Profissionais relatam descaso e desvalorização. Especialista explica a fonte dessa invisibilidade social
Por Camilly Paschoal
Revisão: Carolina Pena
Faxineiros e domésticas são responsáveis por manter a limpeza de locais públicos e privados da cidade. Apesar de possuírem papel essencial na saúde pública, ambos não são reconhecidos como deveriam.
A totalidade dos empregados domésticos no Brasil reúne uma população maior que a da Dinamarca, registrando mais de 6 milhões de domésticas, segundo pesquisa realizada pelo IBGE para a Organização Internacional do Trabalho (OIT), em 2017.
“Meu trabalho é muito importante. O que seria das pessoas se não tivessem as diaristas para deixar sua casa limpa e perfumada? Pense aí”, questiona a doméstica Edinalva Conceição.
“Onde trabalho, é muito importante a limpeza todo dia, porque é uma clínica e as coisas têm que ficar limpas para os médicos, para os pacientes”, observa Célia Souza, faxineira da uma clínica médica.
E mesmo trabalhando há 19 anos como faxineira, Souza relata a indiferença que sente.
“Sempre vejo uma indiferença na hora de cumprimentar a gente, não é a mesma coisa de como falam com os médicos”, relata a faxineira. “Ficaria feliz se esse tabu fosse quebrado”, completa.
A higienização adequada de ambientes clínicos e hospitalares é indispensável para diminuir as chances de uma pessoa se contaminar com vírus e bactérias. Ainda assim, a profissional desabafa: “muita gente não valoriza nosso trabalho, só os dos médicos. Mas o meu também é importante, tenho muito orgulho”.
Não é assim que grande parte da sociedade enxerga este trabalho. Para esclarecer a raiz do problema, Murillo Mello, professor de história e criador de conteúdo, explica que “a desvalorização do trabalho manual é uma construção histórica, que acontece desde os primórdios na Grécia antiga”.
“[O trabalho manual] era visto como algo animalesco”, relata o docente. “Profissões como político e professor eram mais valorizadas, pois exigiam uso do trabalho intelectual”. Vale ressaltar que só a elite tinha acesso aos materiais de estudo.
Conceição, doméstica há 20 anos, trabalha atualmente em três casas e gosta de como é tratada: “sou feliz com meu trabalho porque quando termino de limpar o pessoal elogia. Todos que eu trabalho me respeitam e respeito eles também, são educados e agradeço por meu trabalho.”
PEC das domésticas
No ano de 2013, foi instituída a “PEC das domésticas”, proposta de Emenda Constitucional nº 72 da Constituição Federal para estabelecer às empregadas direitos trabalhistas iguais aos de trabalhadores com carteira assinada (em regime CLT), urbanos e rurais.
Em 2015, foi adicionada a lei complementar nº 150, com intuito de deter a exploração e dar mais amparo e formalização ao emprego, segundo a presidência da república.
Conceição afirma que quer mudança em relação ao trabalho. A trabalhadora atesta que, de fato, muitos empregadores exigem que domésticas e diaristas trabalhem mais e por mais horas do que recebem.
“Limpeza é uma coisa, cozinhar, passar roupa, é outra. Quando a gente trabalha, às vezes a pessoa acha que a gente tem que fazer tudo de uma vez, mas não tem como”, conta a doméstica.
A PEC serve para qualquer pessoa maior de 18 anos que trabalhe em ambiente residencial. A Emenda, porém, não inclui diaristas, apenas empregados domésticos.
Cultura e o Comportamento da Sociedade
No Japão, crianças são postas para limpar e organizar sua escola. Essa prática forma cidadãos mais conscientes, que valorizam seu patrimônio e olham com mais empatia aos trabalhadores que desempenham este papel.
“Isso revela algumas caraterísticas de cada sociedade”, comenta Mello. O historiador destaca que, no país asiático, o serviço é mais caro e por isso é mais valorizado — só quem é rico consegue contratar. A cultura de limpar a própria casa faz com que japoneses, em geral, valorizem mais o ofício.
“Na copa que teve aqui no Brasil, [turistas japoneses] cuidavam dos estádios e limpavam o que sujavam”, lembra o professor e YouTuber.
Sobre a cultura brasileira, o historiador completa: “nós herdamos uma influência ibérica de viver como nobres, de ter vários funcionários para recolher nosso lixo, e isso é devido a desigualdade da Espanha, de Portugal. Isso foi transferido para o Brasil”.
O especialista ainda observa que “com a chegada dos europeus, os indígenas se sujeitavam a qualquer tipo de serviço porque tinham condições parcas (desiguais)”.
Ainda assim, Mello é otimista. “Eu acho difícil mudar agora essa visão por completo, mas, por incrível que pareça, cada vez mais a gente tem um pouco mais de empatia pelo outro”, afirma.
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