Conheça um pouco sobre a trajetória de descoberta e celebração da identidade agênero.
Por Catharina Almeida
Revisado por Louise Santos
Hoje, 19 de maio, é celebrado o Dia do Orgulho Agênero. Estabelecido pela primeira vez em 2017, a data comemora a identidade de pessoas que não se identificam com nenhum gênero, além de promover uma maior conscientização sobre o tema.
Diferente de homens e mulheres trans, que não se identificam com o gênero designado ao nascimento e transicionam para um ou outro, a pessoa agênero tem a ausência total de gênero como identidade.
Apesar de ser entendida como uma rejeição ao conceito de gênero, a ageneridade é considerada parte das identidades não-binárias: identidades de gênero que se opõem à dicotomia de masculino e feminino, incluindo ideias como a fluidez de gênero ou identidades mistas.
No país que mais mata pessoas trans e travestis no mundo, segundo o Dossiê Assassinatos e Violências contra Travestis e Transexuais Brasileiras da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), a educação e respeito são imprescindíveis para a causa. Para Lótus Inaiê, de 23 anos, ser agênero é mais do que uma identidade, e sim, um posicionamento.
“Para mim, ser agênero é me posicionar social e politicamente diretamente contra a estrutura de ‘gênero’ que existe em nossa sociedade, além de não desejar que esses conceitos interfiram em quem eu sou ou em como as pessoas me veem”, explica Lótus, que utiliza os neo pronomes ile/dile.
“Meu processo até eu me entender e posicionar enquanto agênero foi bem tranquilo porque eu já tinha muito conhecimento sobre a vivência na comunidade trans, então foi mais sobre prestar atenção em mim e em como eu me identifico nisso. Foi um processo de autoconhecimento”, diz.
Desde criança, Lótus questionava a ideia de que deveria ser obrigatoriamente feminine ou masculine – algo que ile atribui em parte a seu autismo. “Enquanto pessoa autista, minha percepção de normas sociais é atípica, e isso sempre se refletiu no meu comportamento. Não foi exatamente um ‘eu sabia que eu não era cis’, era mais um ‘pra que eu vou pensar sobre isso se nem faz sentido?’”, completa.
Lótus utiliza o termo ‘cisgênero’, que se refere a pessoas que se identificam com o gênero designado ao nascimento. Para ile, a resistência em aceitar esses papéis é o primeiro passo que leva a um entendimento maior sobre si mesme: “Eu primeiro me percebi fora do binário para em seguida concluir logicamente que não sou cis.”
A comunidade não binária vem ganhando espaço nas discussões de gênero e diversidade – particularmente no mundo artístico. Celebridades como Katy Perry, cantora pop, e Bella Ramsey, atriz em The Last of Us, se identificaram publicamente como não-binários no passado. Apesar disso, Lótus reforça a necessidade de maior conscientização.
“A falta de informações não é uma crença, é um fato: a maioria das pessoas em nossa sociedade nem conhece o termo “não-binariedade”, quanto mais seu significado. O patriarcado enquanto estrutura faz desse desconhecimento um projeto e cabe a nós mudar isso”, ile completa.
A ideia de que só existem duas possibilidades de gênero, masculino e feminino, e que esses gêneros são definidos ao nascimento de acordo com a genitália são entendidos como a binaridade de gênero. Para o psicólogo clínico Ian Andrade, de 26 anos, esses conceitos não se encaixam com a complexidade da experiência de gênero.
“O processo de constituição de uma identidade se trata de uma combinação entre diferentes fatores como biológicos, psicológicos e principalmente dos atravessamentos sociais. Nas últimas décadas, tem-se observado transformações nos papéis de gênero, que até então eram tidos como modelos estáveis e hegemônicos, em uma compreensão binária a respeito dos conceitos de ‘homem’ e ‘mulher’ ”, explica o especialista, trazendo também o papel das sanções sociais na manutenção dessas ideias.
“No entanto, podemos perceber que essas categorias nunca abarcaram as diferenças existentes no mundo, que a depender do lugar que ocupava nos laços sociais, eram reguladas, patologizadas e medicadas, para que sua diferença não se torne uma perturbação à moral tradicional”, afirma.
A diferença entre gênero e sexo biológico é também explicada pelo psicológico, que reforça o caráter distinto desses conceitos. “O termo sexo é proveniente do discurso biomédico, se tratando de um conjunto de processos biológicos que se baseiam nas características fisiológicas que diferenciam os sujeitos. Enquanto o gênero trata-se da forma como os papéis e identidades são distribuídos em uma determinada sociedade, moldada por questões psicossociais, enfatizando a forma como o sujeito se vê e se percebe nessas diferenças”, explica.