Vini Jr vem obtendo vitórias significativas contra aqueles que o agridem dentro e fora de campo | Foto Gettty Imagens
Em junho deste ano, a justiça espanhola condenou a oito meses de prisão três torcedores que atacaram o jogador brasileiro com cânticos racistas
Por Maiane Ferreira
Revisão: Laís Cruz
“Não sou vítima do racismo, eu sou algoz de racistas.” Essas foram as palavras de Vinícius José Paixão de Oliveira Júnior, publicadas em suas redes sociais após a Justiça espanhola condenar a oito meses de prisão três torcedores que o atacaram com cânticos racistas. Os condenados também foram proibidos de acessar estádios pelo período de dois anos.
A aplicação dessa pena, que ocorreu em junho deste ano, é um marco histórico no futebol na Espanha, país onde Vini recebeu diversos ataques racistas, sofreu ameaças e foi perseguido. Na mesma publicação, Vini Jr comenta. “Essa primeira condenação penal da história da Espanha não é por mim. É por todos os pretos. Que outros racistas tenham medo, vergonha e se escondam nas sombras. Caso contrário, estarei aqui para cobrar.”
Ainda em 2024, no mês de setembro, a Justiça da Espanha, por meio da Comissão Estatal contra Violência, Racismo, Xenofobia e Intolerância no Esporte, puniu outro torcedor, obrigando-o a pagar R$ 370 mil e o proibiu de acessar locais esportivos por dois anos. O condenado havia publicado insultos racistas a Vini Jr. no “X”, antigo Twitter.
E, recentemente, Vini se posicionou a respeito dos ataques sofridos pelos jogadores Lamine Yamal, Raphinha e Ansu na partida entre Real Madrid e Barcelona, pela La Liga. Vini demonstrou solidariedade e reforçou seu simbolismo para a causa antirracista.
Porta-voz da causa
Considerado o melhor jogador da UEFA Champions League na temporada passada, Vinícius Júnior brilhou. Foram 24 gols e nove assistências em 39 jogos pelo Real Madrid, onde se tornou o jogador com mais participações em gols nas fases de mata-mata da história da competição. No entanto, sua trajetória foi marcada por uma constante luta contra o racismo dentro do esporte, e o jogador usou toda a visibilidade dos casos para se tornar um ativista nessa luta.
O primeiro caso ocorreu em 24 de outubro de 2021, durante o clássico entre Barcelona e Real Madrid, no Camp Nou. Após ser substituído no intervalo, Vini sofreu xingamentos racistas por parte da torcida. O caso foi denunciado pelo Ministério Público da Espanha. No entanto, as autoridades disseram que não conseguiram identificar o responsável e o caso foi arquivado.
No ano seguinte, na partida entre Mallorca e Real Madrid, em que Vinícius marcou um dos gols da vitória merengue, novamente surgiram gritos de cunho racista nas arquibancadas. O caso foi denunciado às autoridades, mas foi arquivado por concluírem que não havia crime naquelas práticas.
Nessa mesma oportunidade, um jogador do Mallorca acusou Vini de “provocar” os adversários com danças ao comemorar os gols. A partir disso, os brasileiros levantaram apoio nas redes sociais com a tag #BAILAVINI, que se tornou um lema nas mídias como forma de apoio.
Após esse caso, Vini rebateu em suas redes sociais: “Dizem que a felicidade incomoda, mas a felicidade de um preto, brasileiro, vitorioso na Europa incomoda muito mais.” Ainda nesse vídeo, Vini disse que não vai parar de dançar, pois as danças são para celebrar a diversidade cultural do mundo, concluiu: “Aceitem, respeitem ou surtem. Eu não vou parar.”
Vinícius Jr. também contou que está envolvido em uma iniciativa para desenvolver aplicativos que auxiliem na educação de crianças em escolas públicas. Sobre isso, Vini afirmou: “Quero que as próximas gerações estejam preparadas como eu estou para combater os racistas e xenofóbicos.”
Mesmo rebatendo os ataques, o jogador ainda foi alvo de ofensas racistas e até foi perseguido e ameaçado em algumas ocasiões. Um dos casos mais cruéis ocorreu na partida contra o Atlético de Madrid, em janeiro de 2023, quando torcedores penduraram um boneco com a camisa de Vini Jr enforcado em uma ponte da cidade de Madrid.
No mesmo ano, mais cinco ataques foram registrados. Entre eles, o caso da partida contra o Valencia, em que gritos de “macaco” foram direcionados ao jogador, que imediatamente chamou o árbitro e apontou para os torcedores que reconheceu como os autores. Nesse momento, gerou-se uma briga generalizada. Vini acabou expulso neste jogo, após receber um mata-leão de um jogador do Valencia, e usou as mídias para se posicionar sobre o acontecido.
Em seu tweet, Vini desabafa: “Não foi a primeira vez, nem a segunda e nem a terceira. O racismo é o normal na La Liga. A competição acha normal, a Federação também e os incentivam. Lamento muito…“ Ao todo, entre 2021 e 2024, Vinícius Jr. foi vítima de 21 casos de racismo, de acordo com dados da própria La Liga.
Luta contra o racismo
Apesar dos constantes ataques, Vinícius Jr. usou sua visibilidade para atuar contra o racismo, que é “institucionalizado” na Espanha, sobretudo no esporte. Em março deste ano, Vini marcou dois gols na partida contra o Valencia pela La Liga, empatando o jogo para o Real Madrid. Na comemoração, Vinícius Jr. levantou o punho cerrado em frente à mesma torcida que disparou ofensas racistas contra ele no ano anterior.
Ainda em março, na véspera do amistoso da seleção brasileira contra a Espanha, Vini se emocionou ao ser questionado sobre as ofensas que havia sofrido e pediu uma punição ainda maior para os autores. “Já fiz tantas denúncias, ninguém é punido, ninguém…nenhum clube é punido, e, a cada dia que passa, eu continuo lutando por aqueles que vão vir, até porque se fosse por mim, ou pela minha família, eu acredito que eu já teria desistido”.
Na continuidade da entrevista, Vini chora e diz: “Eu só queria jogar futebol…fazer de tudo pelo meu clube e pela minha família.” Mas Vini não desistiu, usou suas redes sociais e sua influência para colocar o debate contra o racismo no centro das atenções. Líderes políticos, organizações internacionais e milhões de torcedores ao redor do mundo tomaram conhecimento de toda a discriminação racial que ocorre na Espanha.
Medidas concretas
Na internet, o craque do Real recebeu apoio de diversos jogadores e celebridades, que se posicionaram contra os ataques. Além de acionar na justiça todos os autores das ofensas racistas, Vini também contou com a ajuda do corpo jurídico do Real Madrid.
Em maio de 2023, um grupo de organizações do movimento negro realizou manifestações em apoio ao atleta em frente ao Consulado da Espanha em São Paulo. Além disso, Vini contou com o apoio do Ministério da Igualdade Racial, que, através da Ministra Anielle Franco, entrou em contato com as autoridades espanholas para cobrar medidas concretas.
Juntamente com o Ministério dos Esportes, constituiu um grupo de trabalho para formular um programa com medidas de enfrentamento ao racismo e à discriminação no esporte.
Instituto Vini Jr
No ano de 2023, Vinícius Jr. conquistou o prêmio Sócrates no evento de premiação da Bola de Ouro. Essa premiação foi criada pela revista France Football para reconhecer ações sociais e iniciativas de solidariedade promovidas por personalidades do esporte.
Na oportunidade, o atleta do Real Madrid foi premiado pelo trabalho realizado no Instituto Vini Jr., local que atua com foco no processo de aprendizagem, trazendo práticas que valorizam a vivência individual de cada criança e está localizado em São Gonçalo, região onde Vini nasceu e foi criado. Um dos lemas do Instituto é a promoção da educação antirracista.
O espaço foi criado com a ajuda de amigos, familiares e da equipe do jogador. É um projeto de longo prazo que começou logo quando Vini assinou seu primeiro contrato. O projeto consiste em três pilares: educação como base, tecnologia como ferramenta e futebol como linguagem.
Acredita-se que este espaço serve como facilitador do ensino-aprendizagem dos alunos, utilizando a cultura digital para protagonizar esse processo, permitindo que os estudantes se apropriem dessas tecnologias e as utilizem de forma consciente e crítica.
Além disso, há a implementação de CTs (Centros de Treinamento) dentro das escolas públicas, que usam a linguagem e elementos do futebol para atrair os alunos. Através desse projeto, vários alunos pretos de comunidades são alcançados.
Lei Estadual
No estado do Paraná, foi sancionada a Lei Estadual Vini Jr. (Lei 22.084/2024), que exige a divulgação de alertas sobre injúria racial em eventos públicos com mais de 5.000 pessoas, incluindo eventos esportivos, religiosos, artísticos e culturais.
A lei prevê que qualquer cidadão pode denunciar atos racistas às autoridades dos eventos, e os organizadores são responsáveis por encaminhar essas denúncias às esferas cíveis e criminais. Em caso de partidas de futebol, o árbitro pode interromper a partida se houver racismo.