove a produção sustentável, abrangendo aspectos socioambientais e trabalhistas, e o Better Cotton, iniciativa global de sustentabilidade para o algodão, que busca melhorar práticas ambientais e sociais.

Processo de beneficiamento do algodão em Luís Eduardo Magalhães: etapa crucial da produção
Sérgio Alberto Brentano, gerente do Centro de Análise de Fibras, destaca que, embora o consumidor não veja esses dados técnicos, ele percebe o resultado no seu dia a dia: “Isso se traduz em roupas com maior durabilidade, toque mais macio, cores mais vivas e menor risco de defeitos. A qualidade impacta diretamente o desempenho e a resistência do tecido”, explica.

Fardo de algodão certificado com a etiqueta do Sistema Abrapa de Identificação (SAI)
Com seu “RG” em mãos, o algodão deixa os laboratórios e segue para as indústrias têxteis, pronto para ser transformado em fios, tecidos e roupas. Nessa etapa, moda e agro se encontram. Após o beneficiamento, a pluma de algodão passa por três fases principais antes de se tornar camiseta. Depois do beneficiamento, a pluma inicia a sua jornada dentro da indústria têxtil.
O primeiro passo é a fiação, etapa em que a fibra é transformada em fios contínuos, resistentes e uniformes, resultado do alinhamento e torção das fibras que servirão de base para os tecidos. Em seguida, vem a tecelagem: os fios são entrelaçados, ganhando cores, padrões, texturas e acabamentos, dando origem aos rolos de tecido. Por fim, a confecção, quando os tecidos são cortados, costurados e modelados, transformando-se em peças do dia a dia, como a sua camiseta.
Quando a camiseta chega ao seu guarda-roupa, ela carrega consigo toda essa trajetória: do campo às indústrias têxteis. É nesse momento que iniciativas como o movimento Sou de Algodão ganham relevância. Criado pela ABRAPA para promover o consumo consciente, garante transparência. Por meio de um QR Code na etiqueta, o consumidor acessa o histórico da cadeia produtiva: onde o algodão foi plantado, máquinas usadas, análises, tecelagem e confecção, até chegar ao varejo.

Peça de jeans com a etiqueta, rastreável por QR CODE, do Movimento Sou Algodão
Tecnologia e moda
Todas essas informações são organizadas por blockchain, a mesma tecnologia utilizada em sistemas bancários, garantindo que os dados sejam seguros e praticamente impossíveis de serem alterados sem o rastreio completo. Para Silmara Ferraresi, diretora de Relações Institucionais da ABRAPA, o grande diferencial está na diversidade, transparência e qualidade. “Iniciamos um trabalho empreendedor e desafiador. Já tivemos experiências de acessibilidade em outras marcas, mas não nessa dimensão e com essa grande quantidade de peças”, pontua.
Além de gerar confiança para o consumidor, a iniciativa reforça práticas sustentáveis e estimula a conscientização sobre os avanços e a modernização do setor, consolidando o algodão baiano como referência nacional. Ferraresi destaca ainda a transparência do processo. “Trabalhamos com uma marca transparente, que transmite credibilidade e confiança, e queremos que isso chegue ao consumidor de forma simples e descomplicada. Foi por isso que lançamos o movimento, para unir a cadeia têxtil brasileira e torná-la cada vez mais responsável”.

Criações da Louranni Boas em parceira com a Sou Algodão | Foto: Ruben Figueiredo/ABRAPA
O mercado da moda tem se transformado rapidamente, oferecendo cada vez mais opções ao consumidor. Nesse cenário, a missão de promover uma moda consciente não é desafio apenas para a indústria têxtil, mas também para os estilistas, que desempenham um papel fundamental nesse processo. Louranni Boas, parceira do movimento Sou de Algodão, fundadora e CEO da Liga Transforma e diretora criativa da Baas Couture, afirma que o algodão rastreável é fundamental.
“Representa um avanço importante no alinhamento entre a indústria da moda/vestuário e as responsabilidades socioambientais. Sabemos que a cadeia do algodão em larga escala apresenta grandes problemas e desafios ambientais e sociais, mas iniciativas como o Sou de Algodão e o Sou ABR fazem parte de um grande avanço, abrindo caminhos mais regenerativos”, observa.
Talvez você não veja o RG daquela fibra, mas ele está costurado em cada fio, provando que a sua camiseta também contém origem, sustentabilidade e inovação. Mais do que vestir uma peça de roupa, cada consumidor leva consigo o resultado de um trabalho que vem transformando a cotonicultura e incentivando práticas agrícolas e industriais sustentáveis. É a prova de que moda, agricultura e tecnologia podem caminhar juntas, garantindo não apenas estilo e conforto, mas também confiança e compromisso com o futuro.