Por Rômulo Moreira**
Colunista da AVERA
Foto: Reprodução / Divulgação
*Este é um texto de opinião, em que as posições expressas são de responsabilidade exclusiva de seu autor(a).
Edgar Morin, sociólogo francês, dedicou boa parte de sua pesquisa para estudar o ensino e a educação, mais ou menos como fizeram aqui no Brasil, Paulo Freire, Anísio Teixeira e Darcy Ribeiro.
Todos eles tinham uma visão da educação, e de como ensinar, completamente democrática, e não impositiva ou pernóstica. Também neste sentido, foram pensadores para além do seu tempo.
Morin, por exemplo, enxergava o ensino não como uma mera transmissão de saber, mas como uma transferência de “uma cultura que permita compreender nossa condição e nos ajude a viver, e que favoreça, ao mesmo tempo, um modo de pensar aberto e livre.”[1]
Para ele, a educação era algo que podia “ajudar a nos tornar melhores, se não mais felizes, e nos ensinar a assumir a parte prosaica e viver a parte poética de nossas vidas”, devendo “contribuir para a auto formação da pessoa (ensinar a assumir a condição humana, ensinar a viver) e ensinar como se tornar cidadão.”
Ele percebeu que, na contemporaneidade, especialmente com o acesso a várias mídias sociais e uma pletora de novas ciências, há “uma expansão descontrolada do saber e um crescimento ininterrupto dos conhecimentos, construindo uma gigantesca torre de Babel, que murmuram linguagens discordantes.”
Ora, como “as informações constituem parcelas dispersas de saber”, afogando-nos a todos, “o conhecimento só é conhecimento enquanto organização, relacionado com as informações e inserido no contexto destas.”
A propósito, veja-se o caso brasileiro, em que o próprio Presidente da República defende explicitamente a descentralização dos investimentos para os cursos de Filosofia e Sociologia no País, pois “a função do governo é respeitar o dinheiro do pagador de impostos, ensinando para os jovens a leitura, escrita e a fazer conta e depois um ofício que gere renda para a pessoa e bem-estar para a família, que melhore a sociedade em sua volta.”[2]
Nada tão redutor!
Neste aspecto, não se pode aceitar passivamente que os cidadãos estejam condenados “à aceitação ignorante das decisões daqueles que se presumem sabedores, mas cuja inteligência é míope, porque fracionária e abstrata.”
Eis, para Morin, “uma condição sine qua non para sairmos de nossa barbárie.”
Segundo ele, é preciso, desde a infância e também na adolescência e juventude, estimular ou despertar (se estiver adormecida) a dúvida (“fermento de toda atividade crítica”), a curiosidade e a “aptidão interrogativa”, orientando-se “para os problemas fundamentais de nossa própria condição e de nossa época.”
Afinal, “conhecer e pensar não é chegar a uma verdade absolutamente certa, mas dialogar com a incerteza.”
Neste sentido, ao contrário do que pensam nossos atuais governantes, “a filosofia deve contribuir eminentemente para o desenvolvimento do espírito problematizador”, pois se trata, “acima de tudo, de uma força de interrogação e de reflexão, dirigida para os grandes problemas do conhecimento e da condição humana.”
A importância da literatura (e das artes em geral, como o cinema) também é enfatizada de modo muito especial por Morin, especialmente para o estudo da condição humana, pois mostram “os caracteres essenciais, subjetivos, afetivos do ser humano”, revelando “a universalidade da condição humana, ao mergulhar na singularidade de destinos individuais localizados no tempo e no espaço.”
A literatura “restitui a complexidade humana, que se esconde sob as aparências de simplicidade”, desvelando “os indivíduos, sujeitos de desejos, paixões, sonhos, delírios; envolvidos em relacionamentos de amor, de rivalidade, de ódio; submetidos a acontecimentos e acasos, vivendo seu destino incerto.”
A poesia, por exemplo, mostra-nos “a dimensão poética da existência humana”, e que estamos “destinados ao deslumbramento, ao amor, ao êxtase”, pondo-nos “em comunicação com o mistério, que está além do dizível.”
A literatura, a poesia e o cinema são verdadeiras “escolas de vida, em seus múltiplos sentidos”, pois reveladores da miséria humana “e de sua grandeza trágica, com o risco de fracasso, de erro, de loucura.”
Enfim, a arte – “verdadeira escola da compreensão” – é capaz de nos ensinar (principalmente, aos mais jovens) “as maiores lições da vida: a compaixão pelo sofrimento de todos os humilhados e a verdadeira compreensão.”
Só assim seremos capazes de “sentir e conceber os humanos como sujeitos, abrindo-nos a seus sofrimentos e suas alegrias”, possibilitando, ademais, “lutar contra o ódio e a exclusão.”
Debruçando-se sobre a Universidade, Morin encontra nela três características primordiais. Ela deve ser, a um só tempo, conservadora, regeneradora e geradora:
- Conservadora, pois “memoriza, integra, ritualiza uma herança cultural de saberes, ideias, valores”;
- Regeneradora, porque vivifica essa “herança ao reexaminá-la, atualizá-la, transmiti-la”;
- Geradora, já que produz “saberes, ideias e valores que passam, então, a fazer parte da herança.”
Neste sentido, a autonomia da Universidade é fundamental para que ela possa executar a sua missão e a sua função transnacional e transecular, “que vão do passado ao futuro, passando pelo presente.”
Ela não pode ser uma “máquina de produção e consumo”, mas um ambiente de “conservação, transmissão e enriquecimento de um patrimônio cultural.”
Eis a sua missão!
É necessário, portanto, estarmos atentos para que não se submeta o ensino e a pesquisa “às demandas econômicas, técnicas e administrativas do momento”, marginalizando “a cultura humanista”, como pretende, ao que parece (e como já referi acima), o governo brasileiro.[3]
Conformar-se ao mercado, reduzindo o papel do ensino, antes de ser um “indício de vitalidade” (como pode parecer para alguns neoliberais), muito pelo contrário, trata-se de um “prenúncio de senilidade e morte pela perda da substância inventiva e criadora.”
Morin constata algo que a mim me parece ser tão verdadeiro, quanto preocupante: “a imensa máquina da educação é rígida, inflexível, fechada, burocratizada”, com “professores instalados em seus hábitos e autonomias disciplinares”, comportando-se “como os lobos que urinam para marcar seu território e mordem os que nele penetram (Curien)”; daí a razão de tanta (e “obtusa”) resistência, “inclusive entre os espíritos refinados: para eles, o desafio é invisível”, a tal ponto que “a cada tentativa de reforma, mínima que seja, a resistência aumenta.”
Por fim, lembra da pergunta de Marx, em uma de suas teses sobre Feuerbach: “quem educará os educadores?”
Ele, então, responde:
“Será uma minoria de educadores, animados pela fé na necessidade de reformar o pensamento e de regenerar o ensino, aqueles educadores que já têm, no íntimo, o sentido de sua missão, uma missão de transmissão, o que exige, além da competência e de uma técnica, uma arte, enfim, o eros (Platão) que é, a um só tempo, desejo e prazer (de transmitir) e amor (pelo conhecimento e pelos alunos)”, amor sem o qual “só há problemas de carreira e de dinheiro para o professor; e de tédio para os alunos.”
Oxalá aprendamos todos nós!
**Rômulo de Andrade Moreira é professor de Direito e estudante de Jornalismo da Universidade Salvador (UNIFACS)
Referências:
[1] Os trechos transcritos para este artigo, estão na obra “A Cabeça Bem-Feita – Repensar a Reforma & Reformar o Pensamento.”
[2] https://www1.folha.uol.com.br/educacao/2019/04/bolsonaro-propoe-reduzir-verba-para-cursos-de-sociologia-e-filosofia-no-pais.shtml, acessado em 12 de julho de 2019.
[3] https://www1.folha.uol.com.br/educacao/2019/04/bolsonaro-propoe-reduzir-verba-para-cursos-de-sociologia-e-filosofia-no-pais.shtml, acessado em 12 de julho de 2019.