Foto: Instagram – Priscilla Porto
“Mudanças no ensino chegam para acelerar inclusão dos surdos na sociedade brasileira”
Por Gustavo Barreto
Revisão por Júlia Ma
Em 1857, uma época marcada por imperadores, monarquias e guerras, nascia a Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS), a língua que mudaria a história da comunicação entre surdos e ouvintes no Brasil. A transformação do mundo ouvinte deu lugar a desafios e novas possibilidades de integração dos surdos na sociedade moderna.
A educação dos surdos no país foi iniciada em 1857 com a criação do Instituto Educacional de Surdos (INES), por Dom Pedro II e o padre surdo francês Eduard Huet, sendo essa a primeira escola para surdos no território brasileiro. A vinda do padre trouxe a língua de sinais francesa para a região, sendo incorporada aos sinais já utilizados pelos alunos brasileiros. Após a junção, o sistema foi moldado até surgir a Língua Brasileira de Sinais que conhecemos.
O instituto possuía no currículo disciplinas de formação profissional, em formato parecido com as universidades atuais. A instituição enfrentava desafios em métodos letivos. Inicialmente na época da escravidão, apenas homens surdos eram aceitos, mulheres e escravos não tinham entrada garantida. As disciplinas misturavam o uso de sinais com instruções orais e leitura labial. Segundo Huet, as práticas eram inspiradas na língua de sinais francesa para que os alunos pudessem se comunicar plenamente entre si.
Por ser o único centro especializado na educação dos não ouvintes, o local também atraiu surdos dos EUA e da França, interessados em aprender a língua de sinais brasileira. O protagonismo só foi dividido após a criação da segunda escola nacional, o Instituto Santa Terezinha, fundado no ano de 1929, em Campinas, São Paulo. Mesmo com o nascimento de outras escolas, após 168 anos, o INES ainda é visto como referência para a comunidade surda, o simbolismo cultural e a revolução histórica consolidam essa escolha.
Já no século XXI, a comunicação entre português e Libras conhecida como educação bilíngue, marcada historicamente pelo uso forçado do oralismo, retrata o conflito entre duas línguas que conectam dois mundos distintos. O mundo ouvinte e o mundo dos surdos travaram grandes batalhas na imposição do português como primeira língua na população não ouvinte. As tentativas mal sucedidas fortaleceram a identidade surda no uso da LIBRAS como língua materna.

Foto: Instagram – Priscilla Porto
Em 2025, o bilinguismo atingiu conquistas significativas. Depois do reconhecimento legal de 2002 e da regulamentação da língua de sinais em 2005, a educação bilíngue passou a ser uma modalidade de ensino nas escolas e universidades, alterada pela lei nº 14.191 / 2021 que reconhece o método de aprendizado autônomo dos surdos. Nesse contexto, a Libras é classificada como primeira língua e o português escrito como segunda língua no grupo social acima.
A educação bilíngue para os mais de 10 milhões de surdos no Brasil, ainda vive a tentativa de impor o português como língua primária. Em escolas e faculdades, a falta de profissionais capacitados é um problema que contribui para a alfabetização de crianças e jovens não ouvintes, sem o uso da Libras como língua materna. A professora carioca e intérprete da língua de sinais formada pelo Centro Educacional Unintese, Priscilla Porto destacou o respeito à identidade da pessoa surda como principal modelo educacional no bilinguismo.

Foto: Instagram – Priscilla Porto
“O modelo educacional bilíngue, tem como aquisição a língua de sinais e o português escrito, como segunda língua. Quando a gente respeita isso, e entende que a pessoa surda é visual e necessita usar a língua dela, o bilinguismo acaba se tornando benéfico”, diz a professora.
“Algumas escolas desconsideram a língua brasileira de sinais e usam apenas o português, para depois aprender a Libras. Dessa forma, não é o bilinguismo da forma correta”, afirma a educadora.
Em seus mais de 20 anos de atuação na língua de sinais, Priscilla já viu e ouviu muitas histórias. Entre relatos de alunos e vivências pessoais, está uma enfermeira, aluna e protagonista de um momento que simboliza a importância da comunicação em Libras no mundo ouvinte.
“Tem um caso de uma aluna que não era surda, uma aluna ouvinte, médica, ela aprendeu a língua de sinais e em um dos plantões chegou uma paciente passando mal, com bombeiro… Ela foi chamada para fazer o atendimento, a paciente estava muito nervosa, ela sinalizou e a paciente contou que tinha sido violentada, tudo isso em língua de sinais. A médica voltou no bombeiro e explicou. Eles foram buscar, e quem tinha violentado era o padrasto”, conta Priscilla.

Foto: Instagram – Priscilla Porto
Colocar os surdos em evidência no mundo ouvinte é um dos grandes desafios para a educação brasileira. A intérprete ressalta a importância de exaltar os protagonistas da língua de sinais, os surdos. Para que de fato, possa existir uma via de conexão entre os dois mundos.
“Tem que fazer um trabalho de conscientização da sociedade em geral, colocar os surdos em evidência, não são os ouvintes que tem que estar no centro das informações. Apesar de ser uma professora ouvinte, eu entendo que o protagonismo da língua de sinais, é dos surdos”, pontua a intérprete.
Por fim, Priscilla chamou atenção para a importância dos novos educadores se despirem de preconceitos do mundo ouvinte. Para que possam pensar que a educação de surdos é transformadora, assim como a formação ouvinte. Dessa forma, podemos ter o crescimento de outras escolas de referência para surdos no Brasil, além do próprio INES.
