Convencer editoras e leitores de que a história é atrativa tem sido um dos principais desafios enfrentados pelos autores
Por Sued Mattos
Revisão: Antônio Netto
Com faturamento de 5,5 bilhões somente em 2022, segundo levantamento do Nielsen Book, o mercado editorial brasileiro tem sido promissor para editoras e escritores nacionais. Apesar disso, autores quem compõem a comunidade LGBTQIAPN+ ainda enfrentam dificuldades para se inserirem nesse mercado, mesmo existindo atualmente uma demanda expressiva pela literatura produzida por esse grupo social.
Mesmo com muitos autores espalhados pela Bahia, o polo de produção editorial ser concentrado no eixo Rio-São Paulo é um dos principais entraves para que escritores nordestinos, e de outras regiões do país, consigam ter a visibilidade que tanto buscam.
Deko Lipe, baiano e autor do livro O amor cura a ressaca, expõe que apesar das redes sociais e da possibilidade de crescimento profissional através da internet, o fato dele não estar localizado nas grandes cidades faz com que muitas editoras não valorizem o seu trabalho.
“Estar nesses dois recortes em ser nordestino e ser gay, a primeira parte mais difícil é furar uma bolha que insiste em nos marginalizar. A parte mais difícil é convencer as pessoas que estamos produzindo e existe responsabilidade com que estamos produzindo”, desabafa o escritor.
Samuel Gomes, autor do livro Guardei no armário: Trajetórias, vivências e a luta por respeito à diversidade racial, social, sexual e de gênero, explica que convencer as editoras e pessoas que não vivenciam essa realidade de que aquela história produzida por escritores LGBTs é interessante, é um dos principais desafios.
“A minha maior dificuldade em ser um escritor LGBTQIAPN+, foi conseguir ultrapassar a barreira do preconceito, da LGBTfobia, de você querer contar uma história e você convencer pessoas heterossexuais cis que é uma história interessante, que toca as pessoas”, relata Gomes.
O mercado
Nos últimos meses alguns títulos se tornaram verdadeiros fenômenos do mercado editorial. Livros como Heartstopper, Conectadas, Vermelho, branco e sangue azul, Enquanto eu não te encontro, e tantos outros títulos de autores LGBTs tem ganhado o coração de jovens e adultos. O primeiro livro citado, figura em 1º lugar no ranking dos mais vendidos na categoria Literatura e Ficção para Adolescentes: HQs e Graphic Novels da Amazon.
Deko Lipe, vê o atual momento do mercado editorial com animação. Segundo ele, algumas editoras baianas já estão começando a se mobilizarem para publicar livros e coletâneas produzidas pela comunidade.
“A gente percebe que está tendo esse movimento, que existem pessoas interessadas e que tem gente produzindo. Mas tem editoras que são um pouquinho maiores que não tem um movimento tão específico [para autores LGBTs]. Existem autores que são da comunidade, mas que [as editoras] não dão uma notoriedade nisso. Não há uma ênfase, essa luz que a gente precisa ter para conseguir as coisas”, explica Lipe.
Samuel Gomes, acredita que hoje o mercado está muito mais promissor do que quando ele começou. Para ele, muitas editoras estão demonstrando interesse nesse tipo de narrativa já que os stands e feiras literárias que contam com a participação de autores da comunidade, sempre atraem um número significativo de leitores.
“Eu acredito que o mercado daqui a mais um tempinho estará muito mais aberto. Eu acredito que a gente precisa ter uma Feira do Livro LGBT. A gente precisa ter isso na FLIP, na FLIPOP, na Bienal do Livro e nos espaços dedicados a literaturas LGBTs”, defende Gomes.
Tendências e mudanças
A literatura independente é uma das principais formas que os escritores LGBTs tem encontrado para divulgar e vender seus trabalhos. Iniciativas como venda de e-books em sites como a Amazon, são uma das alternativas para baratear o custo de publicação de livros físicos e ao mesmo tempo expandir o público-alvo.
Em contrapartida, a comunidade LGBT possui pouca representatividade em espaços de poder como grandes editoras e espaços em grandes feiras literárias.
“Eu acredito que o primeiro passo seja entender que há essa escassez de pessoas LGBTQIAP+ produzindo e atuando dentro de grandes espaços, de grandes festas literárias, sabe? Dentro de editoras tradicionais. Fazer com que a gente consiga adentrar grandes espaços, é a parte mais difícil”, relata Deko Lipe.
Samuel Gomes, acredita que a adaptação de obras produzidas pela comunidade pode ser uma estratégia para ganhar mais visibilidade.
“A partir do momento que essas histórias já contadas em livros, possam ser contadas em outros lugares como teatro, cinema, ser adaptado para algum núcleo de alguma novela. Dessa forma a gente consegue expandir ainda mais a mensagem e fazer com que as pessoas se sintam muito mais interessadas e, principalmente, sermos chamados para participar de todas as rodas de conversa”, sugere Gomes.
Rede de apoio
Uma das estratégias utilizadas pelos autores é se agruparem com o intuito de divulgar obras produzidas pela comunidade. Principalmente visando o retorno econômico para o desenvolvimento da própria comunidade LGBT.
Deko Lipe conta que a grande parte dos escritores não conseguem viver somente da literatura.
“A literatura é essa potência em que além de nos dar voz, nos dá também esse retorno. O que a gente precisa é alcançar mais pessoas, para que nossos livros sejam mais consumidos e desta forma faça com que um dia a gente consiga viver de literatura, porque a literatura em si é muito difícil de ser consumida e de dar esse retorno [financeiro] para os escritores”, desabafa o escritor.
Samuel Gomes afirma que a parceria de autores com marcas pode ajudar nesse processo de divulgação.
“A nossa vivência enquanto brasileiros LGBTs é única. Nós somos o país que mais mata transsexuais e travestis no mundo. Nós somos o país mais duro com pessoas LGBTs, então a gente precisa estar nesses lugares, nós precisamos de mais visibilidade. O único jeito disso acontecer é que esses autores também consigam ter parcerias com marcas, com empresas que ajudem nessa visibilidade”, conclui Gomes.