Moradores, religiosos e artistas protestam contra a construção de uma Estação Elevatória de Esgoto às margens da Lagoa
Por Lavinia Rabat e Rafaela Paixão
Revisão: Antônio Netto
O Governo do Estado da Bahia está realizando uma série de intervenções na região em que fica um importante patrimônio cultural do estado e um dos principais pontos turísticos de Salvador, a Lagoa do Abaeté.
A operação de direcionamento do esgoto, das fossas sépticas existentes na Lagoa para uma rede coletora, promete uma Estação Elevatória de Esgoto (EEE) para conter extravasamentos.
Para além disso, serão instalados ainda geradores para manter o equipamento funcionando, no caso de falta de energia, e um sistema de alarme operacional, se houver parada nas bombas.
As intervenções são executadas pela Secretaria de Desenvolvimento Urbano do Estado (Sedur), por meio da Companhia de Desenvolvimento Urbano (Conder). A construção foi autorizada pelo órgão licenciador, o Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Inema), que é o responsável pela gestão do Parque Metropolitano Lago as e Dunas do Abaeté.
Em entrevista, o presidente da Conder explicou que “a estação substitui um sistema arcaico por um novo, totalmente automatizado, com garantias, com bombas, inclusive reserva, formando uma blindagem para que a operação executada pela Embasa possa ocorrer de forma segura, evitando lançamento de detritos no manancial”.
Manifestações
O local é ponto turístico e religioso da capital baiana. Nesse sentido, moradores do bairro de Itapuã, em Salvador, e grupos religiosos realizaram vários protestos com cartazes, instrumentos e palavras de ordem, no decorrer do mês de outubro para a paralisação imediata da obra.
Em meio às polêmicas envolvendo a construção da estação, o Ministério Público da Bahia (MP-BA) deu um parecer favorável à obra.
A promotora de Justiça Ana Luzia Santana afirmou que, com base nos estudos e vistorias feitas pela Central de Apoio Técnico do MP (Ceat), a obra contribuirá para a preservação do ecossistema do Abaeté e vai possibilitar maior durabilidade dos recursos hídricos para as próximas gerações.
Um olhar técnico
O engenheiro ambiental Gabriel Barros esclarece que a Estação Elevatória de Esgoto, não faz o tratamento do esgoto, e sim a passagem desses efluentes.
“O sistema conta com três fossas sépticas que servem para agregar o esgoto da população da região, sempre existindo o risco de extravasamento para a Lagoa. Surge então a necessidade de ajuste do sistema de saneamento da região. Essa estação bombeia o esgoto para a distribuição até a Estação de Tratamento de Efluentes (ETE)”, explica Barros.
Ainda de acordo com o profissional, é um sistema utilizado e essencial para áreas de difícil acesso, que não se leva o esgoto por gravidade, necessário para a condução do esgoto até a ETE.
Quando questionado sobre os impactos ambientais, o engenheiro relata casos de extravasamento de ETE, causados por problemas nas bombas.
“Além disso, pode-se citar o mau odor causado pela grande quantidade de efluentes no local e a questão visual, já que se trata de um projeto com muitas estruturas de concreto, que não são atraentes”, conta Barros.
Mais um aspecto comentado, que está de acordo com os protestos dos moradores da região, diz respeito a história e representatividade do local, que será afetada pelas estruturas de concreto, e o impedimento do serviço ecossistêmico e cultural, visto que o local é um espaço para atividades culturais e religiosas.
Barros comenta também que o MPF já liberou a obra com solicitação de adequações no projeto e que existem opções menos agressivas ao meio ambiente.
O engenheiro cita as chamadas Wetlands: tanques com plantas aquáticas para a degradação do esgoto. “São projetos que demandam muito planejamento e alguma manutenção. Entretanto com menos impactos ambientais e visuais. Seria uma possível solução para o problema do esgoto na região do Abaeté”, afirma Barros.
Aberração e agressão ambiental
Eric Pereira, morador de Itapuã e candidato a vereador, sintetiza o sentimento dos protestantes perante a obra nesta frase.
Apesar disso, reforça a importância da requalificação do saneamento básico local. Para ele, existe a necessidade de melhorias no que tange o saneamento, entretanto, reforça que existem alternativas mais adequadas a uma área de preservação ambiental.
“A luta continua para proteção deste patrimônio cultural, ambiental e ancestral que é a Lagoa de Abaete”, declara Pereira.
Preservação Cultural e Ancestral
Segundo o líder candomblecista, Carlos Santos, iniciado para o Orixá Oxaguiã, desde que recebeu a notícia da construção da EEE, “foi um choque para a comunidade religiosa e do entorno da Lagoa”.
O lugar serve para o lazer e culto para os praticantes do candomblé. “A região é local de culto à natureza e aos orixás, que são elementos da natureza, em especial a água”, destaca Santos.
Os impactos da construção no aspecto religioso, diz respeito a forma de cultuar. Para os religiosos, as águas são sagradas, a Lagoa do Abaeté é um local de oferendas, rituais e agradecimentos aos orixás.
Para o líder religioso, a construção da estação de esgoto nesse local impede as atividades de serem realizadas, pois irá se tratar de uma água contaminada pelo esgoto da EEE.
“A obra impede que cultuem a natureza virgem, onde a água é limpa, envolvida por mata e por vida”, declara o candomblecista.
O religioso chama a ação de “crime”, devido a falta de consulta da população local que utiliza e frequenta os entornos da lagoa. “Mesmo diante de tantos protestos, as obras continuam acontecendo por isso os protestos e manifestações também continuarão”, afirma Santos.
Movimento Artístico
“Lagoa escura de areia branca”, assim Dorival Caymmi chamava a Lagoa de Abaete em uma de suas músicas, eternizando o lugar.
Artistas como Jorge Vercílio, Margareth Menezes, Tonho Matéria, Zezé Motta e Guilherme Arantes mostraram insatisfação com a obra na Lagoa do Abaeté.
Em suas redes sociais, Caetano Veloso publicou um vídeo pedindo que o local fosse tombado como patrimônio natural e cultural de Salvador.
Confira o vídeo na íntegra