O fogo que dá vida ao barro, a arte que encontra caminhos dentro da artista Selma Calheira
Por Monique Sousa
Revisão por Gabriel Ornelas
No município de Ibirataia, sul da Bahia, localizado na região cacaueira há 344 km de Salvador, é onde encontramos a artista plástica e ceramista de nome nacional e internacional Selma Calheira.
Suas esculturas de cerâmica são únicas, feitas a mão fascinam nos detalhes minuciosos de transformação do barro. As técnicas dos processos de criação, modelagem e queima se originam de resgates culturais, como as sabedorias indígenas, e evidenciam a valorização da natureza.
Na queima, o fogo naturalmente deixa sua marca e transforma suas esculturas de barro em peças singulares. Das tonalidades do chão de terra batida ao branco, passando pelas escalas de neutros e por cores vibrantes, as matizes percorrem suas coleções e batizam a marca da artista, “Cores da Terra”, que conta com a página dedicada no Instagram @coresdaterra.
O trabalho da artista contribui para promover a identidade da região, investindo no treinamento da mão de obra local, transformando os moradores em artesãos e gerando empregos e perspectivas profissionais. Sua cerâmica tem cerca de 2.800 metros quadrados de área construída, com galpões apropriados para a produção de múltiplos exemplares e toda uma estrutura necessária.
“Têm umas pessoas incríveis nesta região, que com toda a crise da nação de cacau buscaram alternativas para sobreviver”, comenta Selma.
Atualmente, sua maior preocupação é fazer grandes esculturas de barro de até cinco metros ou mais. Os “Homens de Barro” é o nome do seu projeto que tem como finalidade criar a Cidade dos Homens de Barro, um museu a céu aberto onde as pessoas poderão visitar e aproveitar de um centro cultural, que ela pretende construir no atual espaço.
“Tenho 86 Homens de Barro, eu quero fazer mil, no topo da montanha, com museu, com galeria, com visitantes, com oficinas”, conta Selma, que deseja ter toda uma estrutura mais ampla para receber o público.
As esculturas na sua visão representam poeticamente o protótipo de um ser de muita força, as obras produzidas por Selma retratam a história fictícia de pessoas simples e corajosas, que enfrentam muitas dificuldades para manter uma sobrevivência com dignidade.
“Quando eu comecei com essas esculturas pensei no ser, nas cidades da região, não só nós, mas nas pessoas que lutam pela terra, que vivem pela terra. Então eu tentei representar eles dessa forma, que são gigantes, que apesar de todas as dificuldades, todos os problemas, continuam fazendo as nossas histórias. É a cidade dos Homens de Barro”, afirma a artista.
Selma faz questão de afirmar que respeita os materiais e usa pigmentos naturais criados em seu ateliê.
Museu Udo Knoff de Azulejaria e Cerâmica
O Museu Udo Knoff de Azulejaria e Cerâmica, localizado no Pelourinho, em Salvador, dispõe de dois ambientes ocupados por materiais referentes à arte da cerâmica e do azulejo. No andar térreo a exposição “Azulejaria na Bahia” reúne materiais referentes à arte da cerâmica e do azulejo, além de proporcionar uma visão cronológica da existência desse material disposto do século XV ao XX, incluindo sua chegada ao Brasil, no século XVII.
A visita à ceramista Selma Calheira foi fruto de uma extensa pesquisa para o alinhamento do seminário de comemoração de 30 ano do museu, o seminário ocorrerá nos dias 16 a 18 de maio, durante a 22ª Semana Nacional de Museus, com o tema “Museus, Educação e Pesquisa o Seminário – O Museu que UDO Knoff Pensou: 30 anos de Azulejaria e Cerâmica na Bahia”.
“A viagem para o sul da bahia tem um sentido muito grande, porque a gente foi visitar quatro importantes ceramistas da Bahia, um com 104 anos de idade, Mestre Vitorino, com a referência ao Maragogipinho, e outros dois, Osmundo Teixeira e David Magalhães, que moram em Itabuna e com grande referência na arte barroca de santeiros”, comenta Pola Ribeiro, diretor do Museu de Arte da Bahia.
Para o diretor, a visita ao complexo de Selma Calheira foi um fator importante para o seminário, pois a construção de trabalho da artista se assemelha com os pensamentos que o Udo Knoff tinha.
“Ela traz uma coisa muito próxima do pensamento de Udo, no sentido de que ela é uma artista e ao mesmo tempo ela é uma indústria, é uma empresária da indústria de cerâmica. É uma mulher que produz, insere objetos de decoração, que vende pro exterior, para todo o Brasil. Então ela cria novos horizontes dentro da discussão que a gente está fazendo no seminário”, continua Pola Ribeiro.
Na semana dos dias 16 a 18 de maio serão discutidos os novos rumos que a instituição está tomando em 2024, a partir da transferência do museu para um novo espaço: no Complexo do Museu de Arte da Bahia.
“O seminário de comemoração aos 30 anos do Museu Udo Knoff tem um papel importantíssimo no processo de construção do museu, no processo de construção do desenho de documentação do MAB. Vai ser o momento de avisar que o MAB está em obras, que está recebendo dois outros museus: Museu Udo e Museu Tempostal”, conclui Pola.
Para a diretora do museu Udo Knoff, Renata Alencar, a visita ao espaço de Selma foi fundamental para o processo de reflexão e reformulação do Museu Udo Knoff de Azulejaria e Cerâmica.
“No novo espaço que está sendo formulado para ele, no Complexo do Museu de Arte da Bahia, pudemos ver a potência que tem a cerâmica no interior do Estado e as diversas possibilidades de trabalhar a colaboração capital e interior. Através do Seminário de 30 Anos do Museu está acontecendo um movimento de reaproximação da classe de artistas, ceramistas, pesquisadores e toda a comunidade que trabalha com as “artes do fogo”, que este seja um encontro para a retomada desse ambiente de simpatia pela cerâmica e azulejaria da Bahia, como dizia o nosso Patrono Udo Knoff”, afirma Alencar.
O seminário será realizado no auditório do Museu de Arte da Bahia, localizado no Corredor da Vitória, em Salvador. Será o momento no qual todos os presentes irão refletir sobre os processos que fizeram e fazem da Bahia o maior repositório de azulejaria do Brasil, seja esse material estrangeiro ou contemporâneo, e a reflexão sobre a cerâmica tradicional e popular.