Como a nova tecnologia tem se tornado uma ferramenta presente nas redações de jornais, sites e televisão
Por Luís Felipe Guimarães
A tecnologia evoluiu e continua a evoluir em uma alta intensidade, perfurando barreiras e estando cada vez mais presente no nosso cotidiano. Ao acordar, muitos já estão condicionados a pegar o celular e verificar notificações e mensagens, antes mesmo de lavar o rosto ou dar o primeiro bocejo matinal.
Logo, a tecnologia e o meio digital já adentraram também as rotinas profissionais, com secretárias deixando de lado agendas de papel e utilizando plataformas online para preencher compromissos, a medicina, engenharia e ciências sendo cada vez mais precisas com as novas tecnologias, e a comunicação chegando em cada vez mais lugares e pessoas, com a difusão da internet. Com isso, no jornalismo não seria diferente.
Os jornalistas usam computadores para produzirem notícias desde 1952, quando um modelo inicial foi usado para prever o resultado das eleições presidenciais dos Estados Unidos. Já em 1967, o jornalista norte-americano, Philip Meyer, usou de pesquisas assistidas por computadores para traçar um perfil dos manifestantes dos Distúrbios de Detroit. Com a matéria, ele ganhou um Prêmio Pulitzer, um dos maiores prêmios concedidos a jornalistas, e o trabalho foi considerado a primeira tentativa de aplicar métodos analíticos de ciências sociais com a utilização de um computador como ferramenta, no jornalismo.
Entre esses dois acontecimentos, em 1956, durante um workshop na Faculdade de Dartmouth, em Hanover, nos Estados Unidos, o termo Inteligência Artificial (IA) foi citado pela primeira vez, sendo considerado por muitos, o momento do seu nascimento.
Mais de seis décadas depois, em novembro de 2022, a empresa OpenAI lançou o ChatGPT, uma ferramenta de IA gratuita com uma interface de conversação onde o usuário poderia fazer perguntas e pedir ações de geração de texto. A partir desse ponto, muitas iniciativas de IA e empresas aceleraram os processos e lançaram outras plataformas, como o Gemini.
No entanto, a discussão dos usos da inteligência artificial na sociedade e nas rotinas de trabalho já eram pautas antes da criação do ChatGPT. Em uma pesquisa apresentada pelos professores de Jornalismo e Comunicação Global, da Universidade Complutense de Madrid, na Espanha, Sonia Parratt-Fernández, Javier Mayoral-Sánchez e Montse Mera-Fernández, na última década, o estudo da relação entre jornalismo e inteligências artificiais apontaram crescimento. Segundo o levantamento, entre 2010 e 2021, 358 artigos acadêmicos foram produzidos e revisados, sendo que 87,43% dos textos foram publicados entre 2015 e 2020.
Com isso, não só no âmbito acadêmico as IAs viraram pauta dentro da profissão, mas nas redações também, onde cada vez mais se mostram mais presentes. No artigo “Aplicações da IA no jornalismo: ChatGPT e os usos e riscos da tecnologia emergente”, os professores Beatriz Gutiérrez-Caneda, Jorge Vázquez-Herrero e Xosé López-García, apresentam um levantamento com as perspectivas dos jornalistas acerca da presença da ferramenta no cotidiano.
De acordo com a pesquisa, 8,3% dos participantes acham que a Inteligência Artificial vai eventualmente substituir os jornalistas, outros 8,3% constataram que a ferramenta nunca vai substituir os jornalistas e não vai exercer influência nas redações, e 83,4% afirmaram que a IA não vai substituir os jornalistas, mas vai mudar a rotina profissional. Além disso, nenhum dos participantes sugeriram o banimento do recurso das redações.
Para Lincoln Oriaj, repórter do Jornal A Tarde, essa transformação já está acontecendo e algumas ferramentas de IA já fazem parte de sua rotina como jornalista, contribuindo para suas produções e demandas. “Além de estimular a criatividade, criam atalhos que tornam a veiculação da informação mais rápida, mas sem abrir mão da qualidade do conteúdo”, conta. Durante sua rotina, Oriaj revela que utiliza bastante a tecnologia para transcrever áudios e vídeos, que acabam tomando muito tempo durante a composição de uma reportagem.
Por sua vez, a repórter da Rede Bahia, Victoria Dowling, acredita que a Inteligência Artificial vai entrar na rotina dos jornalistas como uma ferramenta auxiliar, mas jamais como algo capaz de substituir o profissional. Assim como Oriaj, ela também ressaltou o poder das ferramentas na decupagem de áudios, mas também reforçou o uso na tradução de diferentes idiomas, criação de imagens de acordo com a descrição, sugestões de pautas e análise de dados e trends, que bem usados, agilizam bastante os processos que permeiam a rotina de trabalho.
No entanto, a repórter ressalta que, apesar da praticidade e utilidade dos recursos, a precisão das IAs está longe de ser 100%, então cabe ao jornalista ter cuidado com o conteúdo que vai ser entregue a partir disso. “Escrever notícias, independentemente do formato, requer sensibilidade, criatividade e tato. Dar sentido aos acontecimentos, histórias e palavras, respeitando todos os envolvidos, inclusive, a própria profissão do jornalista. Isso é algo que as IAs não fazem. Com isso, o risco está na tentativa de substituir a inteligência humana pela artificial onde não cabe”, pontua Dowling.
Antônio Netto, jornalista e especialista em marketing, avalia como positiva a utilização das tecnologias como um apoio para os repórteres, durante suas rotinas de trabalho. O profissional, que por anos atuou como professor de jornalismo, conta que já indicou o uso de inteligências artificiais para seus alunos, mas ressalta que é necessário usar com atenção e revisar o que foi feito pelas ferramentas.
“Recentemente, no prêmio de jornalismo da ABAPA de 2023, fizemos uma série de entrevistas com várias pessoas durante uma imersão nessa visita técnica nas fazendas, lá em Luís Eduardo Magalhães. Esse enorme volume de gravações demoraria horas para a gente fazer toda a decupagem, ouvir e digitar tudo. O uso de algumas ferramentas como o Pinpoint, que o próprio Google disponibiliza, são ferramentas que te ajudam a fazer essa decupagem de texto com mais agilidade”, compartilhou.
Indo por outro viés, Osvaldo Barreto, jornalista do Portal Salvador FM e do Jornal A Tarde, enxerga que essas ferramentas devem ser utilizadas nos processos de análises de dados e verificação de fatos. Os algoritmos são utilizados para processar grandes informações em tempo recorde. Nesse sentido, os algoritmos já são utilizados em sites de notícias, quando são analisados milhares de artigos para classificá-los em categorias e entregar esses artigos para os usuários.
Barreto afirma que o jornalismo utiliza essa categorização diariamente, principalmente nos portais de notícias, com a utilização do SEO (sigla em inglês para Otimização para Mecanismos de Busca), que são um conjunto de técnicas que ajudam um site a aparecer nas primeiras posições dos resultados de busca do Google e de outros mecanismos de pesquisa. “Tudo isso faz parte do processo de avanço tecnológico dentro da comunicação”, conclui.
Em relação ao uso das ferramentas de inteligência artificial na personalização de conteúdo para diferentes públicos, Renan Pinheiro, repórter do Globo Esporte da TV Bahia, afiliada da Rede Globo no estado, conta que já se encontra presente em diversas fases.
“No jornalismo online, por exemplo, você entregava uma página ou um hot site, como se falava antigamente, personalizado com os assuntos de interesse da pessoa que está clicando. Hoje se fala muito na transformação da televisão, por exemplo, na oferta de conteúdo. É você personalizar, é dispor na tela os conteúdos que são mais importantes para a pessoa. Então, essa utilidade pode ser notada rapidamente. É a capacidade de você, sim, personalizar, entendo que essa personalização é muito útil para o trabalho de entrega de conteúdo”, afirma Pinheiro.
Ainda no artigo de Gutiérrez-Caneda, Vázquez-Herrero e López-García, são abordadas outras funcionalidades das IAs dentro das redações, e do fazer jornalístico em si, apontando se a ferramenta consegue, ou não, realizar a função. Dentre elas, está uma parte fundamental para um texto jornalístico – independentemente se for nota, reportagem, entrevista – o título.
É a partir do título que o leitor vai ter sua atenção capturada pela matéria. O título precisa transparecer a mensagem e o conteúdo a ser passado, de forma a chamar a atenção e, ainda, ficar de maneira harmônica com o todo. Essa é uma função que a IA, como o ChatGPT, seria capaz de realizar a partir da análise e síntese do texto, mas tem que se manter a cautela para o título não ficar muito extenso.
Por outro lado, em criação de textos no geral, a IA enfrenta um problema, ela pode inventar informações que não possui. Portanto, é importante ter isso em mente na hora de solicitar alguma função que envolva a criação de textos. Em notícias, a ferramenta consegue produzir o texto com base nas informações que você concede, mas pode inventar informações e não contará com o mesmo tratamento dos fatos e humanização que um jornalista traz para a produção.
Inteligência Artificial e a ética jornalística
Para que a utilização de ferramentas de IA seja utilizada de maneira benéfica, segura e correta, é preciso estabelecer um bom relacionamento com a ética jornalística. Com isso, a tecnologia tem que avançar para aumentar a garantia que as informações disponibilizadas e geradas pelo ChatGPT, por exemplo, sejam imparciais e verdadeiras, sem que o recurso invente fatos para a construção do texto. Esses ajustes também podem ser feitos pelo usuário, através de um uso consciente e ético.
“Tanto para IAs como para qualquer tecnologia inserida na comunicação, deve haver o respeito à veracidade, precisão, imparcialidade, independência. Outro ponto importante, é que não deve ser a tecnologia que deve determinar a linha editorial de um veículo, mas as decisões devem ser humanas”, reforça Osvaldo Barreto.
É exatamente esses riscos, que ficam propícios a acontecer quando se perde a humanização do trabalho, que Renan Pinheiro enxerga na utilização da IA. “Quando você usa de maneira desmedida e você exagera, entregando a máquina, o trabalho, que tem uma marca pessoal, que tem uma marca subjetiva”, comenta. Além disso, o repórter também ressalta a importância de saber dosar o quanto e quando você entrega à máquina.
“O robô que está operando pode fazer algumas considerações que podem ferir eticamente alguém, pode expor alguém, pode atingir a honra de uma determinada pessoa. Então passa muito pela resposta anterior. Eu uso controlado em doses corretas para que você não possa ferir a honra, como eu disse, de algum cidadão, de alguma pessoa, enfim”, pontua.
Netto destaca que independentemente de qual ferramenta e de qual meio de comunicação esteja em pauta, a ética jornalística precisa estar ali presente. Existiu um processo de evolução desde o impresso para o rádio, para a TV, e agora nessa área digital, essa infinidade de ferramentas de inteligência artificial podem entrar como apoio ao trabalho do jornalista. “Não acho que seja ruim, agora realmente a ética jornalística precisa ser sempre preservada”, reforça.
Para o ex-professor, as IAs são muito boas para um auxílio no processo produtivo e na rotina do profissional, mas ao focar no trabalho do jornalista em si, é preciso ter muita cautela. “Tem muito jornalista que usa, por exemplo, ferramentas como o ChatGPT para escrever um texto jornalístico e não se atenta que, muitas vezes, ferramentas como essa inventam fontes, inventam informações, inventam dados”, alerta.
O especialista em marketing ressalta que a IA não substitui um trabalho de apuração, um trabalho de levantamento de dados, um trabalho de entrevistas, efetivamente, com fontes, e muito menos a habilidade de contar histórias.
“O jornalista que olha para isso e pede para uma ferramenta escrever um texto para ela de uma forma muito simplificada, vai receber um texto superficial. Vai ser um texto muitas vezes sem apuração, muitas vezes escrito de uma forma errada. Isso porque a técnica jornalística é aquela que se aprende efetivamente no ambiente universitário e na prática do ‘mão na massa’ e do trabalho diário da profissão”, conclui Antônio Netto.
*Contribuíram para a produção da reportagem: Leonardo Góes; Rafaella Reina; Vinícius Daniel
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