O dia 13/05 não é apenas uma data de protesto, mas um marco dentro de um conjunto de lutas, derrotas, conquistas e vitórias na história de tantos afrodescendentes
Por Jéssica Nobre
Revisão: Fernanda Abreu
Nesta quinta-feira, 13 maio, comemoramos os 133 anos da Abolição da Escravatura no Brasil, data bastante simbólica, mas que representa uma luta permanente da comunidade preta diante dos impactos brutais enfrentados até hoje.
Segundo um relatório do Grupo de Trabalho da Organização das Nações Unidas (ONU), para Afrodescendentes, realizado após visita ao Brasil em 2013, o país recebeu 40% dos estimados 10 milhões de africanos escravizados trazidos para as Américas, tornando-se o último país do continente a abolir a escravidão, em 1888.
Torna-se compreensível, assim, entender o porquê do espaço dessa comunidade ter sido negado por tantos anos pela sociedade brasileira. A abolição da escravatura foi insuficiente para esta conquista libertária.
Por outro lado, não se pode negar os avanços relacionados a posição do povo preto, conquista esta resultante do seu próprio trabalho e mobilizações.
Dos significados práticos e simbólicos do dia 13
A simbologia por trás da abolição da escravatura está muito estruturada no ato de resistência dos pretos, mas que na prática foi representada por um processo político altamente violento, havendo resquícios até hoje enfrentados.
“Distorceram o significado do dia 13 de maio. Esse dia foi resultado de muita luta. Não se pode pensar que foi apenas uma Lei instituída por uma princesa. No entanto, é um dia importante sim. Deve ser discutido e problematizado”, aponta o historiador baiano Jaime Nascimento, membro do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia.
No entanto, na prática, a liberdade simbolizada por esse dia representou um processo de abandono da sociedade perante os pretos, colocando-os na condição de vulnerabilidade. Por isso, ainda existe uma negação à cultura e às garantias, como educação e saúde.
De acordo com o psicólogo Paulo Cardoso (39), mestre e doutorando em educação pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), “para um preto mudar a sua realidade, ele tem que fazer dois movimentos, o da consciência dos aspectos sociais e econômicos que está sobre ele e, o segundo, continuar esse movimento de luta.”
Ocorre que, muitas vezes, o fato de alguém fazer parte de uma comunidade preta não faz aquele que está ali inserido, ser consciente dessa causa e, muito menos, consciente do racismo. “É por isso que a luta deve ser constante”, afirma Cardoso.
Dos desafios enfrentados contra o racismo
Entre lutas e vitórias, os afrodescendentes ainda sofrem com o racismo e com a cruel diferença estrutural imposta pela história do país. Porém, muitas vezes, esse racismo não é identificado com tanta facilidade e passa despercebido.
“Eu venho de uma família indígena e quilombola de Camamu. Provavelmente estive envolvido em alguma situação de racismo, mas não consegui identificar aquilo como racismo. Talvez pelo fato de não sermos ensinados a observá-lo. Eu cresci em um contexto de uma cultura euro-centrada e cristã, apesar da minha origem”, explica Cardoso.
Porém, de acordo com o profissional, ele carrega consigo muitas experiências compartilhadas por seus alunos, vítimas de racismo, e que até hoje deixam marcas profundas.
Essas marcas também fazem parte da vida de Verônica Santana (45), produtora artística, que foi vítima de racismo dentro de uma das maiores redes de supermercados de Salvador.
“Eu nunca tinha sido vítima de racismo. A gente vê isso acontecer com os outros na televisão, e pensa que vai agir de uma forma, mas quando acontece na pele, você fica sem chão. A gente nunca foi criado para saber lidar com uma situação dessa”, afirma a produtora, que aguarda a conclusão do processo judicial que move contra o estabelecimento.
Nesse período, Verônica teve um grande suporte do Centro de Referência de Combate ao Racismo e à Intolerância Religiosa Nelson Mandela, em Salvador, que acolhe vítimas como ela e proporciona todo um suporte terapêutico no enfrentamento do racismo.
“Tem situações que ficam claras que seja racismo, outras subtendidas. Ser seguido no supermercado já se normalizou para mim, se eu fosse me importar com todas as vezes que fui constrangido a isso, toda semana seria um desgaste, porque acontece o tempo todo”, compartilha também o professor Jaime Nascimento.
As conquistas dos brasileiros afrodescendentes
As vitórias e conquistas do povo preto, bem como a valorização da sua identidade, caminham juntas. Após 133 anos da abolição, são muitas as lutas que ainda deverão ser enfrentadas em prol de uma sociedade equânime, mas em muito tem mudado.
“Minhas conquistas são relacionadas à educação. Vir para uma capital com o objetivo de estudar não foi fácil, precisou de muita luta, muita resistência e muita ajuda. Consegui muita coisa em razão da generosidade das pessoas, do coletivo, muito pretos e brancos. Precisei de muita resistência, perseverança e generosidade das pessoas”, aponta Paulo Cardoso.
Nesse mesmo sentido, o professor Nascimento afirma que a educação também foi o seu grande pilar para suas conquistas profissionais e pessoais, nas quais sempre fez questão de enaltecer a cultura preta, nunca se deixando abater pelos preconceitos vividos diariamente.
“Eu tenho trabalhado muito para rememorar Manuel Querino, primeiro homem preto vereador de Salvador. O que eu mais queria era fazer uma homenagem a ele. Em 2009, editei alguns livros que eram reedição de textos que ele publicou, comentados por alguns especialistas. Quando eu consegui patrocínio para meu livro, eu chorei. Foi a realização de uma vida”, comenta emocionado o historiador.
Por outro lado, das lutas enfrentadas pelo preconceito, Verônica Santana transformou a dor e a raiva, em arte. Sem pretensão, mas com a ajuda de diversas pessoas, criou o Projeto Africanidade Afro Meji, que ajuda crianças a enfrentarem o racismo diariamente. Esse projeto tem sido a sua cura.
“O objetivo do projeto é que essas crianças tenham mais oportunidades, sejam vistas de maneira diferente. Todas as vidas são importantes”, frisa Santana.
Com o sucesso do Projeto, a produtora já fez diversas parcerias em todo o Brasil e só tem crescido. Inclusive, com as crianças da Africanidade Afro Meji que já estão atuando em ações internacionais.
Toda a luta enfrentada pelos pretos da época da Abolição da Escravatura, permanece. Mas agora a tentativa de enfrentamento é em prol de uma reparação definitiva. A dificuldade pela ascensão social e pela falta de condição estrutural permanecem na sociedade.
Entender o dia treze de maio é rejeitar qualquer possibilidade de retroceder, é rejeitar o racismo, é lutar pela dignidade e direitos iguais e impedir que o período mais cruel da história retorne.
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Produção e coordenação de pautas: Márcio Walter Machado