Foto: Midiã Lopes
Da busca por saúde ao consumo de tendências, o universo fitness redesenha hábitos e movimenta uma das maiores indústrias do país
Por Alexa Santa Rosa
Revisão por Kátia Borges
Nos últimos anos, o Brasil viu nascer uma nova cena urbana. Entre prédios, avenidas e bairros residenciais, multiplicam-se fachadas de vidro, letreiros luminosos e o som de esteiras em movimento. O país que antes era conhecido pelo futebol e pelo samba, hoje também é o país das academias. Em pouco mais de uma década, o número de estabelecimentos voltados à prática de exercícios físicos triplicou, passando de 19 mil em 2014 para mais de 56 mil em 2025, segundo o Panorama Setorial Fitness Brasil, produzido em parceria com a Ernst & Young (EY), uma das maiores empresas de serviços profissionais do mundo.
O crescimento impressiona: o Brasil se consolidou como o segundo maior mercado de academias do mundo, atrás apenas dos Estados Unidos. De 2019 a 2025, o número de alunos passou de 10 milhões para 15 milhões, e o faturamento do setor chegou a quase R$ 20 bilhões por ano. O que antes era um espaço voltado exclusivamente para o condicionamento físico se transformou em um verdadeiro fenômeno cultural, econômico e social.
Hoje, a academia é mais que um lugar para treinos, tornou-se um palco para estilos de vida e hábitos de consumo. Nos bastidores desse movimento, diversos setores têm se beneficiado: desde o mercado de influenciadores digitais e as marcas de roupas fitness, até o crescente universo da alimentação saudável, com as famosas marmitas fitness.
ALÉM DO ESPELHO
“Antes, eu ia para a academia para tentar mudar meu corpo. Hoje venho para cuidar da minha cabeça também. ”A frase é de Larissa Andreia, 29 anos, professora do ensino fundamental que frequenta uma academia de bairro em Salvador há quatro anos. Ela conta que o exercício físico se tornou um ponto de equilíbrio na rotina.
“Quando comecei, eu só pensava em perder peso. Mas, depois da pandemia, percebi que o treino é o momento em que eu desconecto do celular e cuido de mim. A academia virou meu refúgio”, avalia.
A história de Larissa reflete o comportamento de milhares de brasileiros que passaram a enxergar o espaço fitness de forma mais ampla. Entre halteres e aulas de spinning, cresce uma geração que valoriza o bem-estar emocional tanto quanto os resultados no espelho.
O período pós-pandemia marcou uma virada na relação das pessoas com o próprio corpo. A prática regular de exercícios passou a ser vista como aliada essencial na prevenção de doenças como diabetes, hipertensão e obesidade, além de contribuir para o bem-estar mental e para um sono mais reparador. A Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda pelo menos 150 minutos semanais de atividade física moderada para manter corpo e mente em equilíbrio.
Essa relação entre movimento e emoção é cada vez mais evidente. Ao liberar endorfina e serotonina, o exercício se torna um antídoto natural contra o estresse e a ansiedade. Em meio a rotinas intensas e a uma vida cada vez mais digital, a academia passou a representar, para muitos, um refúgio de autocuidado e superação.
Ainda assim, a estética continua sendo um forte impulso para frequentar esses espaços. A cultura do corpo perfeito, impulsionada pelas redes sociais, reforça a busca por resultados rápidos e transforma o “shape ideal” em símbolo de sucesso e disciplina. Com isso, o setor fitness se consolida como uma das indústrias mais lucrativas do país, movimentando bilhões com suplementos, roupas esportivas e planos personalizados.
Mas, por trás dos espelhos e das comparações, existe algo mais profundo: o desejo de se sentir bem. A academia, nesse contexto, torna-se também um palco de reconstrução pessoal, onde cada conquista, grande ou pequena, representa não apenas força física, mas também autoconfiança, identidade e pertencimento.
CORPO, CÂMERA E INFLUÊNCIA
Os influenciadores digitais desempenham um papel importante no atual cenário fitness. Nas redes sociais, vídeos curtos de treinos, dietas e transformações físicas dominam o feed e despertam o interesse de milhares de pessoas por um estilo de vida mais saudável.
Para alguns, o conteúdo é uma fonte de inspiração; para outros, um gatilho de comparação. “Comecei a treinar depois de seguir alguns perfis de treino no Instagram. No início, era só estética, mas hoje entendo o exercício como parte do meu cuidado pessoal”, conta a engenheira ambiental Tarsilla Amaral, 28 anos.
Especialistas alertam para o consumo crítico dessas referências, já que treinos e dietas compartilhados por criadores nem sempre são adequados para todos os corpos e condições.
Um estudo publicado em 2024 pela Revista Mundo da Saúde, intitulado de “Influência das redes sociais no comportamento alimentar de mulheres adultas”, analisou o impacto do consumo de conteúdo digital sobre o comportamento e a percepção corporal de mulheres entre 18 e 50 anos. A pesquisa revelou que 46,2% das entrevistadas consideram a mídia e os criadores de conteúdos uma influência negativa sobre seus hábitos alimentares, enquanto 32,4% afirmam sentir insatisfação com o próprio corpo ao se comparar com padrões divulgados online.
Além disso, 43,9% das participantes disseram recorrer às redes sociais em momentos de tristeza, e 26,9% afirmaram buscar informações sobre alimentação e treino diretamente com influenciadores, superando até mesmo a busca por profissionais de saúde, como nutricionistas (23,7%).
Para o psicólogo Pablo Amaral, o impacto das redes sociais na autoestima e o consumo desse tipo de conteúdo precisa vir acompanhado de autoconhecimento “O problema não está em seguir influenciadores, mas em transformar essas comparações em medida de valor pessoal. Quando a motivação vem da inspiração, o exercício faz bem; quando vem da comparação, pode gerar ansiedade e frustração”, explica.
Apesar dos riscos, é inegável que os influenciadores ajudaram a tornar o tema da atividade física mais popular e acessível, especialmente entre os mais jovens, contribuindo para uma geração que busca associar saúde, estética e bem-estar emocional dentro e fora das academias.
O IMPULSO DO CONSUMO SAUDÁVEL
Com a transformação da academia em um espaço de bem-estar, estética e sociabilidade, cresceu também o lado comercial que a cerca. Roupas esportivas, suplementos, refeições prontas e acessórios de treino se multiplicaram, consolidando uma economia própria em torno do estilo de vida ativo.
De acordo com o IMARC Group, empresa global de pesquisa de mercado e consultoria de gestão, o mercado de vestuário esportivo no Brasil movimentou cerca de US$ 4,57 bilhões em 2025, com projeção de atingir US$ 6,68 bilhões até 2033. O crescimento reflete a popularização do athleisure, roupas que transitam entre o treino e o cotidiano, e o fortalecimento da imagem fitness como símbolo de vitalidade e autocuidado.
A estudante de Jornalismo Midiã Varjão, 26 anos, é um exemplo desse novo perfil de consumo. Frequentadora assídua e gastando em média R$130 por mês com roupas de academia, ela conta que o treino passou a influenciar também o modo como se veste. “Antes eu usava qualquer roupa para malhar. Agora, gosto de comprar conjuntos confortáveis e bonitos, porque isso me motiva. Acaba sendo uma forma de autocuidado”, diz.
O segmento de suplementos alimentares também ganhou força. Um relatório da Grand View Research (2024), empresa de pesquisa de mercado e consultoria que publica relatórios anuais sobre diversos setores, estima que o mercado brasileiro do setor alcançou US$ 4,62 bilhões neste ano e deve crescer a uma taxa média anual de 9,5% até 2030. Já o IMARC Group projeta expansão ainda maior, com o segmento chegando a US$ 9,5 bilhões até 2034. O aumento é impulsionado pela busca por performance, prevenção de doenças e bem-estar, especialmente entre jovens adultos e frequentadores de academias.
Para Roberto Cruz, 27 anos, personal traine e dono de uma loja de suplementos na região de Simões Filho, crescimento das vendas está relacionado a questão física, mas o consumo exige atenção e cuidado. “Depois da pandemia, muita gente começou a se cuidar mais. Os suplementos que mais saem são os de proteína e os pré-treinos. O público quer resultado rápido, mas também quer entender o que está consumindo”, afirma.
O consumo saudável também chegou à mesa. O mercado de refeições prontas e kits saudáveis, segundo dados do Portal Statista (2024), o setor movimenta mais de US$ 1,2 bilhão por ano no Brasil, impulsionado pelos serviços de delivery e pela demanda por praticidade e alimentação balanceada. Para muitos frequentadores de academia, a marmita equilibrada e o shake pós-treino já são parte do ritual diário.
Do lado das academias, o investimento em experiência virou estratégia. Ambientes modernos, playlists personalizadas e aulas temáticas transformam o treino em um momento de conexão social, onde o consumo de produtos, serviços e conteúdo se integra à rotina de quem busca qualidade de vida.
O avanço desse mercado tem efeitos positivos: movimenta a economia, gera empregos e incentiva hábitos mais saudáveis. Mas também exige senso crítico. Especialistas alertam que nem todo produto rotulado como “fitness” traz benefícios reais, e que o acompanhamento profissional continua essencial para evitar riscos à saúde.

Pedagoga, Larissa Carneiro, 29 anos / Foto: Arquivo pessoal
