Por Luis Leite
Não é de hoje que a Netflix domina o mercado audiovisual, sendo responsável por algumas das produções de maior sucesso dos últimos anos. Seu crescimento, entretanto, parece ter se chocado com outra esfera importante da arte: o cinema.
A discussão sobre o quanto a Netflix ofuscaria e atrapalharia o formato tradicional de cinema, começou com a indicação de “Roma”, filme do diretor mexicano Alfonso Cuáron e produzido pela plataforma, aos principais prêmios de cinema do mundo, incluindo o Oscar e o Globo de Ouro. No dia 24 de fevereiro, Roma levou três estatuetas no Oscar: a de Melhor Diretor, Melhor Fotografia e Melhor Filme Estrangeiro.
O estopim do conflito, entretanto, ocorreu quando o site Vulture fez um levantamento, especulando que a Netflix gastou entre US$ 40 milhões e US$ 60 milhões em publicidade para o filme. Foi aí que o cineasta Steven Spielberg (Jurassic Park, E.T.) iniciou um boicote ao serviço no streaming e sugeriu que sua participação em premiações fosse dificultada. Entre os argumentos, estavam a discrepância no orçamento para campanhas, já que outros estúdios não tem o mesmo poder aquisitivo da plataforma, e a injustiça de “Roma” poder ser assistido diretamente em casa, sem ser necessário deslocamento por parte do espectador.
O debate contou com respostas da Netflix em seu twitter oficial, que postou a respeito da dificuldade financeira que muitas pessoas têm de ir ao cinema, e que, com o streaming, diretores tem mais jeitos de compartilharem sua arte. Foi o mesmo dito por Alfonso Cuáron em coletiva de imprensa em janeiro: “Quantos cinemas você acha que passariam um filme mexicano, em preto e branco, falado em espanhol, que é um drama sem grandes estrelas? Quão grande você acha que seria um lançamento convencional?”
Toda a polêmica lembra discussões que se tornaram convencionais em períodos distintos: o medo de que a televisão exterminasse as rádios, assim como o próprio cinema que já foi acusado de ser a morte do teatro. A questão é que toda forma de conteúdo tem seu auge, mas em momento algum se anulam. O teatro não é tão popular quanto outrora, mas ainda tem consumidores fiéis e tornou-se um nicho de cultura respeitável. Mudar as formas de se produzir obras audiovisuais não apaga a relevância e grandeza do cinema, apenas o adapta para uma nova realidade.
Ao mesmo tempo, o debate oferece uma nova perspectiva às discussões sobre democratização da cultura. Os pontos de Cuáron e da Netflix são válidos, uma vez que trazem para o grande público um tipo de produto que nunca rendeu tanto dinheiro quanto filmes de super-heróis, e que diversifica cada vez mais o mercado audiovisual.
Muitas são as pessoas que não moram perto de cinemas ou não tem verba para consumir esse tipo de entretenimento, e com filmes como “Roma”, elas ganham a possibilidade de ter acesso a um estilo de produção mais sensível e reflexivo, e que, porque não, intelectualiza a sociedade? A Netflix não está desrespeitando o cinema ao produzir bons filmes e levá-los às premiações, está apenas adequando-o a uma sociedade mais inclusiva. E de que maneira isso pode ser prejudicial?